21/03/10

A linha



Menos mal: toda esta discussão em torno do PEC fez-nos lembrar que a política existe e que ela tem a ver com as grandes opções ideológicas. Fica claro que nos próximos tempos a linha divisória entre esquerda e direita passará por tudo o que essas três letrinhas significam. E não significam pouco: cortes nos apoios sociais, congelamento ou contenção salarial na função pública, privatização de empresas como os CTT. Sobre este caso específico, vale a pena ler o que diz o João Rodrigues e seguir os links para os quais aponta. Como seria de esperar, e num momento em que chegam rumores de descontentamentos mesmo do interior do governo, o núcleo duro do PS cerra fileiras. Francisco Assis sugere a adopção da disciplina de voto na bancada do PS quando chegar a altura de aprovar a proposta de resolução do documento. Será interessante perceber se algum socialista em S. Bento anunciará o seu desagrado com o plano, como até ao momento já o fizeram Soares, Adão e Silva, Paulo Pedroso, João Cravinho e Ana Gomes. Neste particular, foi corajosa e clarificadora a posição que Manuel Alegre assumiu este fim-de-semana. Contradizendo aqueles que o consideravam refém do PS enquanto este não soltar (se soltar) o seu apoio formal ao candidato, Alegre criticou a erosão da função estratégica do Estado e o esforço desigual que o PEC vem pedir aos portugueses. Enquanto isso, Cavaco acha que os partidos devem «ajudar a aperfeiçoar» o programa, uma maneira de colocar por antecipação o PSD na mesa de negociações. Não obstante o gesticular eleitoralista dos candidatos à liderança laranja, sabemos que este é o caminho que fatalmente irá ser trilhado. Menos mal, porém: a linha vai sendo traçada e isso é já meia vitória.

Imagem: Giorgio de Chirico, La Cohorte Invencible (1928)

5 comentários:

Joana Lopes disse...

Excelente post, Miguel.
São estas clivagens que, muitas vezes, não só mostram como criam as diferenças.

Anónimo disse...

Pois, as diferenças... Desde que não se retiram da miséria milhares de milhões.

Primeiro "os cleans" e logo se vê qto ao resto.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana, lá estou eu a não conseguir entender este cerrar de fileiras em torno da manutenção dos CTT como empresa pública...
Algures nessa cadeia de "links" vi um comentário no "Ladrões de Bicicletas" com um argumento que percebi, dizendo que, se os CTT forem privatizados, só manterão os serviços público que dão prejuízos se forem convencionados e, nessa altura, será o estado a pagar esses prejuízos.
Mas deixei lá esta resposta:

"Caro Politikos,
Quando diz "Lá vai o Estado pagar!" está de facto a dizer "Lá vão os contribuintes pagar!", porque o estado não existe.
Ora hoje em dia esse serviço é pago, não pelos contribuintes, mas pelos clientes dos CTT, que suportam tarifas que pagam não só os serviços que os CTT lhes prestam, como os que prestam nessas aldeias.
Se me conseguir explicar em que é que é diferente serem os contribuintes ou os clientes dos CTT a suportar esse sobrecusto, eu perceberei porque considera este tema da privatização dos CTT importante?"

Será que a privatização dos CTT tem alguma consequência nefasta real, ou é apenas uma questão de bandeira que motiva este cerrar de fileiras?

Joana Lopes disse...

Mamuel VP, Respondo-te com uma pergunta? Mas privatizar porquê, se os CTT até funcionam melhor que nunca (diz-se e eu tenho essa opinião como utilizadora) e se, segundo leio, até dão lucro? Apenas para ajustar contas com Bruxelas?
Não sei se leste isto:
http://arrastao.org/sem-categoria/privatizacao-dos-ctt-mais-estado-em-maos-privadas/

Manuel Vilarinho Pires disse...

A razão para privatizar é evidente: para realizar algum capital e reduzir a dívida.
Há depois um factor circunstancial e um factor estrutural para perceber se sim ou se não.
O factor circunstancial (e começo pelo menos importante, porque é mais fácil analisar num plano objectivo do que o estrutural) é se o momento é bom?
Se a empresa funciona bem e dá lucros, é um óptimo momento para a vender.
Se funcionasse mal ou desse prejuízos, vendia-se, mas muito mais barato, e como o objectivo é realizar capital...
O factor estrutural é se o estado deve ser um capitalista?
A esquerda diz que sim, a direita diz que não...
A ciência económica sustenta melhor a tese da direita do que a da esquerda, mas a defesa desta tese não cabe aqui.
Mas isto são trocos, porque o mais importante que eu gostava de dizer aqui e agora é o seguinte:
O PEC não serve para agradar aos belgas!
O estado não existe.
O déficit do estado é apenas a fracção daquilo que nós gastamos hoje que deixamos para pagar no futuro, por nós ou pelos nossos filhos.
É o que compramos a prestações, ou fiado, e terá que ser pago alguma vez.
Um déficit de estado aumenta sempre a dívida, e nenhum valor maior que zero é sustentável ad eternun.
Posto isto, a privatização serve para darmos uns anéis para podermos ficar com os dedos.
O PEC serve para isso, se bem que este me pareça péssimo e longe de cumprir esse objectivo.
Mas não pelas privatizações.