Filipe Nunes Vicente (FNV) tem lançado algumas notas no Mar Salgado sobre os contornos de um potencial novo partido a nascer no seio do PSD. Mais do que reflexões motivadas pelo evoluir recente do partido laranja, FNV procura definir os traços ideais da "necessária" agremiação. Dotada de uma “linguagem culta e elitista”, ela deveria “proteger a tradição, manejando-a ou liquidando-a” – expressão confusa e contraditória que parece apontar já para um começo pouco auspicioso. No entanto, a “verdadeira ruptura” a operar seria com a ideia de partido como “agência de emprego” para a “tralha". A "tralha", esclareça-se, é esse “conjunto de quadros suburbanos sub-politizados, batidos nas alianças de freguesia, de espírito associativo (da filarmónica ao clube local passando pelo porco assado)”. Ao invés, a nova organização funcionaria por meio de núcleos em universidades, em grandes empresas, em organizações não-governamentais, nas forças de segurança e na Igreja (FNV usa a grafia maiúscula, pelo que suponho estar a referir-se à “Católica”). Como seria de esperar, evoca-se ainda o recurso amplo e estratégico às redes sociais. Parece o MEP, mas não é (até porque o MEP já foi).
Não me interessa por agora anotar os sonhos húmidos de certos sectores da direita, mas registo com curiosidade as curvas dessa excitada imaginação: um novo partido político composto por elites urbanas, zelosas e cultas (o que não são redundâncias, como sabemos), que abnegadamente tomariam o país nas mãos, desarticulando os vasos comunicantes que ligam a “porca da política” ao povo das carnes assadas. Bem sei que o ethos do PSD tende a justificar estes remoques críticos e também me faz alguma espécie que um partido de matriz liberal, enraizado nos interstícios conservadores da sociedade, se continue a apelidar “social-democrata”. Mas não é caso único de incongruência, e o bom povo, entre uma sandes de courato e um jarro de tinto, já se habituou ao descaso entre as palavras e as coisas. Mais relevante parece ser a persistência com que as elites forjam auto-imagens complacentes que associam o fracasso da democracia à contaminação popular das práticas políticas. No caso em apreço, não sei mesmo se as duas terríficas imagens expostas - um conjunto de pequenos António Borges apostados em "guiar" o país e uma massa acéfala de gente laranja que busca tachos enquanto palita os dentes - não são faces da mesma moeda. Da mesma má moeda.
25/03/10
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12 comentários:
Caro M. Cardina: Sabe que o FNV é um " virtuoso " aplicado em regenerar o sistema político em Portugal.Tem ultrapassado vertiginosamente erros e percalços- apoiou soberanamente Manuela Ferreira Leite na entronização, à distância - e, para alertar os navegantes, debita prosa política na convulsão PPD/PSD em cena pela escolha de líder. Quer ser Saint-Simon,B.Constant e A. Tocqueville ao mesmo tempo...Faz parte de uma nova " leva " de valorosos comentadores com toga, capela e espada e assento em vários jornais.
O problema que agora FNV levanta prende-se com, passe a ironia da comparação, a necessidade de modernização e eficácia- " um papel altamente revolucionário "-que Marx caracteriza tão bem ao falar da burguesia do séc. XIX: " ela não conhece senão o interesse à vista de todos ". Nenhuma tradição lhe resiste, destrói os laços feudais e a sua marcha é uma conquista sem limites. É um pouco a revisitação da charla da " ruptura "- pretensamente envernizada por conceitos e adereços teóricos subliminares - que foi inventada no original por Sarkozy, reverenciando à francesa os diktats dos Neo-Cons americanos e as correcções dos sucessores da doutrina económica dos liberais de salada, os famigerados " Chicago´s boys ".Niet
Exacto, Niet. Há ali uma defesa das elites e o ódio às massas que tem tanto de liberal como de proto-fascista.
Sonhos húmidos? Já foi tempo.
Ódio às massas e proto-fascista? O dr. Ruas, o dr. Meneses e outros são as "massas"? Registado.
