20/03/13

Sobre Beppe Grillo, a nova coqueluche da esquerda portuguesa. Ou de como o pior cego é o que não quer ver...


Simone Di Stefano: «Você é antifascista?»
Beppe Grillo: «Essa questão não me diz respeito. o M5E é um movimento ecuménico.»
(Conversa entre Grillo e um dos principais dirigentes do partido neofascista CasaPound, 11 de Janeiro de 2013).
Alguns leitores terão amigos italianos que costumavam situar-se à esquerda e que recentemente votaram no M5E, ou até se tornaram activistas do M5E. Aposto que nenhum deles lhes terá falado dos aspectos mais direitistas do movimento, porque certamente teriam perguntado: «Como assim? Andas a fazer trabalho político lado a lado com fascistas? Aderiste a um movimento que rejeita a própria noção de antifascismo? Um movimento que quer suprimir os sindicatos?! Votaste num tipo que admira Ron Paul e o conservadorismo libertário ao estilo dos EUA? Meu caro, o que se passa contigo?», e eles encetariam um emaranhado de autojustificações.
«Antes de degenerar, o fascismo tinha um sentido de comunidade nacional (que foi buscar directamente ao socialismo), o maior respeito pelo Estado e a vontade de proteger [a instituição de] a família.» (Roberta Lombardi, deputada do M5E, 21 de Janeiro de 2013).
Talvez esses amigos estejam a par desses aspectos mas ou os subestimam ou os afastam prontamente, porque são demasiado inquietantes. É tal a repulsa contra “o velho sistema político” que a crítica de um “novo” movimento é desclassificada como manifestação de pedanteria e de luxo intelectual. «Primeiro que tudo é preciso correr com este sistema político podre, e então poderemos falar dos erros do Grillo. Agora não podemos permitir-nos isso!» Ora nós pensamos que essa é uma abordagem perigosa.
(...)
Em várias zonas do país, a espinha dorsal da simpatia pelo M5E é formada por gente que antes apoiou Berlusconi, a xenófoba Liga Norte, e nalguns casos partidos totalmente fascistas como a Nova Força e a Chama Tricolor. Em 2012, quando o M5E ganhou as eleições em Parma e tratou de eleger Federico Pizzarotti como presidente do município, a maior fatia de votos (25,9%) veio de gente que antes tinha votado na Liga Norte.
Afinal, a posição de Grillo e do M5E quanto à imigração e às minorias é muito próxima da da LN. Transcrevemos de um dos seus blogues, sob o título “As Fronteiras Des-sacralizadas” e publicado no beppegrillo.it em Outubro de 2007, o seguinte:
«Um país não pode FUGIR À RESPONSABILIDADE PARA COM OS SEUS CIDADÃOS na forma como lida com os problemas causados pelos milhares de ciganos da Roménia que vêm para a Itália. O objecção de Prodi é sempre a mesma: a Roménia pertence à Europa. Mas que significa “Europa”? MIGRAÇÕES SELVAGENS de pessoas sem trabalho de um país para outro? Sem saberem a língua, sem lugar onde ficarem? Todos os dias recebo centenas de cartas acerca dos ciganos, é um vulcão, UMA BOMBA-RELÓGIO, e tem de ser desactivada… Para que serve um governo que não garante a segurança dos seus cidadãos?… As fronteiras da pátria costumavam ser sagradas, foram des-sacralizadas pelos políticos.»
Por fim, e não menos importante, o próprio Casaleggio é um ex-simpatizante da Liga Norte. Segundo o procurador Vincenzo Forte, ex-dirigente do Movimento Social Italiano (neofascista), três dos novos deputados do M5E e dos dos seus novos senadores (todos estes eleitos na Lombardia) têm um passado fascista radical. Forte não revelou os seus nomes, mas acrescentou:
«Estes não são casos isolados, é um fenómeno muito mais vasto e enraizado, uma estratégia cuidadosamente organizada para penetrar no movimento de Grillo. Esta estratégia está sendo levada a cabo com a máxima discrição por grupos neofascistas locais.»
O M5E não tem qualquer defesa ética ou teórica contra isto, porque Grillo e Casaleggio se recusaram categoricamente a adoptar o antifascismo como seu valor de diferenciação. Grillo quer que o movimento seja “ecuménico” e que o antifascismo “não lhe diz respeito”
(...)
Estaremos nós a defender que o M5E é um movimento fascista? A resposta é: não. É certo que há fascistas no seu meio, e que os elementos direitistas do seu programa são mais relevantes do que os de esquerda. No entanto o M5E está agarrado a diversas tradições da direita, uma parte dos seus integrantes ainda estão na esquerda, e etiquetar o movimento como simplesmente fascista seria obviamente simplista.
O que pretendemos dizer é que, sobretudo na Itália, o “nem-nem-ismo” confusionista sempre prosperou em situações de crise económica e política, e uma parte da esquerda se deixa tentar por esse canto das sereias. Os que não resistem à tentação acabam invariavelmente na direita, com ou sem consciência disso


O texto do colectivo Wu Ming Foundation pode ser lido na íntegra aqui.

