22/03/10

Sócrates crítico de Keynes


A reivindicação de pragmatismo por parte de quem defende medidas como a «diminuição do nível de salários oferecidos que obrigam à aceitação do subsídio de desemprego» não me parece muito convincente e deve ser debatida nos próprios termos em que é enunciada.
Argumenta João Galamba que «Portugal é um dos países da OCDE onde a diferença entre o subsídio de desemprego e a remuneração líquida anteriormente auferida pelo trabalhador é menor». Mas isso é assim, e não é preciso ter lido Marx para o saber, porque ambos os valores são tendencialmente baixos e correspondem a um nível muito elementar de necessidades básicas de reprodução da força de trabalho. O efeito de uma medida como a que se prevê será uma redução generalizada dos salários, o que acentuará o perfil subdesenvolvido da economia portuguesa. O primeiro-ministro, que mencionou numa entrevista as suas intensas leituras de Keynes, deve ter saltado algumas partes importantes.
Tudo o que se tem dito acerca da qualificação dos portugueses e do reforço da incorporação de valor a partir de indústrias de alta tecnologia fica reduzido a algo bem pior do que o puro idealismo. O que se chamou pomposamente de «choque tecnológico» não passou de uma medida de propaganda. 
Depois de ter desenhado os mais ambiciosos cenário de uma nova economia assente no conhecimento e nas energias renováveis, o governo vai fazer um frete ao patronato no sentido de reduzir os custos com a força de trabalho e incorporar em condições mais precárias quem está neste momento no desemprego, incluindo os trabalhadores mais qualificados. 
O que aí vem, para quem trabalha, é mais do mesmo:  horários mais longos, salários mais baixos, contratos a prazo, menos direito. Evidentemente que não para todos: os mais jovens, ambiciosos, qualificados e cosmopolitas (credo, pareço o Rui Tavares a falar) vão-se embora. Pelo menos todos aqueles que não são administradores  executivos da PT.
A mobilidade para quem não tem grande coisa que o prenda e o empobrecimento para quem já aqui tem  demasiado para partir. Não é difícil prever o impacto desse movimento simultâneo no que diz respeito à produtividade do trabalho. De todos os pontos de vista, estas medidas comprometem o tipo de desenvolvimento que o PS afirma desejar para o país.
Este pragmatismo nada tem pois de reformista. É, a pretexto de uma medida orçamental, uma pura e simples capitulação - não no plano das ideias puras, mas no da correlação de forças que molda o mercado de trabalho. Qualquer social-democrata convicto repudiaria uma opção de classe tão transparente. É o que fazem, e bem, pessoas dessa área política, como João Cravinho, Paulo Pedroso, Daniel Oliveira ou João Rodrigues.

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