09/03/10

Do tempo em que tudo era simplex

“Entre dívidas por liquidar e pequenas extravagâncias para fazer esquecer onze meses de chumbo, a classe média-baixa (e não tanto a média-média, que é composta por médicos, advogados, arquitectos, docentes universitários, políticos, apresentadores de televisão, etc.) habituou-se a esse retorno. As deduções com despesas de saúde e educação criaram esse pé de meia pós-moderno. Já ninguém passa sem «receber o IRS». Pequenas empresas de contabilidade especializaram-se nesse nicho. A engenharia da devolução do imposto não conhece limites. […] Vejamos o caso dos funcionários públicos, classe que inclui os professores: o médico de família, quando existe, tem uma longa lista de espera; o médico privado surge como solução; a consulta custa, digamos, 90 euros (num médico modesto); esses 90 euros são pagos em cash; o recibo é enviado para a ADSE; ao fim de 60 dias a ADSE reembolsa uma pequena percentagem desse valor (nunca recebi mais de 12 euros por consulta); no fim do ano, a ADSE envia declaração para efeito de dedução no IRS com indicação do valor creditado; os funcionários (e os professores, etc.) deduzem a diferença de forma a obter o retorno devido. O BE quer acabar com isso. Esqueceu-se foi de pôr a proposta nos outdoors. Era bom que o fizesse. Ou trata-se de agenda oculta? […] Os nossos liberais devem estar exultantes. Finalmente um partido reconheceu as suas propostas. A operação significa esmifrar a classe média-baixa em mil milhões de euros? Mas o que é isso para as vanguardas revolucionárias?”

Assim escrevia Eduardo Pitta, no Simplex, onde é possível encontrar outros textos em defesa abnegada dos benefícios fiscais, contra o ataque bolchevique à famigerada classe média nacional, contra a qual o grande líder do BE conspirava nas suas reuniões da IV Internacional... Um ataque pela... calada... do...programa eleitoral do próprio BE...aliás de acesso livre na net...publicamente divulgado a tudo e todos... Naqueles tempos do simplex, importava desmascarar a tal da "agenda oculta" que só os assessores do primeiro-ministro haviam sido capazes de revelar aos portugueses... E termino a recordar genericamente o debate de então e a proposta do BE: fim ou redução dos benefícios fiscais na saúde e na educação e aumento da capacidade dos serviços públicos nestas áreas. Mal ou bem, era isto. Ao governo só falta cumprir a segunda parte... As classes média-média, média-baixa, média-baixa-baixinha, e por aí em diante, aguardam. Sentadas.

17 comentários:

Anónimo disse...

Tive conhecimento do vosso nascimento via Arrastão. Permitam-me que vos deseje as boas vindas e faça votos de longa vida. A blogosfera bem precisa de gente que pense à esquerda.
Abraço

A. Rodrigues disse...

Eu através do país do Burro :) Ena, tanta gente a reclamar dos benefícios da ADSE sem conhecer os das Caixas integradas na Segurança Social (ex: Seguros, jornalistas, Lanifícios, Cimentos, Obras Sociais). Era urgente saberem! Aqui deixo um como exemplo http://inlusao.blogspot.com/2009/09/obras-sociais.html

Porfirio Silva disse...

Vim aqui interessado pelo novo espaço e deparo, para começar, com mais uma lengalenga sobre os assessores do primeiro-ministro e o simplex. O Pacheco Pereira e o Carlos Santos fazem escola, sem dúvida. É pena que se ceda tão facilmente, para apresentar ideias, aos expedientes mais baratos da praça. Sinceramente o lamento.

Anónimo disse...

O artigo dispara para a velha e redentora questão em torno da opção decisiva e inescapável: Reforma ou Revolução?! Sub-entende-se, de forma velada e capciosa, a lógica da proposição reformista/liberal do PS e a contra-resposta insofismável da teoria dos comunistas autoritários e do autoritarismo científico, Marx/Lassalle e sucessores devotos do Estado omnipotente,cara à ideologia dominante do BE. Como todos sabemos, este subtil e parlamentar jogo de " colaboração de classes ", interesses estratégicos a salvo para o partido do " sistema ", levou a inúmeros banhos de sangue no início da criação dos primeiros partidos radicais e socialistas na Europa, França e Confederação Germânica, em especial.E que estiveram na base dos desaires de Paris 1848 e, vinte e poucos anos depois, no esmagamento da Comuna. Por agora, é o que posso sinalizar. Niet

Daniel Santos disse...

estamos sé todos bem arranjados.