14 comentários:

maria disse...

a nova coqueluche ? o pesadelo , quer dizer , com certeza..
é que eu gosto bastante do 5 estrelas e tenho lido e ouvido aqui e acolá e a não ser o Pedro Viana , que parece compreender que as " gerações mais qualificadas de sempre " já não precisam de educadores do povo , todos os outros o chamam de palhaço , ignorando que tem um diploma de economia não comprado , que se saiba , e de ditador ( e então , o Cunhal não mandava no pcp inteiro ?)
e sim , queremos nos governar de forma prática , sustentada e eficiente , a esquerda e direita que se lixem.

Anónimo disse...

Magnifico apontamento do JVA sobre o sinistro Beppe Grillo, o equivoco projecto do M5E e as terriveis consequências que pode criar num contexto europeu democrático muito fragilizado e atravessado por autênticos sobressaltos de terror. Talvez tenha algum interesse, dar a ler a narrativa da chegada a Paris de Hitler em Junho de 1940,narrrada sob a inexcedível maestria e rigor de Victor Serge. Aqui fica: " Um pedaço da velha Europa desaba, cumpre-se o que parece que se devia realizar. Viviamos num sufocante impasse. Parece-me que desde há muitos anos em França- e talvez em todo o Ocidente - tudo estivesse dominado pelo sentimento de que " isto não pode continuar ". E o que é que não podia continuar? Tudo. As fronteiras, Dantzig, os fascismos, os parlamentos impotentes, a literatura e Imprensa " avariadas ", o movimento operário enfraquecido, esse conjunto de iniquidades e de sem-sentido. Nenhum sentimento de derrota, bem entendido. Contra o nazismo e mesmo para uma III Républica determinada a sobreviver, todos os revolucionários, como todo o povo francês, se teriam batido efectivamente se tal fosse possível. Mas não se pode defender senão uma sociedade viva e o estado de decomposição da nossa já ia muito adiantado. Ninguém acreditava em mais nada porque, de facto,isso já não era possível: nem na Revolução com esta classe operária bem alimentada de camembert frescos, de vinhos estimáveis e de velhas ideias transformadas em palavras- e completamente cercada acima de tudo pelo Reich nazi, a Itália fascista, a Espanha franquista, a Inglaterra insular e conservadora. Nem era possível,por outro lado, a contra-revolução com esta burguesia incapaz de audácia e de pensamento, doente de medo diante da ocupação das fábricas pelos operários. Agora, tudo está a desmoronar-se, o dente estragado foi arrancado e realizamos o salto no desconhecido. Será dantesco e terrivel, mas os que sobreviverem assistirão ao renascer do mundo. Poucas pessoas possuem este sentido novo que o homem moderno está em vias de adquirir dolorosamente: o sentido da história ". Salut! Niet

Anónimo disse...

nova aguia e mil

http://www.youtube.com/watch?v=U16QoOAF3dE

vejam os companheiros do msp, que ele chama fascistas a todos e ele é que é parceiro dos fascistas. que lata. enão deixa ninguem ver os comentários.

Anónimo disse...

O Fascismo nasceu na esquerda e aplicou politicas ditas de esquerda.
Gentile era um Hegeliano, escreveu e desenvoveu teoria politica tendo como base o Marxismo.
A aparência de Direita tem mais que ver com o necessário pacto de não agressão entre os Fascistas e os Monárquicos.
e com a narrativa que saiu da Segunda Grande Guerra.
Em 1946 foi fundada a revista "Rosso Nero" de promoção do Fascismo Social de Saló e anti Monarquia.

Por exemplo assassinado ao lado de Mussolini e da amante estava Nicola Bombacci, compagnon de route de Lenine, fundador do Partido Comunista Italiano.

Para quem lê italiano(não é muito difícil mesmo sem educação formal)
http://www.beppeniccolai.org/fascisti_di_sinistra.htm

http://www.mulino.it/edizioni/volumi/scheda_volume.php?vista=scheda&ISBNART=12705

Miguel Serras Pereira disse...

