25/03/13
Democracia e auto-gestão
por
Pedro Viana
A ideia de que aquilo que os trabalhadores fazem no seu local de trabalho não deve ser questionado é simétrica daquela que vê a empresa como o reduto do proprietário, cujas decisões não devem de modo algum sofrer a interferência de agentes externos. Em qualquer um dos casos, ao resto da sociedade é atribuído o papel de espectador, ou então exigido o apoio incondicional ao lado da barricada que se escolheu. Na prática, são ambas visões profundamente anti-democráticas, que negam a todos aqueles que são (ou se julgam) afectados por aquilo que se passa no interior dum local de trabalho, ou empresa, o direito de interferir, como bem entenderem, no curso dos acontecimentos. A Democracia não serve para ser aplicada apenas em certas situações, quando dá jeito para se legitimar a decisão que se julga garantida. Deve antes permear toda a sociedade, actuando a vários níveis, envolvendo sempre todos os que (julgam) poderem vir a ser afectados pelas decisões que venham a ser tomadas. Isso não quer dizer que a maior maioria (por exemplo, ao nível duma região) tenha o direito de impor-se sempre aos interesses da menor maioria (por exemplo, ao nível duma aldeia ou dum local de trabalho), mas menos ainda significa o contrário. Antes exige a busca de soluções de consenso. A inexistência deste poderá, infelizmente, levar à tentativa de coacção por quem mais interesse tem em mudar a situação existente.
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9 comentários:
Oh.Pedro Viana, a autogestão é a democracia directa- com a sua expressão máxima no poder das Ag´s. A que se associam mecanismos diferenciados de cooperação horizontal dos Conselhos Operários,para escolha dos métodos de trabalho, sua uniformização e racionalização na esfera de produção; e que se liga à cooperação vertical dos mesmos Conselhos implicados na planificação das etapes sucessivas da produção.Por outro lado, a democracia, de que nos fala aqui, é um dispositivo de gestão politica, mais ou menos democrática, do sistema...capitalista. Niet
Caro Niet,
Em nenhum momento defendi que a Democracia exclui a auto-gestão dos locais de trabalho. Pelo contrário, a Democracia exige a auto-gestão dos locais de trabalho. Mas não se pode reduzir a tal, o que é o mesmo que dizer que a auto-gestão dos locais de trabalho não deve ser feita sem ter em conta os interesses mais amplos do conjunto da sociedade. Obviamente, que não pode ser exigido aos trabalhadores que tenham sempre em conta tais interesses no processo auto-gesticionário. Nem que seja porque não têm meio de saber (adivinhar seria o termo mais apropriado) quais são. Cabe assim ao conjunto da sociedade construir, por decisão democrática, um edifício legislativo que incorpore os seus interesses, e que balize a actuação das unidades de produção (auto-geridas). Ou em alternativa, criar mecanismos de coordenação que incluam todas as unidades de produção, de modo análogo ao descrito pelo Niet, mas que não se limitem a ter como input apenas os interesses dos trabalhadores envolvidos.
Caro Pedro Viana,
O problema é que a reflexão do seu texto fica a meio, e também o seu rigor (se me permite).
Com efeito, ninguém defende hoje, nem nunca ninguém defendeu ontem, que os trabalhadores deveriam poder fazer o que lhes da na real gana no seu local de trabalho, sem ter de dar satisfações a ninguém. Isso não seria autogestão, mas antes um obstaculo peremptorio a qualquer veleidade de gestão, auto ou hetero...
Por outro lado, apesar da resma de imbecilidades publicada diariamente na imprensa sobre os "comunitarismos", não existe incompatibilidade nenhuma entre a soberania da sociedade e a preservação de espaços intermédios de autonomia, tais como são a autonomia associativa, a liberdade empresarial, a da familia, etc. Existe tanta incompatibilidade entre as duas coisas como existe entre o primado da lei (geral) e o respeito das liberdades (individuais).
Mas talvez seja eu que não consigo compreender onde v. quer chegar...
