21/03/10

Ainda o marxismo ortodoxo do João Galamba

Nova resposta do nosso deputado.

O João Galamba chama frequentemente Marx às críticas que dirige contra os que se situem à sua esquerda. Não é bonito. Aqui, pelas esquerdas, já todos levámos com um qualquer verdadeiro Marx, arremessado contra um qualquer falso Marx, que nos assolaria corruptoramente. A conversa não fez com que abadonássemos Marx (a mim não fez, pelo menos) mas levou a que valorizássemos o modo de uso. Até os mais ortodoxos marxistas, os que não reconhecem (e bem) a auto-suficiência de Marx, e acrescentam a Marx a necessidade (e aqui menos bem) de Lenine, acabam assim, e não sem ironia, por reconhecer a incompletude de Marx. E é a partir desta incompletude que um tipo deve levar Marx a sério: um autor inacabado, sem uma verdade primeira, que por isso não pode ser atirada à cara de quem quer que seja. Galamba termina o seu post dizendo que não sou um digno herdeiro de Marx. Mas a sua estocada final não magoa. A actualidade de Marx depende justamente da sua incompletude. Autor feito é autor morto.



Diz ainda o João Galamba que concorda com o meu enunciado geral. Mas lamento discordar. Nesta discussão o João Galamba começou por opor o “fatalismo inultrapassável” da situação presente às opções ideológicas de PCP e BE. Fez uso de um conceito de ideologia enquanto falsificação (e um uso redutor quer da ideologia quer da falsificação…), e, concomitantemente, de um conceito ingénuo de realidade, reduzindo-a ao que seja evidente, pouco mais vendo além disso e, portanto, declarando o tal “fatalismo inultrapassável”.

A oposição que o Galamba estabelece entre o contexto histórico determinado e as propostas políticas (do BE e do PCP, ou de outro qualquer partido) é muito pouco interessante. E não faz qualquer sentido exigir que realidade e proposta se conformem entre si . Se há coisa que não é operativa para pensarmos a relação entre política e história é a dicotomia oposição/conformidade. Será mais pelo meio. Deixo uma pista autonomista, mui negriana: uma política contra e a partir.

A ideia de oposição impede-nos de ver que as propostas são parte do contexto histórico determinado, tão parte como outra coisa qualquer, e não algo que vem depois, de cima, de fora. A menos que considerássemos a acção como algo menos natural do que a estrutura, o homem como algo mais artificial do que a natureza, e por aí adiante.

A ideia de conformidade é igualmente insatisfatória. A conformidade entre realidade histórica e proposta política, que o Galamba vem exigir, falha o essencial da política. Acusa-me o João Galamba de não avaliar as propostas do BE e do PCP pela sua exequibilidade no actual contexto histórico. Mas não é preciso acusar. Assumo-o com prazer. Propostas políticas conformes à realidade histórica não são propostas políticas. São decisões administrativas, rotina de gestão. (O que não significa que a alternativa sejam projectos de engenharia social). Uma proposta política é algo que justamente visa alterar um determinado contexto histórico, de modo que não se lhe deve exigir que seja conforme a esse contexto histórico.

Um contexto histórico é algo que não pode ser retido univocamente, mas que se abre em inúmeras bifurcações. Por isso é tão relevante evitar a linguagem mastigada do "fatalismo inultrapassável". Cabe-nos ir determinando as bifurcações. A realidade histórica determinada é também a reificação das nossas determinações.

2 comentários:

xatoo disse...

evidenciar o "valor de uso" é a afirmação do antivalor para onde o sistema capitalista se viu obrigado a evoluir; para a potencial força dos cidadãos apenas enquanto consumidores de mercadorias fetichizadas. Subtraindo portanto à teoria o único valor que fundamentava o produtor enquanto operário. Ora isto, ao mesmo tempo que desarma os trabalhadores enquanto tal, é colaborar com o inimigo de classe no entendimento que só o trabalho, em última instância, gera de facto valor...
Quanto a Marx,,, ele apenas nos lega um método de análise que cada revisionista, Zé bloquista ou Galamba xuxialista, interpreta a seu bel prazer para a captação de massas embasbacadas. Já tou como diz o outro: podem ganhar uns votos, mas não ganham mais nada

zé neves disse...

xatoo, tudo bem, tudo na mesma. mas páre lá com isso de me chamar bloquista. só por uma questão de exactidão. se quiser filiar-me nalgum partido escolha um daqueles italianos dos anos 70, tipo PO.
abç