Há para aí um espírito de esbirro da Tcheka, que "assina" Anónimo o comentário das 17 e 37 deste post, e que me acusa de ter amigos fascistas por ter participado, a convite do António Pedro Dores e da Plataforma Outra Democracia (PODe), num debate sobre o tema "Ainda Vivemos em Democracia?", com o meu amigo Manuel Villaverde Cabral.
Pois é verdade, participei nesse debate, e, mais ainda, tornei antecipadamente imbecil a denúncia do cão-polícia acima referido - é que, antes de participar na sessão denunciada, anunciei neste mesmo blogue que me preparava para fazê-lo (prova de premeditação do crime, sem dúvida). Cf., por favor: http://viasfacto.blogspot.pt/2012/03/reaprender-democracia-um-ciclo-de.html
O problema é que há mentes tão imbuídas de paranóia antidemocrática que só vêem variantes dos seus próprios servilismo e servidão em tudo o que lhes aparece para frente. Apagada e vil tristeza…

msp

Eufemismos? disse...

Chamar coqueluche a Sócrates, coluche nem era socialista.

Miguel Madeira disse...

"Gentile era um Hegeliano, escreveu e desenvoveu teoria politica tendo como base o Marxismo."

Atendendo a que Hegel era um defensor da monarquia prussiana, não estou a ver em que é que o facto de alguém ser "hegeliano" demonstra que será de esquerda.

De qualquer maneira, Mussolini e Gentile escreveram sobre o seu posicionamento politico, e em "La Dottrina del fascismo" identificam-se abertamente na direita (penso que grande parte do argumento recorrente que o fascismo seria "de esquerda" baseia-se numa confusão entre "direita" e "liberalismo", que leva ao raciocínio "o fascismo era anti-liberal, anti-individualista e estatista, logo era de esquerda", quando direita anti-liberal e anti-individualista era o que mais comum havia na Europa continental - a direita liberal é que eram os excêntricos).

Quanto a Mussolini ter sido socialista, bem, também Hayek o foi.

João Valente Aguiar disse...

Miguel Madeira,

algumas clarificações.

o Mussolini foi realmente socialista nos primeiros 10 anos do século XX e se não era de todo impensável a viragem dele para a extrema-direita, a verdade é que ele esteve mto tempo na ala esquerda da esquerda italiana.

Mas mais importante do que o Mussolini é que o que dá dinamismo ao fascismo é o facto de em várias ocasiões ele ter-se apropriado de ambiguidades e de temas provenientes na esquerda e reenquadrá-los à direita. Aliás, num texto meu de aí há um mês cito o insuspeito Bukharine que logo em 1923 se queixava do facto dos fascistas estarem a captar dinâmicas organizacionais da esquerda para bem dentro da direita mais à direita.

Não é a esquerda que forma o fascismo, mas o fascismo não é só o ponto mais à direita do espectro político. É o ponto que permite a circulação entre a esquerda e a direita mais extremas. Por exemplo, a ala mais à esquerda do PC alemão era tb a mais nacionalista (lembro a mão dada à extrema-direita contra a ocupação do Ruhr e contra os soldados franceses negros provenientes do Senegal) e a que chegou a organizar greves gerais em conjunto com o NSDAP, ao mesmo tempo que era frontalmente contra qualquer acção comum com a social-democracia ou com outras correntes à esquerda.

Se a política fosse um bolo, o fascismo não seria apenas a fatia mais à direita. Seria, acima de tudo, a batedeira que vai buscar pedaços de todos os outros e que, no final, os engole a todos. Entretanto, há quem ache que pode ficar com o bolo todo para si, enchendo-o de amido nacionalista pelo lado esquerdo do bolo. Até hoje o que tem sucedido é que na concorrência entre nacionalismos, ganha sempre o da batedeira. Há gente à esquerda que nem lhes rebentando bolos na cara conseguem enxergar o que andam a alimentar...

Miguel Serras Pereira disse...

Maria,

um amigo chamou-me a atenção para este seu comentário ao post do Jão Valente Aguiar. A chamada de atenção do meu amigo não podia ter sido mais sábia. E obriga-me a deixar aqui a observação seguinte. O programa que o seu comentário formula — "e sim, queremos nos governar de forma prática, sustentada e eficiente, a direita e a esquerda que se lixem" foi o programa "nacional frentista" de todos os regimes corporativistas e fascistas do século XX. Estender a mão a todos os que se disponham a pôr um poder superior (o do bom governo) acima da política democrática e do confronto social, através da colaboração de classes e da mediação activa das autoridades competentes, e reduzir ao silêncio, ao isolamento, à prisão ou, em sendo necessário, aos campos de internamento e à morte os maus espíritos avessos ao apelo de tanta boa vontade.

msp

joão viegas disse...

Caros,

Julgo problematico disqualificar a priori aqueles que se revêem no 5 estrelas (muitos acredito que de boa fé) por frustração, porventura legitima, perante os biés da democracia representativa presa à logica dos partidos.

