Ao ouvir excertos da entrevista da Ministra da Cultura à Antena 2 (onde se refere à alegada insatisfação do público do São Carlos, mais precisamente das “pessoas próximas do universo da ópera e da música”), lembrei-me de imediato da récita a que fui assistir d’O morcego de Johann Strauss.
(Trata-se de uma ópera cómica repleta de cinismo e artificialidade: um retrato mordaz da sociedade aristocrática vienense no séc. XIX. O desafio que coloca à sua encenação não é pequeno. A aposta da encenadora (Katharina Thalbach) foi a de explorar o lado "vampirístico" – logo, susceptível de uma leitura política – da ópera. Para que isto se perceba, note-se que o que desencadeia a acção é a vingança de um dos personagens, que, em tempos, fora abandonado no meio da cidade, no rescaldo de um baile de máscaras, ainda alcoolizado e vestido de morcego... Daí a associação ao imaginário dos vampiros.)
Será que as “pessoas próximas do universo da música e da ópera” são aquelas que pareciam deliciar-se com o “esconde-esconde” vulgar do amante que se refugia no armário, mas se indignaram com a aparição de Maria Rueff no 3º Acto?
Eu diria que não, que não são essas pessoas, necessariamente, o público do São Carlos ou de qualquer outro teatro nacional. Diria, até, que as “pessoas próximas do universo da música e da ópera” não são as que desde sempre se instalam no lugar da sua assinatura, mas aquelas que esse universo souber (e puder...) cativar.
13 comentários:
Onde escrevo e quando escrevo, faço tudo o que posso (que é quase nada) para não apenas contribuir para derrubar o governo que aí está, como desejaria (como desejaria!) a propria implosão do PS. Já se sabe. Mas, desta vez, a ministra fez o que tinha de ser feito. Não entendo este post. Está aqui para ocupar espaço? Há alguma dúvida de que o sr. Damman deve sair do S. Carlos com a urgência possível e impossível? Há alguma coisa mais a pensar em torno disso? O que a ministra diz ou não diz não interessa nada. Isteressa apenas que o pior director de sempre do S. Carlos desapareça.
Interessa, sobretudo, que não deixe de nos preocupar o modo de justificar esta ou aquela decisão política – e não me parece isenta de conservadorismo a argumentação que se cinge à remissão para a insatisfação do “público português” – que é, provavelmente, a de uns quantos críticos e assinantes do São Carlos.
Poderia discutir-se – uma a uma, não em bloco – cada uma das produções das últimas temporadas, mas no que toca à abertura do São Carlos ao exterior, à criação de novos públicos, à articulação com o ensino, à criação de um Estúdio de Ópera, eu diria que Dammann está longe de ser o “pior director de sempre do São Carlos”. Que estes aspectos nada contem para uma consciência revolucionária que sonha derrubes e implosões, é no mínimo estranho.
Caríssimo, já percebi. "Consciência revolucionária" e tal. Quer discutir outras coisas. Mas engana-se, e retiro-me já do post.
É preciso saber-se daquilo que se está a falar. De alguns músicos da orquestra que bem conheço até me chegam ecos (frequentes) de que o homem não sabe programar um mero concerto sinfónico. Quer dizer, nem sabe a duração de certas obras, nem sabe que não pode juntar A e B num mesmo concerto, não sabe ligá-las nem contextualizá-las. Não sabe o mínimo.
A sua piada para os críticos, esses parasitas, gostei. Revê-se bem nela?
Pois, eu também conheço “uns” músicos e “uns” críticos. Mas não generalizo nem quanto a uns, nem quanto a outros.
“Piada para os críticos, esses parasitas” – palavras suas, sem a mínima relação com o que escrevi, como, de resto, sabe.
Quer dizer, sonhei haver aqui uma referência aos "críticos", ou posteriormente o sr. apagou-a?
Sonhei-a, pronto.
Seja como for, o sr. é a primeira pessoa que escreve sobre isto e que "compreende" o tal Dammann.
Quem diria, um potencial defensor do alemão, logo aqui no Vias de Facto....
Quer dizer, por aqui, por este tempo, vi o meu pior Rigoletto, a minha pior Salome, o pior Offenbach, pobre Offenbach...
Mas não se esforce muito mais, caríssimo, o alemão de onde vinha já trazia as piores referências, críticas, apreciações, notícias de trabalho, etc., etc.
Convirá que há uma diferença entre não estar de acordo com alguns críticos e achar que são todos uma cambada de preguiçosos. Aliás, há duas diferenças: entre “alguns crítico” e “os críticos” e entre “não estar de acordo” e “achar preguiçosos”. Nem tudo é branco e preto.
Mas, por outro lado (se me permite) é preciso pôr as coisas preto no branco: não sei se sonhou ou tresleu, mas (1) o “post” que está on-line é o que publiquei há dois dias, (2) não alterei ou apaguei o que quer que seja no post ou nos comentários.
Eu não estou contra ou a favor de Dammann . Falta-me quer o talento, quer o tempo para ataques ad hominem ou panegíricos. Mas estou a favor de uma política democrática de abertura de um teatro de ópera (que é um teatro nacional). Essa do “alemão” é que não é muito “vias de facto”, nem dos blogs que costumo ler.
Caro Carlos Vidal, não se zangue por favor. A ira confunde as ideias. Verá que, como eu, não quer nem deitar fogo às salas de ópera, nem garantir que a sua frequentação constitua um privilégio de poucos; além disso, eu também não gostei muito da Salomé...