Anónimo disse...

Não festejo, longe disso que aquilo a que chamei «a festa equivocada» de algumas pessoas de esquerda com o que chamam (e não são)«benefícios fiscais» tenha chegado também ao José Neves.

Sem repetir tudo o que tenho escrito de há muito sobre o assunto, querio deixar cinco notas:

1. Era bom deixar de falar, em matéria de despesas com a saúde e educação, em «benefícios fiscais». Tecnicamente e não só são em rigor deduções à colecta. Dizer que são «benefícios fiscais» é meter este assunto no saco dors verdadeiros benefícios fiscais ( à banca, ao off-shore da Madeira, aos PPR's, etc.)

2.Convinha olhar os factos e as realidades. Com efeito, não há, nem vai haver proximamente, qualquer alternativa pública ao que os cidadãos gastam com a sua parte nos medicamentos, com os livros escolares, com os óculos e tratamentos dentários, com as taxas moderadoras, com as consultas de medicina privada em especialidades onde o atendimento público demora meses.

3. Convém não esquecer que estas deduções à colecta tem um tecto máximo que, há uns anos, na saúde era, salvo erro, de uns ridiculos 600 euros.

4. Quem anda a deitar foguetes em relação a uma velha proposta de Vital Moreira não pode eximir-se a apreciar como é que seria compatível com o sistema de declarações electrónicas um processo de regulamentação fiscal que exigisse o apuramente detalhado e concreto em cada caso sobre se há ou não alternativa pública .

5. José Neves observa no final: «E termino a recordar genericamente o debate de então e a proposta do BE: fim ou redução dos benefícios fiscais na saúde e na educação e aumento da capacidade dos serviços públicos nestas áreas. Mal ou bem, era isto. Ao governo só falta cumprir a segunda parte...». A este respeito, calculo que José Neves não precise que eu lhe explique que o fim das deduções fiscais pode perfeitamente ser estatuido no PEC mas jamais haverá algum PEC que determine o aumento da capacidade dos serviços públicos.É a diferença entre o «já e em força» e o «talvez amanhã».

Pedro Viana disse...

O que o Vítor Dias não inclui na sua análise é que as deduções à colecta na saúde e educação servem para diminuir a pressão individual e colectiva sobre o serviço público de saúde e educação. Quanto maior fôr a possibilidade de acesso a alternativas privadas, menor será a exigência das pessoas perante a qualidade do sistema de saúde e educação público, e menor será obviamente a pressão política para que haja investimento na sua melhoria. Não, isto não quer necessariamente dizer que deve acabar qualquer provisão privada (ou cooperativa, de preferência) de serviços de educação e saúde. Mas sim, que o recurso a estes apenas deve ocorrer nas áreas onde o sistema de saúde e educação público não tem de todo capacidade de dar resposta aos pedidos, e sempre sob a forma de contracto de prestação de serviços entre o Estado e quaisquer "fornecedores" externos. Isto é, se alguém precisa de um dentista, e quer que o Estado lhe preste tal serviço ou o pague, primeiro deve pedir uma consulta ao SNS, e depois se este não conseguir assegurar com os seus próprios meios uma consulta em tempo útil, então deve-lhe indicar um conjunto de prestadores de serviços com contrato de associação com o Estado, de entre os quais pode escolher quem vai consultar.

Vias de Facto disse...

caro porfírio silva,
não seja desonesto. o que eu digo em relação aos assessores do primeiro-ministro não tem nada que ver com a discussão que existiu acerca desse assunto e por blogues. recorde-se que na altura do debate foi indicado que Sócrates se tinha preparado para o debate com Louçã convenientemente, referindo-se elogiosamente o trabalho dos seus assessores. é só isto, mais nada.

caro vítor dias,
estamos a repetir uma conversa antiga. se reparar, até digo, em relação à proposta do bloco "mal ou bem".

zé neves

Zé Neves disse...

