22/04/10

O Teste do Otero

É preocupante que exista um professor de direito constitucional de imaginação tão prodigiosa quanto escabrosa? Sim. Mas isso não devia autorizar a facilidade com que a Isabel Moreira dá como inequívoca a diferença entre ensinar e doutrinar (fosse assim tão fácil...). Nem a naturalidade com que assume como devida a limitação de um debate académico acerca de direito constitucional à necessidade desse debate respeitar a própria constituição e até o protocolo parlamentar. Se há cadeira em Direito que não se deveria conter pela Constituição que temos é a cadeira de Direito Constitucional.

Mais diria. Tivesse eu tempo e respondia à primeira questão, relativa à constitucionalidade do casamento poligâmico, de modo a ter um dezito. E até a questão da bestialidade merecia ser discutida com mais cautela, porque se é verdade que os animais não têm personalidade jurídica, certo é que os animais humanos têm e que a diferença entre natureza e cultura não é assim tão linear como o Professor Otero (cujo nome, aliás, indicia a própria proximidade entre as diferentes espécies) julgará. No que na constituição remeter para ecologias e afins, por aí e em diante, não será inviável fazer com que o tiro do Professor Otero lhe saia pela culatra. Ou seja, o problema do teste do Otero não está nas pergunta que faz: estará na correcção às respostas.

8 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Li as duas questões do teste e não vi nada de mais. Até me parecem de hiper-pertinência. A resposta é possível, é supostamente exigível e, neste caso, atendendo às reacções, deve ser óbvia. Onde está o problema?

Quanto aos direitos dos animais (personalidade jurídica à parte), talvez comece a valer a pena a um humano invocar o seu direito como animal, em vez dos direitos humanos. Estou a pensar, por ex., nas condições de transporte de animais e de pessoas.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Nada, numa Universidade, está fora dos limites do debate académico.

Miguel Serras Pereira disse...

É isso mesmo, Zé. Maré alta para esta tua intervenção nas água da pedagogia jurídica: "Ou seja, o problema do teste do Otero não está nas pergunta que faz: estará na correcção às respostas".
Também levantas saudáveis vagas ao lembrar que não há ensino sem doutrina, ou sem pressupostos normativos, axiológicos, como se lhes queira chamar.
O que continuaria, de resto, a ser verdade numa sociedade democrática. A diferença estaria não só no conteúdo dos pressupostos, mas também, e em muitos casos fundamentalmente, no estatuto dos pressupostos, no tipo da relação assumida com eles, etc.
Do mesmo modo que o projecto de autonomia não aponta para uma sociedade sem instituições e sem poder, mas para uma relação diferente com as instituições e para um regime alternativo do exercício do poder - igualitariamente participado e "constitucionalmente", por assim dizer, constituinte.
Abrç

miguel

Anónimo disse...

Peço desculpa por discordar, mas parece-me indefensável que um prof catedrático verta para uma prova de avaliação a sua homofobia. É, no mínimo, indigno.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro CBO,
mas é aí que o ponto bate: as mesmas questões poderiam ser postas por um professor ardentemente anti-homofóbico. É o que o Zé Neves quer dizer quandeo diz que o problema está na "correcção".
Por outro lado, é importante que não sacralizemos as leis nem a Constituição - por muito democráticas que as desejemos e tentemos torná-las (nos conteúdos e no modo de as adoptarmos e fazermos).
Saudações cordiais

msp

Mariana disse...

Discordo.
Não me escandaliza nada a pergunta sobre a poligamia. É perfeitamente possível fundamentar quer a constitucionalidade, quer a inconstitucionalidade.

A pergunta sobre o casamento entre/com animais, associada à referência ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é eventualmente ofensiva, mas, acima de tudo, é uma coisa pior: é impossível de responder, já que não se pode defender a constitucionalidade de tais casamentos. Porque a pergunta é essa, defender a constitucionalidade, à luz desta Constituição, a que temos, não da que poderíamos ter.

Também acho que, numa Universidade (quase) nada está fora dos limites do debate académico. Mas, num exame, numa situação de desigualdade e exercício de autoridade pública, sim. O que é que aquela provocação - porque é uma provocação deliberada - examina? O que é que o professor está à espera que se responda, à luz deste ordenamento jurídico concreto?

Se ele tivesse perguntado "quais as alterações constitucionais e legais que se teriam que se fazer para viabilizar o casamento com animais", eu acharia igualmente estúpido, e ofensivo, quando colocado no mesmo patamar que o casamento entre dois seres humanos, mas aí admitiria que a pergunta tinha uma resposta. Assim, não.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Nenhuma pergunta é impossível de responder. Declarar que a pergunta não faz sentido, ou não tem cabimento no contexto em que é feita, ou não releva dos pressupostos, já é uma resposta.

Miguel Madeira disse...

O que é que há na constituição que impeça os casamentos entre/com animais?