29/03/10

O que é que nós temos a ver com o trabalho?


“Foram mais de dois meses de uma luta mesmo bestialmente espontânea. Não havia dia em que não paralisasse uma oficina. Todas as semanas mais ou menos bloqueava-se a FIAT inteira. Eram mesmo dias de luta contínua. De facto os títulos dos panfletos que se faziam eram Luta Contínua e realmente havia uma luta contínua durante aqueles meses na FIAT em Turim. Queria-se bloquear o trabalho a todo o custo isto é não se queria trabalhar mais. Procurava-se colocar para sempre a produção em crise. Fazer ajoelhar os patrões e fazê-los descer a acordos connosco. Combatia-se uma batalha a fundo.
Agora uma coisa era já evidente nestas assembleias. A impressão que todos os operários tinham era a de que estavamos numa grande fase do confronto entre nós e os patrões uma fase decisiva. Sentia-se no ar esta consciência das coisas. E de facto nas assembleias era frequentemente usada a palavra revolução. Viam-se companheiros com quarenta anos chefes de família que tinham trabalhado na Alemanha que tinham trabalhado nas obras. Gente que tinha feito de tudo. Que agora diziam que quando tivessem sessenta anos morreriam de cansaço.
Não é justo levar esta vida de merda diziam os operários nas assembleias nos grupos aos portões. Tudo toda a riqueza que produzimos é nossa. Agora chega. Já não aguentamos mais ser também nós coisas mercadoria vendida. Nós queremos tudo. A riqueza toda o poder todo e nenhum trabalho. O que é que nós temos a ver com o trabalho? Começavam a estar fartos a querer lutar por causa do trabalho não porque o patrão é mau mas porque existe. Começava enfim a vir à tona esta exigência de querer o poder. Começava para todos os operários com três ou quatro filhos operários solteiros operários que tinham filhos para mandar para a escola operários que não tinham casa. Todas as nossas exigências sem limites vinham à tona como objectivos concretos de luta na assembleia. Portanto a luta não era apenas uma luta de fábrica. Porque a FIAT tem cento e cinquente mil operários. Era uma grande luta e não só porque envolvia esta enorme massa de operários.
Mas porque os conteúdos destas lutas as coisas que nós os operários queríamos não eram as coisas que o sindicato dizia: Os ritmos são demasiados elevados baixemos os ritmos. O trabalho é nocivo tentemos retirar-lhe essa nocividade estas merdas todas. Os operários pelo contrário já não queriam participar. Descobriram que queriam o poder lá fora. Tá bem na fábrica conseguimos lutar bloquear a produção quando queremos. Mas lá fora o que é que fazemos? Lá fora temos que pagar a renda temos que comer. Temos estas exigências todas. Descobriram que não tinham poder algum o Estado fodia-os lá fora a todos os níveis. Fora da fábrica não se transformavam em cidadãos como todos os operários quando despem o fato-macaco. Continuavam a ser outras raça. Neste sistema de exploração continuavam a ser operários lá fora também. A viver como operários lá fora também a ser explorados lá fora também.”
Nanni Ballestrini, Queremos tudo, Fenda, Lisboa, 1989

4 comentários:

maugustomonteiro disse...

Ricardo
É bom relembrar o pensamento operário desses tempos de luta. Numa altura em que a classe operária é maldita, até para a maioria dos intelectuais que a endeusaram no período revolucionário,é importante que se traga ao debate a questão do pensamento proletário sobre o trabalho e o poder.
Ao reler este texto recordo-me da minha experiência na antiga fábrica da Cergal, quando a CT, de que fazia parte, tomou conta da fábrica. Rapidamente nos apercebemos que a nossa luta só tinha sentido se saíssemos da fábrica, para a luta mais geral pela tomada do poder. A CT passou a fazer parte da Assembleia Popular do Cácem - que era quem dirigia a freguesia- e dali para as InterEmpresas, que coordenava a luta na cintura indústrial de Lisboa e Setúbal, em oposição à direcção reformista da maioria dos sindicatos de então.
Em Turim como aqui os operários foram derrotados. Os mais cínicos dizem que foi de vitória em vitória até à derrota final. Nós dizemos que o caminho faz-se caminhando e que perder uma batalha não é perder a guerra.
Um abraço
Manuel Monteiro

Ricardo Noronha disse...

Foi só o começo Manuel, foi só o começo.

koenige disse...

Belo verbete, apesar da tradução meio rude com umas vírgulas a menos.

Anónimo disse...

Nem Estado, nem Família, Nem partido leninista !

Bom texto de Nanni Ballestrini. Merecia enquadramento histórico, que Guattari e Negri, por exemplo fornecem nos seus livros conjuntos ou individuais, por exemplo. Há qualquer coisa de " I.Situationniste " no conteúdo, tom e sintaxe do espantoso texto revolucionário de N. Ballestrini. Óptimo o comentário de Manuel Monteiro. Tudo na boa via..de facto. Só que há uns avisos à navegação, indispensáveis. Ora vamos lá:

" A sociedade - não falo do povo -a nossa sociedade de( a das classes e dos meios mais ou menos privilegiados), indissoluvelmente ligada ao Estado e não existindo senão por causa dele, só se pode emendar destruindo-se completamente. O que não se deixa enganar por sonhos orgulhosos e miragens, por belas mas estéreis aspirações e falsas linguagens, que quer verdadeiramente o triunfo da Revolução, isto é, a emancipação do povo, deve querer a destruição radical desta sociedade. Mas poderemos apostar sincera e inteiramente tudo nesta destruição, nesta causa, e servi-la enquanto subsistirem, entre esta sociedade e eu, mesmo que só ténues laços ditados pelo interesse, o amor da glória, a ambição, a rotina, a família e outras razões afectivas? Não, não conseguiremos alcançar esse objectivo. Será preciso romper esses laços? Indispensável! E se não tens coragem de romper com esses handicaps, não te envolvas na actividade revolucionária ". M.Bakounine. OC.IV. Niet