( Gostei do vosso livro de estilo de aprovação de comentários. Vou pedir ao Nuno Mota Pinto para instalar um igual, mas sem chamar fascista a quem discute connosco, claro)
MCardina: Boa!Vamos mesmo incendiar as almas caridosas da direita portuguesa, que prestam uma escandalosa reverência à caricatura inacreditável, ao nível de G.W.Bush-fellow europeu, o pequeníssimo Nicolas Sarkozy! Niet
Caro FNV: talvez a expressão "proto-fascista" no comentário acima tenha sido algo exagerada, mas não pretendia ser insultuosa. A não ser que entenda como insultuosa uma tirada como a de Manuela Ferreira Leite quando propôs a "suspensão da democracia"... Mas da próxima vez falo de "autoritarismo liberal" ou "despotismo esclarecido": essa facilidade com que as elites olham o povo como uma massa acéfala e interesseira e a si próprias como um escol destinado à suprema tarefa de regenerar o país. Na verdade, objectivando o outro(o povo das carnes assadas), parecem apenas falar de si próprias.
Quanto ao livro de estilo, use à vontade. É livre de direitos autorais.
M. Cardina: O nosso opositor bateu em retirada.É a sua especialidade, de resto. Ele fala do dr. Ruas e do dr. Menezes: toda a gente sabe, pelo menos do último, que ficaram fascinados com Sarkozy, o seu estilo e a sua prática de " escacha-Maio 68"... Tentaram imitá-lo em vários patamares...Flasharam com o fenómeno Carla Bruni, por exemplo.E tenho decoro para não avançar mais na psicanálise dos totems com sarna do capitalismo doméstico.É uma questão de bom gosto, convenhamos.
Uma breve tese de Badiou sobre a natureza dos partidos, hoje: " É preciso distinguir " partido " forma específica de acção política colectiva, invenção especial que data do final do séc. XIX, de organização. Toda a política é organizada, isso não se põe em causa. Mas o partido remete para outra coisa. Partido: quer dizer,organizado para o poder de Estado. Hoje, isso toma a forma da maquinaria eleitoral, das alianças através das quais circula a eternidade negativa da decepção e da corrupção.(...) Os partidos,hoje não são políticos...São organizações estatistas, mesmo que se digam de oposição visceral.(...) O espaço parlamentar dos partidos é, de facto, uma política de despolitização ". Para já, é tudo, por agora. Niet
Caro FNV,
o que está aqui em jogo - com muitas coisas mais, a montante e a jusante, mas vamos por passos - é saber quem se propõe romper com o caciquismo, a demagogia, a corrupção, as injustiças que assolam Atenas, por meio da formação de um governo de sábios políticos ou políticos sábios, reduzindo a massa dos cidadãos a ocuparem-se da sua profissão e da sua esfera familiar e particular, isto é, reduzindo-os a súbditos ou, no mínimo, a cidadãos passivos, e quem se propõe, pelo contrário, combater a injustiça instituída em Atenas interpelando a autonomia potencial dos seus concidadãos e solicitando-os no sentido de afirmarem os seus direitos governantes, assumindo os deveres e responsabilidades que a cidadania activa pressupõe, pois é incompatível com a reserva do exercício político a uma camada particular, profissional, à parte do comum, ainda que composta de sábios e espíritos superiores.
Seria um prazer ouvi-lo a este propósito e, talvez, assim, o debate fosse mais esclarecedor para todos.
Que me diz?
