13/07/15

Do assassínio e do suicídio provisórios como panaceias políticas

Ao ler isto: — Em caso de não acordo para um terceiro resgate ao país, é dito que "deveriam ser oferecidas à Grécia negociações rápidas" para que o país saia temporariamente da zona euro, "com possível reestruturação da dívida" — lembrei-me da passagem de um breve texto do João Bernardo, publicado neste blogue, em Novembro de 2012, que rezava o seguinte: Entretanto, há dias li um comentador no Vias de Facto que propunha que abandonássemos provisoriamente o euro. Isso deu-me a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro.

A ideia de Schäuble, da extrema-direita finlandesa e do chauvinismo conservador é, com efeito, tanto um convite ao assassínio provisório da Grécia como uma exortação ao suicídio provisório da UE. E vale a pena sublinhar, uma vez mais, que o abandono por parte da Grécia da zona euro, completada eventualmente por uma reestruturação da dívida, têm sido dois temas maiores da esquerda europeia anti-"europeísta" e soberanista.

12 comentários:

Paulo Marques disse...

Miguel, com todo o respeito, esta Europa está podre e não é de hoje. Tenho acompanhado o blogue, não há muitos anos, e respeito o seu ponto de vista, mas acho que agora é demais. A escolha entre aceitar qualquer coisa pelo que resta do falecido ideal europeu tornou-se inaceitável porque está visto que os cidadãos nunca terão direito a nada. Ainda para mais, TO e o TISA vão ilegalizar qualquer política de esquerda na Europa e implementar (ainda mais) o neo-liberalismo como política única.
A escolha para mim é entre tentar acabar com a palhaçada enquanto ainda pode haver alguma calma ou sofrer todas as consequências de um espectacular rebentamento de mais uma bolha, como a chinesa que já se cheira.
Quanto mais cedo se começar a refazer do zero, melhor.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Nightwish,
eu diria antes: quanto mais cedo se começarem a retomar e criar novas formas de acção e de luta que prefigurem e potenciem, na sua organização e objectivos, as capacidades governantes dos cidadãos comuns, não a partir do zero, mas da democratização e transformação radical das relações de poder existentes, quanto mais cedo isso se der ou se tornar perceptível, pelo menos, essa alternativa — então, sim, de acordo — tanto melhor.

msp

joão viegas disse...

Ola,

O comentario do Nightwish é sintomatico e resume muitos outros, e também a tonica de alguns posts no blogue. Percebo o desânimo mas, ainda assim, custa-me a crer que as pessoas não ganhem consciência de que a atitude do "tudo ou nada" esconde uma forma de demissão politica.

Ninguém diz que o que esta a acontecer esta bem, nem que as vitorias alcançadas (infelizmente) pelos partidarios da politica de extorsão apoiada na chantagem austero-libertarianista são de enaltarecer. Apenas dizemos que é um mal menor, porque o Grexit representaria um esbulho maior, e, alias, uma austeridade ainda mais dura (ou vocês pensam o quê ? que iria haver uma sacrosanta aliança internacional dos povos para subvencionar a dracma ? Por acaso houve uma para o peso argentino ?). Mas não se trata de nos satisfazermos com o que temos. Vimos que quando confrontadas com uma crise, as vozes que apontam para uma direcção certa, que é a da socialização/integração dos problemas europeus (e, também, das dividas publicas, das politicas fiscais, das politicas orçamentais, etc.), fazem-se ouvir com mais nitidez. Porque não tentamos dar lhes expressão politica ? Preferimos ficar-nos pelas ameaças de secessão ? Com que resultados ?

Tudo ou nada é o que defendiam os anarquistas do fim do século XIX. Este mundo esta podre, então vamos arrebentar com tudo e partir para outra. Tudo muito poético. Viva o Ravachol e isso. Mas enquanto proposta politica realista, ja vi melhor... E ja vi mais esquerdista também...

Isto não vai ser facil, pois não. Mas o caminho é claro : criar democraticamente as condições para que as ideias de esquerda se imponham na Europa. E' impossivel porquê ? Porque a realidade impede ? Porque os liberais têm razão e o capitalismo cria mais riquezas para todos ? E' mesmo isso que vocês estão a dizer ? Que so nos resta retirarmos num bunker e dividir irmamente o resto dos feijões ? Somos os povos, mas os maus dirigentes que temos não nos deixam existir ! E' isso que vocês tiram como lição do referendo ? A esquerda esta bonita, esta. Mais daqui por uns dias, com mais vagar, venho ca explicar isto num post. Vai intitular-se : "soyons réalistes, demandons l'impossible !".

Abraços a todos

Sérgio Pinto disse...

