Faz-nos falta uma figura de estilo que se refira ao modo como as palavras têm rabos escondidos que depois se entrelaçam uns nos outros. Um exemplo: quem tivesse adormecido durante a campanha eleitoral para as legislativas julgaria, após despertar, que todo um ciclo tinha passado. A crise amainara, a pobreza diminuíra e os bancos haviam trocado a especulação pela responsabilidade social. Só isso explicaria que, de repente, as palavras tivessem começado a ser outras: contenção, despesa, défice, dívida, péque.
Sabemos que a situação não mudou, mas não é isso que verdadeiramente importa. O que importa é que as palavras comecem a criar fluxos de significado, se tornem auto-evidentes, escondam os rabos. O que importa é que os economistas continuem a ser vistos como oráculos, os políticos como técnicos, e o anónimo lusitano, circundado por uma linguagem que em grande medida o transcende, se sinta como um indivíduo de estirpe duvidosa que pediu dinheiro emprestado a um amigo e agora é relembrado do calote.
Juro que nestes dias ainda ouvi dizer que os bancos apresentam lucros volumosos e continuam com fartos benefícios fiscais, que Portugal mantém um grave problema de cobrança e fuga fiscal, e que considerar como «classe média» alguém com rendimentos na ordem dos 520 euros é do domínio da anedota. Mas nada disso parece capaz de romper o magma da linguagem hegemónica: o estado já tem marcada uma consulta inadiável na clínica do dr. Tallon, para regozijo dos cirurgiões do costume. Pois é, Humpty Dumpty: a questão é saber quem manda. Quem manda, como manda, o que diz. Agora vou ver se adianto trabalho que amanhã tenho um vernissage com outros profissionais liberais frente à Assembleia da República.
Sabemos que a situação não mudou, mas não é isso que verdadeiramente importa. O que importa é que as palavras comecem a criar fluxos de significado, se tornem auto-evidentes, escondam os rabos. O que importa é que os economistas continuem a ser vistos como oráculos, os políticos como técnicos, e o anónimo lusitano, circundado por uma linguagem que em grande medida o transcende, se sinta como um indivíduo de estirpe duvidosa que pediu dinheiro emprestado a um amigo e agora é relembrado do calote.
Juro que nestes dias ainda ouvi dizer que os bancos apresentam lucros volumosos e continuam com fartos benefícios fiscais, que Portugal mantém um grave problema de cobrança e fuga fiscal, e que considerar como «classe média» alguém com rendimentos na ordem dos 520 euros é do domínio da anedota. Mas nada disso parece capaz de romper o magma da linguagem hegemónica: o estado já tem marcada uma consulta inadiável na clínica do dr. Tallon, para regozijo dos cirurgiões do costume. Pois é, Humpty Dumpty: a questão é saber quem manda. Quem manda, como manda, o que diz. Agora vou ver se adianto trabalho que amanhã tenho um vernissage com outros profissionais liberais frente à Assembleia da República.
7 comentários:
Vernissage?
Não é masculino?
Abc
A.M.
Sim, sim, Miguel. Em ..age, masculino excepto uma lengalenga que começava assim «cage, page, rage,...»
OK, corrijo mas vou na mesma. Obg.
Magma tem a ver com a Lógica dos Magmas e o Conceito Paradoxal do B. Russell? Ou tenta empregá-lo com a significação corriqueira, quotidiana? Acho que visa esta última, não ? Niet
Caríssimo Niet,
não te metas com o Miguel (Cardina). Lá que a gente, em vez de encanar a perna à rã, se meta com os disparates deste e daquele, acho bem. Mas esta dos magmas, olha que é um despropósito, ainda por cima vindo de quem brande citações do Castoriadis E depois, camarada, o desprezo pelo quotidiano não é particularmente subversivo: trata-se de o criticar, indefinidamente, sim, como queria Orwell com as noções da "decência comum", mas por dentro: a saída aqui é pelo fundo - ou sem-fundo - e não por cima, como qualquer autoridade eclesiástica, gestor de sucesso, ou marxista-leninista pio.
Sei que todos temos deslizes destes, e o que te assinalo está resgatado pela bela citação do Castoriasdis que introduzite noutro post cá da casa Vai antes por aí, que vais longe por lá.
Deixa o "vale tudo" aos posts do Carlos Vidal que por vezes te têm inspirado menos bem. E toca andar que temos muito caminho a abrir.
Viva a Pública Conspiração dos Iguais
Um abç
msp
Sim, Niet, corriqueiríssimo.
MS Pereira: Eu estava muito inocentemente a perguntar ao Miguel Cardina o significado do seu título. Mais nada! Tu é que vens logo com maldades ou insinuações sobre a minha " conspiração ". Como dei a conhecer ao Mundo na "Comuna do 5Dias " a tese do Bakounine, agora passas a vida a desconfiar...O Carlos Vital dizia que eu era blanquista... Sabes que me pauto mais pela lógica do incontrolável do que pela pela do "aparelho", seja ele de que natureza for. Sou muito sensível a posições de autoridade. A minha postura no real quotidiano passa muito pela maneira surrealista que Breton imortalizou: " Nada é impossível a quem sabe ousar". Vamos, meu caro,
não me carimbes nem me decepciones. Niet
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