25/04/10

Não foi um passeio no parque

Defender Abril, ideia a que nos habituámos, não é a mais feliz das missões. Defender implica patrimonializar e não se pode defender o que está por cumprir e que todos reconhecemos como estando por cumprir. Há, na generalidade da esquerda abrileira (na qual me incluo, diga-se), uma ambivalência a este respeito que me parece ambígua mas improfícua. Agora, de uma coisa haverá seguramente que defender Abril. Da sua patrimonialização abusiva. Aguiar Branco tem todo o direito em meter o cravo à lapela e fica-lhe bem. Dispensa-se é a poesia barata segundo a qual Abril foi feito "para todos os portugueses". Não foi. Foi feito por muitos portugueses e por muitos não-portugueses mas foi feito contra alguns portugueses. Daqui a nada estão a dizer que os descobirmentos foram feitos para toda a humanidade, só os escravos é que demoraram algum tempo a perceber. A isto acresce que alguns desses portugueses contra o qual Abril foi feito pertenceram à direita portuguesa e a ela pertencem. Hoje é feriado nacional e por isso todos estamos sob o espectro de Abril, mas o pior que poderia acontecer era esquecermos o antagonismo que pauta toda e qualquer revolução. Esse antagonismo não é um "mal necessário" ou um "excesso", mas é a própria essência da revolução a que daqui brindamos. Abril foi um passeio revolucionário no parque. Não foi apenas um passeio no parque. E pronto, vou para a avenida. Talvez fique por lá até amanhã, uma vez que levo um cachecol vermelho para o frio da noite.

1 comentários:

Paulo Granja disse...

Caro Zé, não sei se é poesia barata ou ingenuidade da minha parte, mas o facto de Abril ter sido feito por muitos portugueses e não-portugueses contra alguns portugueses, não me parece impedir que "Abril" tenha sido feito "para todos os Portugueses". Foi. Caso contrário, o que Abril criou não seria qualitativamente diferente do regime que derrubou e não haveria, então, grandes motivos para defendê-lo (de resto, a comparação que apresentas a seguir parece-me particularmente infeliz. Abril não criou, nem nunca quis criar escravos. E a tentação, que eventualmente possa surgir, de comparar a actual situação dos portugueses à da escravidão só desvalorizará ainda mais Abril, por ignorar, para fins polémicos, a situação em que se encontravam os portugueses antes da Revolução). Reconhecer isto não implica esquecer o antagonismo de ontem, e muito menos o de hoje, entre diferentes projectos de sociedade. Implica apenas reconhecer que esse antagonismo se pode manifestar por e para todos os portugueses de forma aberta, e isto, precisamente, graças a Abril. Que alguns possam, agora, aproveitar essa liberdade para escamotear as diferenças ideológicas e assim tentarem combater outras conquistas de Abril, é apenas uma das consequências dessa mesma liberdade. Se, como escreve o Miguel Cardina, noutro post, "a democracia existe por causa da revolução, e não apesar dela", então ela existe, com todos os seus defeitos e virtudes para todos os portugueses, apesar de alguns portugueses contra quem ela teve de ser feita. Contra-argumentar-se-á, e bem, que Abril não se resume à democracia formal. Mas assumir que Abril não se cumpriu, "que todos reconhecemos como estando por cumprir" (e não será este todos outra forma de negar o antagonismo político?) no mesmo texto em que se rejeita que Abril tenha sido feito "para todos os Portugueses" pode levar à perigosa ideia de que "Abril" só não se cumpriu porque não se consegui silenciar "esses portugueses contra o qual Abril foi feito". Por mim, prefiro pensar que Abril é de todos os Portugueses. Na verdade, qualquer outro Abril não mereceria ser festejado.