Isto não vai ser facil, pois não. Mas o caminho é claro : criar democraticamente as condições para que as ideias de esquerda se imponham na Europa.

Joao Viegas,

Desculpe, mas o que me parece mais provavel e' que o facto de ter o SYRIZA a implementar um program que poderia ter saido directamente da plataforma da Nova Democracia vai matar a esquerda na Europa durante decadas. Parece-me agora praticamente impossivel convencer alguem de que uma alternativa e' possivel (mesmo que qualquer pessoa formada em economia saiba que esse e' o caso - mas e' igualmente evidente que se as licoes de economia fossem relevantes para esta UE, o ruma austeritario ja' teria sido invertido). E, francamente, tenho dificuldades em perceber qual a utilidade de partidos de esquerda, se estes se limitam a implementar propostas conservadoras, regressivas, e anti-sociais. Como cereja no topo do bolo, so' falta uma cisao do SYRIZA, para depois podermos ver o Tsipras a liderar um governo coligado com o To Potami, a Nova Democracia, e/ou o PASOK.

De resto, parece-me absolutamente lunatico que o governo grego tenha ido para negociacoes sem qualquer plano de contingencia para la' da capitulacao total.

joão viegas disse...

Caro Sérgio Pinto,

Creio que esta a exagerar mas, sobretudo, a furtar-se a responder à unica pergunta que interessa. Qual era a alternativa, ao certo ? Grexit ? Outro referendo na esperança de que os governos da maioria dos paises europeus se demitiriam ao realizar que não têm o apoio do povo grego soberano ? Os Gregos permanecerem no Euro não é um ponto favoravel à ideia de uma união solidaria ? Os Gregos não têm nada a lucrar com isso e não vão continuar a beneficiar (como beneficiaram até hoje) com a União ?

Eu, modestamente, acho que a esquerda so tem futuro, na Europa ou fora dela, quando deixar de ser criança e passar a ser responsavel. Neste momento, isto passa pela participação activa na criação da Europa politica onde ela podera amanhã expressar-se e fazer avançar as suas ideias. Isto, por exemplo, em nome da democracia e da coerência, e também em nome do "fascismo nunca mais" com que ela (esquerda, menos talvez o PC, e nem sequer isso é pacifico) apoiou durante décadas seguidas os governos democraticos que se empenharam na construção da União europeia. E' necessario fazer cedências ? Pois é. Ainda que quiséssemos recriar uma sociedade justa e fraterna no planeta Marte, teriamos de fazer cedências... E' a politica, arte complicada que se distingue da tragédia, mesmo quando pretende inspirar-se nesta ultima...

Roma não se fez num dia.

Abraço democratico

Sérgio Pinto disse...

Caro Joao Viegas,

Tem razao, nao respondi: possiveis alternativas seriam a saida da Zona Euro ou a convocacao de eleicoes antecipadas (o que, provavelmente, levaria igualmente 'a saida). Mas, ja' agora, uma pergunta para si tambem: se o SYRIZA (ou a esquerda em geral) nao equacionam qualquer alternativa, de que forma e' que evitam perder qualquer negociacao? Se nao ha' um limite a partir do qual a saida da ZE e' preferivel, de que forma e' que se evita que qualquer plataforma de esquerda seja esmagada pelas forcas conservadoras que detem todo o poder?

Sim, cedencias sao necessarias. Mas o que aconteceu neste processo foi que as cedencias aconteceram todas de um lado - ou seja, tratou-se de uma capitulacao, nao de cedencias. E parece-me logico que isso foi o resultado do facto de o SYRIZA nunca ter considerado, sequer, a possibilidade de uma alternativa. Ora, dessa forma, parece-me que a derrota em qualquer negociacao esta' garantida 'a partida.

Parece-me que tanto o Joao Viegas e o Miguel Serras Pereira (e o Joao Valente Aguiar) insistem na questao da ZE e menorizam a enorme desproporcao de forcas, bem como o facto de as forcas conservadoras estarem entrincheiradas em todas as posicoes de poder e protegidas por um enquadramento legal que torce tudo em seu favor (mas que, quando conveniente, e' abandonado sem consequencias, como quando o BCE ilustra quando larga a independencia e mostra a sua subserviencia aos estados fortes, condicionando aumentos de liquidez 'a existencia de um acordo). Posto isto, parece-me dificil discordar de Louca (que, como muitos esquerdistas internacionalistas, comecou por ser inteiramente oposto 'a saida da ZE):

"Por isso, enganam-se os que escrevem, na Grécia e noutros países, que estamos a assistir à surpresa de um golpe: de facto, o golpe já está inscrito nos tratados e está simplesmente a ser aplicado. Todo o poder desta força foi convocado para se impor à Grécia, que ficará submetida a um regime tutelado."