Problematico, porque esta argumentação parece uma defesa cega do sistema vigente ou, pior ainda, a negação absoluta de encarar a hipotese que esse sistema venha a ser posto em causa e susbstituido por um melhor.

Mas isso não deve impedir uma critica ponderada, a posteriori, como julgo ser o caso da critica do JVA. Com efeito, ainda que julguemos que o sistema actual é mau, e que deve ser modificado, isso não pode servir de argumento para instaurar um sistema diferente, mas pior, que levaria a pôr radicalmente em causa os direitos liberdades e garantias que o sistema actual, mesmo imperfeito, ainda protege.

Infelizmente a analogia com o fascismo é perfeitamente legitima e propositada. Muitas pessoas aderiram aos fascismos, não porque achassem que a PIDE era uma boa coisa, mas porque acreditavam que o sistema parlamentar era mau e que era absolutamente necessario deita-lo abaixo. E, como sabemos, isso também sucedeu com os regimes autoritarios de esquerda, com as consequências que conhecemos.

Pode ser que algumas das criticas do 5 estrelas ao sistema politico sejam certeiras. Mas o problema não esta ai. O problema é que substituir a democracia representativa por um conclave de boas donas de casa em rede na net, ainda que houvesse garantias que elas são pessoas de bem e que não pactuam com gatunos, NAO é aceitavel !

Tenho pena mas eu não estou disposto a abdicar dos direitos liberdades e garantias que a constituição me reconhece, ainda que de forma imperfeita e aperfeiçoavel, em troca do sistema ingenioso dos homens bons que declaram que vão correr com os tratantes, com os intriguistas e com os maçons.

Não so não estou disposto a abdicar, mas julgo mesmo que os resultados parlamentares dessa seita devem ser olhados com a mesma desconfiança com que deviamos ter olhado para os resultados parlamentares dos partidos fascistas, ainda que seja bastante provavel que esses resultados se devessem, na altura, a muitas pessoas de "boa fé".

O boa fé não chega, meus amigos, nem o dom Sebastião.

Lutemos por melhorar o sistema, mas façamo-lo seguindo as regras minimas sem as quais não ha sistema que se aguente.

Ora o 5 estrelas (é assim, não é ?) NAO segue essas regras minimas. Antes quer vê-las revogadas...

Boas

maria disse...

eu percebo os vossos medos , mas eu não posso continuar à espera de Godot , perdi a paciência . tenho de me por a andar. para onde ? logo se vê. e tb sempre posso fazer marcha atrás se vir que vou parar a hamelin :)

maria disse...

não resisto : senhor João Viegas , não esqueça que metade dos eleitores somos donas de casa. que sugere? acabar com o sufrágio universal?
e mais facilmente me submeto às decisões de um conclave de donas de casa do que às de um conclave de dons Quijote. temos pena , as mulheres votamos e gostamos de ordem. caos enerva-nos.não saber o que vão comer os nossos filhos transforma-nos em leoas. saber que recursos que fomos nós que os trabalhamos são distribuídos por "ciganos" faz com que olhemos para a esquerda dos coitadinhos e do politicamente correcto como alvo a abater. capisce?

joão viegas disse...

Prezada Maria,

Desculpe mas não ha sexismo nenhum no meu comentario, como alias v. devia ter compreendido ao ler o paragrafo imediatamente a seguir, onde utilizo a imagem dos "homens bons".

O que eu quero dizer é que é irresponsavel, e inaceitavel, entregarmos o poder a um conclave de pessoas que têm como unico programa prometerem reger a coisa publica como boas donas de casa. Isso é precisamente reunir os defeitos da tecnocarcia aos do populismo, ou seja a propria raiz do fascismo. O facto de se tratar de mulheres ou de homens não tem nada a ver, nem tão pouco o de se apresentarem como "boas donas de casa" imagem talvez mais moderna, mas não muito diferente da do bom pai de familia...

Portanto o meu comentario não tem nada a ver com o facto de serem mulheres. Alias, nem sei se ha mais mulheres que homens no 5 estrelas...

Boas

Miguel Serras Pereira disse...

João Viegas, caríssimo,

se tomarmos o caminho da nossa comentadora Maria, teremos, com efeito, que considerar feminista radical as seguintes declarações de Salazar:

"Advoguei sempre uma política de administração, tão clara e tão sim­ples como a pode fazer qualquer boa dona de casa".

E, depois, isso de puxar do sexo como argumento de autoridade ou legitimação da justiça e/ou da justeza do que se diz, não me parece lá muito racional nem anti-sexista Para dizer pouco - mas também não vale a pena dizer mais.

Abraço democrático

msp