caro profírio silva,
relendo o seu comentário e o meu post, presumo que entendeu que eu estaria a classificar o Eduardo Pitta como assessor do primeiro-ministro. se foi isso, peço desculpa pela acusação de desonestidade. se foi isso, trata-se apenas de um equívoco de leitura seu. ou da minha escrita.
zé neves

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Desculpem se meto a colherada. O que está aqui em causa, e já estava na altura do debate entre Louçã e Sócrates, é uma questão política. O primeiro-ministro garantia que Louçã visava com as reduções à colecta, espero dizer bem, destruir a classe média e depois, na demagogia mais barata, dizia que era este o objectivo dos bloquistas, que continuavam de faca na boca prontos a eliminar, em nome dos trabalhadores, as classes intermédias. O que na altura se disse, e eu também, foi que Vital Moreira já tinha proposto o mesmo, portanto as asserções de Sócrates eram pura demagogia. O que José Neves ressuscita agora com grande graça é o discurso de um dos epígonos do primeiro-ministro, que na altura repetia as suas catilinária. Hoje, como se vê com o PEC, aquelas propostas do Bloco são retomadas pelo Governo, sem evidentemente ter melhorado o serviço público na saúde e na educação, como propunha aquele partido. Esta é a questão central, tudo o mais são raciocínios fora do contexto.

Zé Neves disse...

jorge, era isso mesmo!
abç
zé neves

Porfirio Silva disse...

Zé Neves, vou fazer de conta que nunca me chamou desonesto. É a maneira de não perder tempo a responder a isso, nem a analisar as pinças com que tenta depois dar um melhor aspecto a essa atitude. Faço isso para me permitir a mim mesmo continuar a vir aqui pela substância e não pelo folclore do insulto.

Anónimo disse...

Lamento muito mas, nesta matéria, muitissimo mais do que quem defendeu primeiro e quem criticou emtão e defende agora, a ÚNICA QUESTÃO CENTRAL devia ser a «bondade» ou «maldade» das medidas propostas.
Tudo o mais, desculpem, é pouco mais do que palha face ao que está em jogo.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Nesta pequena polémica, do longo desaguisado que eu e o Vítor Dias vamos travando na Net, fico com a ideia que Victor Dias utiliza, de um modo geral, um raciocínio linear e que não compreende o que está politicamente em jogo neste caso. Dou de barato que Victor Dias só podia discutir as medidas que foram propostas pelo Bloco em si mesmas, nunca iria argumentar em defesa do Bloco contra o primeiro-ministro, nem servir-se dos dislates de Sócrates e dos seus epígonos socialistas contra os bloquistas para atacar o PS. Mas há-de também compreender, que uma coisa é a discussão da bondade das propostas no seu contexto, que não é evidentemente isso que está aqui em causa, e outra são as catilinária do primeiro-ministro e dos seus amigos contra o Bloco. Estes acusavam este partido de coisas que efectivamente eram defendidas por socialistas socráticos e agora até pelo Governo, retirando-lhe é certo as medidas mais favoráveis às populações. Por isso continuo a dizer que esta é a questão central, o resto poderá ser uma agradável discussão entre blogs e até, se nisso houver interesse, e parece que alguns o querem fazer, um confronto entre as posições “verdadeiramente revolucionárias” e as “reformistas”.

zé neves disse...

caro porfírio,

entendamo-nos: pedi desculpa pela acusação de desonestidade. não tratei de dar melhor aspecto à acusação. pedi desculpa. se quiser, vergastar-me-ei em público na praça da figueira.

só ainda não percebi em que medida é que foi pertinente a sua comparação entre o que eu escrevi e o tipo de acusações feitas por Pacheco Pereira ou Carlos Santos. e em que medida é que eu dizer que a sua leitura é desoneste é assim tão ofensivo, quando o seu primeiro comentário diz que me vendi às estratégias mais baratas da praça e outros mimos.

mas pronto, vejo que estamos minimamente entendidos acerca do principal.

cumps e apareça sempre

Anónimo disse...