Sérgio Pinto disse...

Em adenda ao meu comentario anterior, a entrevista de Varoufakis ao New Statesman tem muitos pontos interessantes. Em particular, revela que foi Tsipras quem decidiu que, apos o referendo, iria negociar sem plano B (http://www.newstatesman.com/world-affairs/2015/07/exclusive-yanis-varoufakis-opens-about-his-five-month-battle-save-greece):

He said he spent the past month warning the Greek cabinet that the ECB would close Greece’s banks to force a deal. When they did, he was prepared to do three things: issue euro-denominated IOUs; apply a “haircut” to the bonds Greek issued to the ECB in 2012, reducing Greece’s debt; and seize control of the Bank of Greece from the ECB.

None of the moves would constitute a Grexit but they would have threatened it. Varoufakis was confident that Greece could not be expelled by the Eurogroup; there is no legal provision for such a move. But only by making Grexit possible could Greece win a better deal. And Varoufakis thought the referendum offered Syriza the mandate they needed to strike with such bold moves – or at least to announce them.

He hinted at this plan on the eve of the referendum, and reports later suggested this was what cost him his job. He offered a clearer explanation.

As the crowds were celebrating on Sunday night in Syntagma Square, Syriza’s six-strong inner cabinet held a critical vote. By four votes to two, Varoufakis failed to win support for his plan, and couldn’t convince Tsipras. He had wanted to enact his “triptych” of measures earlier in the week, when the ECB first forced Greek banks to shut. Sunday night was his final attempt. When he lost his departure was inevitable.

“That very night the government decided that the will of the people, this resounding ‘No’, should not be what energised the energetic approach [his plan]. Instead it should lead to major concessions to the other side: the meeting of the council of political leaders, with our Prime Minister accepting the premise that whatever happens, whatever the other side does, we will never respond in any way that challenges them. And essentially that means folding. … You cease to negotiate.”

Paulo Marques disse...

Miguel,

Penso que comecei a ler o blogue por volta da altura em que se falava da saída de Portugal e foi aqui que aprendi afinal o que era o controlo dos meios de produção pelos trabalhadores. As suas palavras são bem vindas e não caiem em saco roto.
Mas graças ao TO tornou-se ilegal ter qualquer política de esquerda e o TiSA ainda o tornará mais, faltando depois apertar o cerco com coisas como os orçamentos terem que ser inteiramente aprovar orçamentos até à ilegalização final. Mesmo que ela não venha, os capitalistas já usaram o seu pleno controlo sobre os média para ter a certeza que os cidadãos nada percebam de economia; pelo contrário, pessoas que nem sabem o básico passam a gurus só por dizerem que não há alternativa e que vivemos acima das nossas possibilidades.
Ficar eternamente à espera de aliados em partidos socialistas que há já foram capturados pelos capitalistas ou em outros que serão ilegalizados começa a parecer a espera pelo pai natal. No verão.
E esta ideologia nem é de hoje, nem sequer de há cinco anos, vem desde a criação da CEE que o Euro só veio piorar, em muito. Houve muita gente insuspeita a avisar do que aí vinha, tal como Bagão Félix.
Eu entendo e concordo com o seu medo da direita nacionalista... mas acha que ela não virá quando rebentar a enorme bolha chinesa, por exemplo, e estivermos ainda mais debilitados economicamente do que hoje? Espera contar com os cidadãos europeus que são cada vez mais racistas com os europeus do sul para os "salvarem" mais uma vez? O que vai acontecer se estes continuarem a emigrar às centenas de milhar e a "roubar" empregos? Ao fim e ao cabo, o directório alemão vai-se tornando cada vez mais um império de extrema direita apostado no racismo, mas foi voluntário desta vez, por isso está tudo bem?
O idealismo é muito bonito e muito bom, mas é preciso pensar em quem vive neste século e não só que o futuro nos dará inevitavelmente razão.

Olhando para o acordo (e não conhecendo assim tão bem a história) parece-me mais um acordo que se faz quando se perdia uma guerra nos séculos passados do que outra coisa.

Paulo Marques disse...

João Viegas:

Não encontro diferenças entre o seu discurso e o da direita: "Temos que aceitar tudo, por muito duro que seja, porque amanhã teremos todo o apoio da UE no nosso desenvolvimento".

