20/04/10

A Brasília do Vítor Dias

Muita água passou sob a ponte que nos liga a Brasília. E muita continuará a passar. De modo que, entre a crítica romântica do "novo" e a defesa embascada do "moderno", muito haverá por onde escolher. Na verdade, é todo um ver se te avias: de teses, de teorias e de teoremas ao dispor do intelectual de esquerda, de maneira a que este consiga engendrar a sua mais correcta posição acerca daquele enorme bicharoco urbano. Não é tarefa fácil. Um comunista, porém, tem sempre a vantagem de poder encurtar caminho, ao afinar o seu diapasão pelo simples critério da exploração.

Não tem que se ficar por aqui, pela exploração, provavelmente até concluirá que a exploração é coisa enorme e monstruosa, não apenas a simples relação entre o capitalista e o trabalhador. Mas não me parece que em algum momento possamos deixar cair a dita da exploração. Sim, que Brasília é belo e bonito; não, que Brasília é feio e horroso; sim, que é moderno e que o moderno é tão natural como o antigo; não, que é uma violência do homem sobre a mãe-terra; não, que as ruas às curvinhas são mais queridas do que as ruas aos quadrados; sim, que Brugges não tem piada nenhuma e o Haussmann é que sabia; não, que a sede do PCF é mais feia mas mais comuna (esta é a minha preferida, sinceramente que o é); sim, que o Niemeyer não é o Ribeiro Telles lá do sítio, e por aí em diante, etc., etc., etc. As you wish. Mas também e sempre a exploração. Poderá um comunista esquecer o suorzito que pingou e pingou e pingou para que a obra fosse possível? E, já agora, suor, sangue e lágrimas de quem foi mal e porcamente pago para o efeito? (Dou de barato, para não me acusarem de desvios esquerdistas, o processo de civilização a montante da vida de trabalhinho). Tudo isto para fazer um pedido ao Vítor Dias: a legenda que se encontra no seu blogue sob a foto da Magnum (dizendo "Trabalhador do Nordeste brasileiro mostra à sua mulher a nova cidade em cuja construção participou") esquece o suor e a exploração em nome da monumentalidade da obra e do génio do autor. Este esquecimento é coisa rara no blogue do Vítor Dias. Será que não dá para corrigir? À foto ficava melhor, em jeito de legendagem, a frase de W.Benjamin, que cito de cor: "todos os documentos de civilização são também documentos de barbarie".

5 comentários:

Attac Portugal disse...

O Vias de Facto estaria interessado em ser um blogue solidário com a iniciativa “Cartada contra a privatização dos CTT”? Trata-se de uma iniciativa da ATTAC Portugal. Ver mais informação em www.correiopublico.net/ ou no evento no Facebook

Divulgar este evento seria já uma preciosa ajuda.
Para receber informações regulares da iniciativa e ir divulgando outras actividades que se desenvolverão, confirmar disponibilidade para attac@attac.pt

Abraço

Anónimo disse...

Nem de propósito, logo à noite na cinemateca as «contradições de uma cidade nova»:

http://www.youtube.com/watch?v=JUGi_5LgquU

Marcos

xatoo disse...

para o bem e para o mal, as malhas urbanas são o somatório das diversas intervenções.
No caso citado o trabalhador alienado bem pde estar todo contentinho: trabalhou na construção da capital que foi inaugurada pela ditadura militar brasileira (uma das poucas na América Latina de que ainda hoje não se apuraram cabalmente os crimes cometidos)

Justiniano disse...

Caríssimo Zé Neves -
"Trabalhador do Nordeste brasileiro mostra à sua mulher a nova cidade em cuja construção participou" - não sendo, eu, comunista, longe disso, entendo a legenda e a foto como um momento sublime da vida colectiva da nação Brasileira. A íntima relação entre o trabalho, a criação, a riqueza, a pertença e orgulho.

Anónimo disse...

Pois é, cada um tens os graus de exigência que muito bem entende em relação às opções dos outros. É assim a vida e é assim a democracia.

De qualquer forma, o que o Zé Neves me parece não ter entendido é que o meu blogue, em diferença de vários em que ele tem participado publica muitos «posts» que não de opinião ou análise mas apenas de evocação objectiva ou de divulgação de «produtos» alheios.

Eu não estava a discorrer sobre Brasília, estava a assinalar que tinha sido inaugurada há 50 anos através de um slideshow da Magnum publicado pela Slate.

O que talvez Zé Neves com um pouco mais de finura e menos precipitação pudesse ter reparado é que, certamente não por acaso, o Vítor Dias, de entre 22 fotos do slideshow, fez questão de escolher duas,uma da quais, por razões estéticas e políticas,ilustrava um trabalhador do Nordeste mostrando à sua mulher a nova cidade em cuja construção tinha participado.

Ou seja, na minha brevissima selecção faltou o Lúcio Costa, o Niemeyer está lá e está o suficiente para ali não se esquecer os maiores construtores- os trabalhadores - tantas vezes esquecidos.

Sem pretensões de perfeição, fico com a impressão de que é eu que terei fama de «miudinho» mas que, por vezes, gente bem mais nova e de bem maior talento é que não escapa ao epíteto.