Do último comentário de Jorge Nascimento Fernandes destaco esta passagem que, quanto a mim, diz tudo sobre um modo de pensar politicamente : «Por isso continuo a dizer que esta ( lembrete meu: a atitude do PS de primeiro condenar e depois assimilar) é a questão central, o resto poderá ser uma agradável discussão entre blogs e até, se nisso houver interesse, e parece que alguns o querem fazer, um confronto entre as posições “verdadeiramente revolucionárias” e as “reformistas”.»
De facto, é por estas e por outras que cada vez me convenço mais que não sou deste mundo. Com efeito, ver a natureza real - isto é a sua correcção ou incorrecção, justiça ou injustiça, acerto ou desacerto -das medidas propostas por Vital Moreira, pelo Bloco e agora pelo PS transformada em tema de «agradável discussão entre blogues» e, em contrapartida e a leste disto, ver a questão do comportamento desonesto do PS transformada em QUESTÃO CENTRAL.
Bem vistas as coisas, é claro que quem é capaz de escrever isto é porque acha boa a eliminação das deduções à colecta em despesas de saúde e educação. Porque não se arriscaria tratar a questão do comportamento zigzagueante do PS em clara associação com a natureza nefasta das medidas propostas. Ou,por outras palavras, a «centralidade» atribuida à falta de escrúpulos do PS carece de uma silêncio de chumbo sobre o valor ou natureza intrinsecos das medidas propostas.
Entretanto, para minha grande edificação, fico a saber que a importância central que atribuo à real natureza das medidas é um testemunho de «raciocínio linear» !!!.
Por fim, não há comas que livrem alguns da «lingua de pau» que estão sempre a atribuir a outros.
De facto, eu jamais etiquetei ou etiquetaria as posições em confronto sobre as dedução à colecta de revolucionárias e reformistas (com ou sem comas) pela muito simples razão de que, para mim, o mais exacto confronto é entre medidas socialmente injustas ou medidas socialmente justas.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Por razões várias, só hoje tive oportunidade de ver a resposta do Victor Dias. Com a fúria que já lhe conheço, vem responder irado àquilo que eu lhe disse. Desta vez, apesar de começar por afirmar que o PS condena as medidas propostas pelo Bloco e depois as assimila – ora neste caso parece-me que ninguém assimila as propostas de um e de outro –, vem afirmar que a “«centralidade» atribuída à falta de escrúpulos do PS carece de uma silêncio de chumbo sobre o valor ou natureza intrínsecos das medidas propostas”. Aceita assim que existe uma falta de escrúpulos do PS, apesar de considerar que o que está em causa é a natureza intrínseca das medidas. Ora para mim o mais importante era essa falta de escrúpulos e não a natureza das medidas, porque, tal como sempre acrescentei, e o Victor Dias ignorou, elas tinham que ser acompanhadas com outras alterações de fundo na utilização dos sistema de saúde e de educação pelas populações.
O princípio que em que assenta a crítica a estas deduções à colecta é de que os que mais têm para gastar em saúde e educação são aqueles que mais podem deduzir, simplesmente, tal como as coisas estão e não abrangendo o SNS todas as áreas, nem a escola pública abrange os manuais escolares pode-se, com a sua supressão, criar situações de grande injustiça. Foi nesse sentido e era nisso que se baseavam as propostas do Bloco, é que havia que alterar as condições de acesso das populações ao SNS, permitindo que ele abrangesse todos os itens que agora não abrange, como na educação incluísse a gratuitidade dos manuais escolares. Isto foi sempre dito pelo Bloco. Portanto, dizer que a proposta do Bloco é igual à do PS de agora ou o que propunha Vital Moreira, é desonesto. Desde o princípio, se tivesse percebido ou querido perceber, o que o Bloco propunha deixar-se ia desta discussão sobre medidas socialmente injustas ou justas e teria percebido que, como diz, a centralidade da questão estava na falta de escrúpulos do PS.
Quanto ao raciocínio linear de que falei, como eu escrevi, aplica-se de um modo geral aos seus artigos. Portanto não se refere especificamente a este caso. Simplesmente como isto é um simples comentário, não irei desenvolver a seu respeito este tema, mas sinceramente é isto que eu penso. Quanto à discussão entre aqueles que eram “verdadeiramente revolucionários” e “reformistas”, se tivesse lido todos os comentários perceberia que não se aplicava a si, mas a um texto, um pouco incompreensível, de um tal "niet", que começa o seu texto escrevendo logo sobre “reforma e revolução”, era a este comentário que me referia.