Caríssimo, disse há pouco, mas será agora: um comentário último.
Quando referi o "alemão" não quis dizer o "nazi". É ingénuo ou tem má fé suficiente para julgar uma coisa dessas? Vamos ao que interessa.
Lamento o trabalho interrompido de Pinamonti, não por ser italiano, claro, mas por ter da ópera e do teatro uma concepção afim da minha (e da da maioria dos fazedores da casa S. Carlos e crítica portuguesa e internacional): uma ópera de encenador, uma forma estética que de tão global tem de saber encontrar um cérebro "global" que a realize. Três exemplos que Pinamonti trouxe: aquele que é um dos mais entusiasmantes encenadores, teatrais e operáticos, franceses, o enormíssimo Stéphane Braunschweig, o clássico (quase inultrapassável) Strehler, ainda Martoni ou Vick. Ainda a promessa de Chéreau (que apenas veio fazer uma sessão de leitura, mas viria para outros momentos, estou certo - ah, isto não lhe diz nada, muito bem!!).
Opinei, dei exemplos, sei porque é que Dammann é uma desgraça a todos os níveis. E você, caro J. Pedro, o que me diz: exemplos, exemplos, argumentos, tem-nos??
Nomes, concepções, ideias, tem-nas??
Ou está apenas contra a "crítica" e a favor do "poder" existente? Não esteja, porque o homem, o alemão, vai-se embora. Rapidamente e em força, espero.
Caro João Pedro,
talvez me possas ajudar numa dúvida hermenêutica suscitada pelo texto do Carlos Vidal. A ele, não vale a pena perguntar, pois que, manifestamente, não é o melhor intérprete do que diz.
As dúvidas, aliás, são duas:
1- Fui eu que li mal ou foi o Carlos Vidal que disse que "desta vez, a ministra fez o que tinha de ser feito" (defendendo-a como "poder existente" das tuas críticas)?
2- O "rapidamente e em força" de Salazar com que o artista encerra o seu comentário, achas que é convocado pelo facto de o Salazar ter sido português ou, bem vistas as coisas, um ditador?
Abrç
miguel (sp)
Miguel,
1.
Estava à espera de uma resposta de J. Pedro Cachopo, que penso ter alguma coisa a dizer sobre isto.
2.
Para tua curiosidade, Miguel, citei o Salazar, naturalmente, admirador, quiçá estudioso, de Richard Wagner. E quem vai por este caminho está e estará sempre redimido. Criminoso, ditador, democrata, o que quer que seja. Redimido está. Bendito é.
Caro Miguel Serras Pereira,
Quanto a (1), qualquer pessoa que leia esta sequência de comentários o constata; quanto a (2) as dúvidas persistem (será uma dica acerca do perfil ideal para a direcção do TNSC?)
Um abraço.
Caro Carlos Vidal,
como lhe disse – e repito – o que escrevi não era nem em defesa do “alemão” nem, menos ainda, em oposição ao “italiano”. O Carlos Vidal – com todo o respeito – lê demasiado rápido (num ritmo que, se é certamente adequado à leitura ligeira de “posts” e “comentários”, não deixa de manifestar-se insuficiente para evitar os equívocos em que permanentemente incorre). Quem disse que os críticos são uns preguiçosos? Quem falou em “nazis”??? O problema de se referir ao “alemão” é o facto de se tratar de um estereótipo e, mais do que isso, o problema é o gesto, o registo, o tom em que o emprega... Compreende? É a rapidez e a força...). Repare, se já lhe disse que não estou a defender Dammann, porque insiste em atacá-lo? Bem sei, bem sei que o debate se sedimentou na praça pública em termos de “prós e contras”... Que tal escapar a esse registo?
Volto ao “post” inicial. Não sendo a favor deste ou daquele director (nem contra), o meu texto surpreendia na argumentação da ministra e no modo como se refugia na referência às “pessoas próximas do universo da ópera e da música” (o “público centenário do São Carlos”? aqueles que, de modo mais ou menos explícito, vêem na frequentação do TNSC um privilégio?) uma retórica conservadora que isola e reifica esse mesmo universo.
Serei, neste contexto, como disse e repito, a favor de uma política democrática de abertura de um teatro de ópera (que é um teatro nacional).
Sendo este o ponto em que insisto, é o Carlos Vidal contra ele? Quer acabar com o Estúdio de Ópera? Quer voltar a fechar o São Carlos 300 dias por ano? Quer diminuir para metade o número de espectadores que duplicou entretanto? Não quer isto, mas quer melhores encenações? Bravo! Também eu.
Terei muito gosto em discutir encenações consigo... É que um discurso crítico, no que concerne à arte (mas não só), não se limita à “censura”...
Cumprimentos sempre dialogantes.
Não, uma conversa sobre estética não pode dizer, começar por dizer, esta frase vazia, estereotipada, vácuo enfatuado:
"Serei, neste contexto, como disse e repito, a favor de uma política democrática de abertura ....etc."
E esta também é um ponto final na conversa:
"Quer diminuir para metade o número de espectadores que duplicou entretanto?"
O número de espectadores...
Belo argumento.
Bom proveito lhe faça.
CV
Há alguma dúvida de que o Pinamonti foi dos últimos directores que soube dar ao S. Carlos a dignidade que lhe era devida?
E há alguma dúvida dos modos poucos claros como foi foi «posto a andar?
E há alguma dúvida de que Damman deve sair do S. Carlso?
Perguntem a quem goste de opera !
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