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Nightwish,
o problema entre nós é que eu, embora procure rejeitar o papel de conselheiro do mal menor, recuso igualmente a ideia do "quanto pior, melhor".
Enfim, quanto à peste do nacionalismo, é difícil sobrestimá-la, sobretudo quando vemos a esquerda contaminada por ela. E hoje o que se passa é que tanto no Norte da Europa como nos países do Sul essa peste alastra. Tem sido para isso que tenho procurado alertar nos meus pequenos posts mais recentes. Bem como para o carácter ilusório, de "falsa consciência", do nacionalismo — que é uma mistificação e um ópio do povo — que alguns reclamam como via de libertação nos países periféricos (Cf. o meu post de ontem sobre as posições de José Pacheco Pereira).

Cordiais saudações democráticas

msp

joão viegas disse...

Caros,

Resposta (mais ou menos) curta, que o tempo não da para mais :

Ninguém consegue modificar uma realidade se não começar por compreendê-la e aceitar os seus constrangimentos. No caso da Grécia, de facto, a questão é saber se o povo Grego estaria em melhores condições com um Grexit. Para mim, é claro que não. Não apenas teria de enfrentar uma politica austeritaria muito mais dura, mas teria pouquissimas hipoteses de escapar ao aventureirismo nacionalista de cariz fascitoide, o que seria o pior dos retrocessos.

Assim sendo, é melhor ceder. Ceder tudo ? Abandonar, capitular completamente, render-se integralmente à logica do capitalismo contabilistico ? No fundo, cometer o erro dos partidos sociais-democratas que se tornaram cumplices, quando não verdadeiros convertidos à logica do capital ? Perguntam vocês, e a duvida é compreensivel.

Não. Não é isso que digo. O que digo é que ha que ceder o minimo, e mesmo que o minimo poderia talvez ser ainda um bocado minimizado se não cometêssemos erros (e o referendo, na minha modesta opinião, foi um erro crasso, do tipo "error bazofius").

So que o minimo é o minimo possivel, tendo em conta a realidade. Não ha como escapar. Como é obvio, a unica Grécia não tem legitimidade para exigir o perdão total e imediato da divida contra todos os outros parceiros. Se tivesse havido votação a nivel Europeu, a decisão não teria ido nesse sentido. Pelo menos hoje, não teria sido esta a votação dos povos europeus. Porquê ignorar esta realidade ? Em nome de que conceito barroco de democracia ?

Portanto a unica via é reformar por dentro convencendo e, neste capitulo, temos muuuito que andar. As tais regras orçamentais que julgamos inaceitaveis podem ser modificadas, contando que a maioria dos povos europeus assim o queiram. E porque não haveriam de o querer ? Quem disse que, com verdadeira democracia a nivel Europeu, as politicas austeritarias seriam necessariamente as escolhidas ? Eu acho que não. Vejo, que elas são escolhidas, em grande parte, porque estamos numa Europa ainda incipiente, onde impera ainda o reflexo nacional do "meu dinheirinho", da "minha reforminha" e "desses gatunos algarvios que não querem trabalhar".

Eu, contrariamente a vocês (bom, isto aqui é provocação pura, mas que se lixe), não me limito a acreditar nas virtudes de uma politica de esquerda, social, de redistribuição em beneficio do trabalho. Acredito nessas virtudes, mas acredito também que é mesmo possivel fazer com que esta politica venha a ser implementada, porque ela tem de facto as virtudes que vocês sublinham e porque não vejo nenhuma razão a priori que impeça que ela seja escolhida democraticamente pelos povos europeus. Foi o que sucedeu na Grécia ? Pois foi. Mas não chega...

Respondem-me v. que isto é o discurso da realidade, o dos tecnocratas, o dos austeritarios ! Fora com ele. Abaixo a realidade ! Queremos outros coisa !

Meus amigos, a realidade não se contesta, nem se recusa. Não ha fuga. A unica maneira de lidar com a realidade, e mais particularmente com aquela que não nos convém, é transforma-la. Destruir as bases incipentes da Europa politica é o caminho ? Sinceramente, julgo que não.

Abraços esquerdisto-realistas

Paulo Marques disse...

Incipiente? É o seu desígnio, ser o império alemão. Essa é que a realidade, não é que a democracia vai resistir dentro da UE por muitos discursos bonitos que se assine de cruz.
E a outra realidade é que a Grécia, e Portugal, rapidamente se vão tornar um deserto de idosos porque tudo o que tem um mínimo de talento e ambição não está para andar de estágio em estágio a ganhar uma miséria.
E, sinceramente, deixar as coisas andar só as vai tornar mais difíceis de mudar, e como a queda de outros impérios, vai exigir sangue e caos e ninguém imagina o que daí vai sair. E não vai demorar muito a chegar a esse ponto.
Vichis houve muitos com pouco sucesso.