25/04/10

A vida não faz pausa

O cravo
Relembro os «velhos republicanos» da época em que ainda havia «velhos republicanos». Apareciam frágeis mas aprumados, com os seus dignos cabelos brancos, as medalhas limpas a Solarine e as coroas de flores, e lá rumavam a cada 5 de Outubro até ao lugar onde descansavam os antigos companheiros. Sabíamos todos que eram os sobreviventes de um tempo que se esfumara no tempo. Evocavam um dia distante, perdido algures nas névoas de uma memória em declive, ao qual apenas nos ligavam os laços simbólicos oferecidos pelos manuais escolares ou as colunas de efemérides. Mas nada mais. O «herói da Rotunda» era já uma fotografia desbotada, José Relvas e os seus apenas um grupo de cavalheiros ligeiramente descompostos habitando um filme de cinema mudo.

Os portugueses com menos de 50 anos olham agora da mesma forma quase sempre desatenta as imagens a preto e branco da multidão no Largo do Carmo, a tensão no rosto do capitão Maia, a tropa na rua com cravo vermelho na boca da G3. Não pode deixar de ser assim pois aquele foi um tempo, outro tempo, ao qual muitos dos portugueses de agora chegaram apenas pelas evocações televisivas, pelos insípidos livros escolares, os discursos hirtos num Parlamento florido, a narrativa nostálgica de aulas repetitivas. Algumas vezes pela inteligência, mas jamais pela experiência. É assim porque as Revoluções com maiúscula só são Revoluções com maiúscula por não poderem viver-se todos os dias. Para os filhos e os netos de Abril tudo começou a 26 com o conta-quilómetros a zeros, e por isso para poucos deles há um «Sempre!». É assim e não há que ter pena. Há que olhar para o que está para vir e o resto é memória a guardar. Quente para alguns – sou um deles, resistente e militar em Abril se querem saber –, mas para cada vez menos porque a vida não faz pausa.

Publicado também em A Terceira Noite

2 comentários:

Bolota disse...

Apesar de tudo, 25 de ABRIL SEMPRE

henedina disse...

Tenho menos de 50 anos e para mim o 25 de Abril não é como o descreve.
Voltei da escola e estava a dar uma série na TV que tinha uma zebra, era sobre veterinários em África. Não era a hora de dar isso. A minha mãe disse-me que tinha havido uma revolução "em Lisboa" mas que não se sabia muito bem se havia violência ou não. Pareceu-me ligeiramente apreensiva ou tímida. A minha mãe era tímida como eu também sou mas até agora só o tinha dito a uma pessoa. Não gosto de ser tímida. Eu aderi na minha infância, logo, à revolução. Disse-lhe: "se houve uma revolução é bom, assim o tio João e o César não serão presos." A minha mãe olhou a catraia que eu era, admirada. Não se tinha apercebido que eu sabia que as pessoas eram presas por delito de opinião. Ainda hoje o direito ao contraditório parece-me absolutamente necessário. Até censura em blogues me deixa fora de mim. É esse sonho mau que senti na minha infância e que faz que o 25 de Abril seja para mim com menos de 50 anos, único.