Saudações cordiais
miguel serras pereira
Caros Miguéis-I e II- e todos em geral:O FNV pretende ser uma star do sistema mediático-político. Que temos. Com as suas insuficiências e virtualidades. O 25 de Abril criou a III República, sistema pluri-partidário democrático.O modelo de Atenas pertencia a um regimen aristocrático: Hoje, tem valor sobretudo no que se refere à " gouvernance " do Espaço Público. Disso temos falado ao longo das semanas. No que se refere à " racionalização " da democracia representativa- Assembleia da República e partidos-periodicamente a sua reformulação tem sido aventada e formulada por constitucionalistas da esquerda e da direita. Marx diz na " Questão Judaica " que a " ilusão da política é parceira/sózia da ilusão dos direitos do Homem ".E é nesse capítulo dos direitos que tudo se joga,claro. Claude Lefort frisa que a originalidade política da democracia ainda é, hoje, desconhecida por uma sociedade que " privilegia o conflito das opiniões e o debate sobre os direitos ".não podendo subestimer, aacrescenta, a articulação da força e do poder.Portanto, só a vontade política do Estado pode criar um novo enquadramento político-partidário. E como a Democracia Parlamentar que temos, defende a Economia de Mercado e a separação dos dominantes e dos dominados, a propriedade privada dos meios de produção eum corpo destacado de repressão militar e policial. Não se descortinam, a não ser por um regresso ao teológico-político- possibilidades de diálogo e convivência celestial no incontornável quotidiano da luta de classes. A não ser que - por efeito de moda à Neo-Con- se tente implantar o anti-liberalismo político à la Carl Schmitt, de tão negra memória.Niet
Caro Miguel Cardina: no problema, coisas do debate.
Caro Miguel Serras Pereira: digo que sim, com todo o gosto, até porque não era minha intenção defender um dos sistemas atenieneses ( a oligarquia).
O grande e o pequeno vistos por T.W Adorno- Neste impasse de espera-Porque nome deve ser decifrado?-não resisto a traduzir este aforismo de Adorno, absolutamente diabólico: " Desde as suas origens, a filosofia progressista de um Bacon ou de um Descartes coloca o culto do que é importante. Mas esse culto revela finalmente uma ausência de liberdade, qualquer coisa de regressivo.A importância está representada pelo cão que, no decorrer do passeio, pára num sítio qualquer, põe-se a farejá-lo,obstinando-se com um ar aplicado e encolerizado, satisfazendo finalmente as suas necessidades,raspa o chão e prossegue o seu caminho como se nada se tivesse passado.(...) Como evitarmos de pensar nisso ao observar um comité que discute gravemente para avaliar a urgência de certos problemas, antes de enviar os seus membros para tarefas cuidadosamente definidas e programadas. Tudo que passa por importante apresenta qualquer coisa desta obstinação anacrónica; e conceber a importância como o critério do pensamento resume-se a amordaçá-lo e esquematizá-lo, evacuando toda a possibilidade de se pensar a si próprio.(...)Isto não quer significr que ignoremos a hierarquia das importâncias. A sua estreiteza não deixa de revelar senão a estreiteza do sistema; ficando por isso mesmo saturada de toda a violência e de toda a coerência do sistema ". Bom Vento! Niet
O Círculo Vicioso dos happy few-
Esta análise tem poucas horas. É de Eduardo Pitta publicada no seu blogue.É a ilustração dos modernos e arrojados lobbies de influência e magistério,sem a sombra do pecado.
" Amanhã é outro dia.
Se os jovens turcos conseguirem reconstruir o partido,
pode ser que daqui a dois anos estejam em condições de disputar o País".
PS: Quem serão estes" jovens turcos"; pertencerão aos nichos de Gaia, Sintra e Campo de Ourique ou Coimbra? Só vendo nas imagens... Niet
Alain Badiou distingue as três máximas da Ética de Gilles Deleuze-
" Segundo o que penso, é claro que acreditar no Mundo, precipitar os acontecimentos e escapar ao controlo, são as máximas Éticas de Deleuze. Podemos distinguir a máxima negativa( " escapar ao controlo "), a máxima subjectiva ( " acreditar no Mundo " ) e a máxima criadora ( " precipitar os acontecimentos"). A ética, segundo o meu entendimento, deve ligar estas três máximas ". Alain Badiou-in" Existe-t-il quelque chose comme une politique deleuzienne?,revista Cités n° 40-Philosophie - Politique - Histoire - PUF/Paris. Niet
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