09/03/10

Já que partimos ontem de Carroll...

e que se fala de como os nomes também se vão dizendo para saber quem é o chefe ou quem é que manda – algumas anotações sobre Humpty Dumpty não estar certo. É que ninguém manda nas palavras, menos ainda naquelas por que vale a pena lutar – pois “lutar por” não é exactamente o mesmo que “definir”, nem depende de uma definição.

Vêm dizer-nos que, se nenhum sentido estiver fixado, abre-se o flanco à balbúrdia do relativismo. Desse ponto de vista, valeria a pena que alguém mandasse nas palavras, que alguém pusesse termo à rebaldaria do(s) sentido(s).  Dirão, por isso:

 – As palavras têm um sentido, o seu sentido; as próprias coisas o têm. E é bom que assim seja, senão... Além disso, há o bom sentido – de trás para a frente, do geral para o particular, do passado para o futuro –, e o sentido comum, o das identidades gerais em que convergem – ou são subsumidos – os particulares. Glória aos guardiões do bom sentido e do sentido comum







Mete dó, por vezes, a seriedade bovina das – admitindo que o são – boas intenções.


Foi contra o império do bom sentido/bom senso (bon sens) e do sentido comum/senso comum (sens commun) que Deleuze procurou pensar uma lógica paradoxal, na sua Lógica do sentido, tomando Carroll como uma das suas pedras de toque. Este livro, embora Deleuze não se lhe refira nestes termos, desdobra, em rigor, um pensamento crítico – se entendermos, enfaticamente, a noção de “crítica”, pressupondo que uma “crítica do real” é inseparável de uma “crítica do pensamento”.

E isto nada tem que ver com relativismo, bem entendido... Para muitos, serão tretas idealistas e especulação desviante. Politicamente correctos, outros dirão somente que é preciso salvaguardar o sentido dos arrombamentos relativistas.

Pois bem, quem assim ajuíza parece quedar-se no(s) primeiro(s) ponto(s) desta sequência: certo é que (i) o relativismo constitui a lógica do “cada um por si”, do "a cada qual o seu gosto" e que (ii), particularista, é esta, hoje, a lógica do “todo”, a lógica conformista que corrobora e fortalece o status quo, mas parece esquecer que (iii) o autoritarismo linguístico, a fixidez do sentido, o zelo definitório (como uma espécie de selo de qualidade das palavras) se confunde com o mais estrito positivismo e que um tal “rigor” não é desprovido de efeitos de poder – nem de conformismo. A obsessão anti-relativista conduz, afinal, ao cerne do relativismo.

Pois, pois, claro... para que cada um saiba o que quer, é preciso que saiba, de antemão, de que se trata, o que é ao certo, quanto custa, o que garante...  Cada um saberá muito bem o que é o quê, aquilo de que gosta ou que aborrece, o que significa esta ou aquela palavra: crítica, política, arte (o que são ao certo?), prazer, lealdade (quanto custam?), casa, amor (quantos anos de garantia?)... E tudo isso isola, constrange o indivíduo, prende-o, no fim de contas, ao seu relativismo.

Sejamos, por isso, mais do que rigorosos, precisos: suspeitemos, pelo menos, que a rigidez das palavras não une; só a palavra em que ninguém manda - e que podemos tornar nossa -, é capaz de unir.

(...o resto fica a cargo dos correctores ortográficos – informáticos ou ambulantes...)

1 comentários:

Anónimo disse...

Sempre me pareceu pouco útil a insistência na etimologia como introdução a um debate filosófico.

E dos vários monopólios semânticos que para aí se vão impingindo, o que mais me aborrece é o que associa ao individualismo o único significado de egoísmo insensível...