Boas
Meu caro, Pedro Viana: Vamos ver se conseguimos apurar o fio à meada depois de avançar com esta tese capital de Castoriadis sobre a eclosão dos Conselhos Operários:acima de tudo que contestem toda a legitimidade a um poder outro que não se gere neles. E tal determinação estratégica engloba ainda dois pontos prévios: 1. Como sublinha Rosa Luxemburgo, a democracia socialista- espero que o P. Viana se refira a tal- começa com a destruição da hegemonia de classe e a construção do socialismo. Começa no momento em que o(s) partido(s) de classe toma(m) o poder. E não é outra coisa senão a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura reside no modo de aplicação da democracia e não na sua supressão,usurpando com energia e resolução os direitos adquiridos e as relações económicas da sociedade burguesa; sem isso não se pode realizar a transformação socialista. Mas, frisa ainda Rosa Luxemburgo- essa ditadura deve ser obra da classe, e não de uma pequena minoria que a tente dirigir em seu nome; 2. Outra proposição essencial visando o combate das tendências burocráticas e as tentações do capitalismo de Estado que se podem infiltrar no desencadear de um processo autónomo do poder operário,é expressa de forma solar por Paul Mattick quando ele sublinha,de forma peremptoria, que a associação dos produtores livres e iguais que determinam a produção e a distribuição, não é concebível senão como um sistema de autodeterminação sobre o próprio lugar da produção, no qual não existe outra autoridade a não ser a vontade colectiva dos próprios produtores. Isso sub-entende a disparição do Estado e de todo um novo sistema de exploração que se apoie sobre o Estado.(...) A regulação do carácter social da produção deve rejeitar as relações fétichistas de valor e preço. Deve utilizar o tempo de trabalho directo como meio de cálculo, lá onde o cálculo ainda é necessário. Uma condição prévia para um tal desenvolvimento será a ausência de um governo central dispondo de um poder politico autónomo. Salut! Niet
Oh.caríssimo Pedro Vieira: Está-se mesmo a ver que a sua tese se esvaziou quase completamente por causa da confusão gerada pela " situação " objectiva dos actores sociais da transformação revolucionária, que aparecem ocultos no seu (s) textos. Com efeito, o desenrolar do processo autogestionário visa sabotar a alienação politica criada estruturalmente pela exploração e dominação da sociedade de classes.Pode-se dizer, contudo, que existem escassos momentos de vitória e consagração dos Conselhos Operários, com os casos exemplares de combatividade dos Conselhos Húngaros de 1956 e alguns tópicos essenciais da autonomia operária do Maio 68 francês como as grandes excepções quse universais até hoje. " As células de base da organização dos Conselhos Operários são outra coisa mais do que orgãos de gestão da produção. São ao mesmo tempo e acima de tudo os orgãos de auto-administração da população sob todos os seus aspectos: de um lado,constituem os orgãos de auto-adminstração local;de outro, agenciam as únicas articulações do poder central, que só existe como federação e agrupamento da totalidade dos Conselhos ", aponta Castoriadis, que sintetiza: " " Não existe racionalidade " objectiva " permitindo decidir, com a ajuda de fórmulas matemáticas, o futuro da sociedade, do seu trabalho, do seu consumo, da sua acumulação. A única racionalidade neste campo, é conferida pela razão criadora dos homens, incarnada na tomada de decisão por eles próprios sobre o seu futuro ".- Salut! Niet
Caro Niet,
Mencionar a democracia directa no 1o comentário, e a ditadura do proletariado no 2o comentário não revela grande coerência argumentativa. Não tenho nada a opôr ao terceiro comentário. A não ser que a denominação Conselhos Operários para os "orgãos de auto-administração da população sob todos os seus aspectos" parece-me redutora, pois atribui a um desses aspectos (o trabalho) um lugar central na estruturação da vida em sociedade, quando existem muitos outros que são igualmente relevantes.
Caro joão viegas,
Há muita gente à Esquerda que sacraliza de tal modo a figura do trabalhador, que para eles o que quer que seja que os trabalhadores (num qualquer local de trabalho) façam não pode ser contestado, nomeadamente o exercício (num dado contexto particular) do direito à greve. Independentemente, de tal poder prejudicar as perspectivas futuras de afirmação (não me estou referir a consequências no curto prazo) do conjunto dos trabalhadores, ou da população como um todo. Mais uma vez, isto não quer dizer que esses trabalhadores não devam ou possam fazer greve, mas apenas que tal não constitui um acto necessariamente benéfico do ponto de vista do bem comum, e portanto é perfeitamente legítimo criticar, pela Esquerda, o exercício desse direito em certos contextos.
Meu caro: O conceito de ditadura do proletariado como forma activa de democracia socialista é da autoria da Rosa Luxemburgo, conforme sinalizei/citei objectivamente no comentário .E a referência maior ao grau de intervenção politica global dos Conselhos Operários é tese capital enunciada por C. Castoriadis. " Para nós o conteúdo do projecto revolucionário consiste em que os homens se tornem capazes de tomar em mãos os seus problemas e que- o que é, sucessivamente, a mesma coisa, a consequência da coisa e uma outra coisa; situamo-nos, do ponto de vista da lógica identitária, nos " paradoxos "- o único meio para que se tornem capazes de pegar nos seus problemas, é que os agarrem, e isso, de forma cada vez mais forte ",C.C.in " O conteúdo do socialismo".UGE Éditions.1979. Salut!Niet
Pedro Viana, meu caro: Está a tresler. A citação é de um conceito da Rosa Luxemburgo, como está lá objectivamente. E o papel global da intervenção plural dos Conselhos Operários é tese maior do Castoriadis, que,aliàs, reforça a tese da R.Luxemburgo: " A ditadura do proletariado significa este facto incontestável de que a iniciativa e a direcção da revolução socialista e da correlativa transformação consecutiva não podem pertencer senão ao proletariado das fábricas. Isso demonstra que o ponto de partida e o centro do poder socialista serão incarnados pelos Conselhos Operários, no sentido estrito do termo. Mas o proletariado não visa instaurar uma ditadura sobre a sociedade e sobre os outros estractos da população, pelo contrário , visa instaurar o socialismo, uma sociedade onde as classes e patamares societários tendam objectivamente a desaparecer ". Salut! Niet
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