16/03/10

Paz Entre Os Povos, Paz Entre As Classes

Sinalizado como factor de alegria e harmonia entre os povos, conforme assinalado ali em baixo, o desporto afirmar-se-á como possibilidade de incorporação pacífica do nacionalismo, em oposição à incorporação militarista. No contexto do segundo pós-guerra, face ao trauma da experiência militar e em dissídio com o legado nazi-fascista, trata-se de procurar estabelecer fronteiras claras entre uma e outra forma de incorporação, evitando as contiguidades dos anos 30, durante os quais o distanciamento entre políticas higienistas e de pendor sanitário, de um lado, e as políticas de guerra e repressão do corpo, de outro lado, acabaria por revelar-se menos extenso do que era frequentemente pretendido, indiferenciando-se políticas de vida e políticas de morte. Assim, durante a segunda metade do século XX o nacionalismo desportivo foi paulatinamente reassumindo a função de um lenitivo, louvado diante de outros nacionalismos, tidos como mais agressivos, e apoiando-se este contraste numa ideia que em outras circunstâncias, e de modo mais sofisticado, seria possível encontrar em muitos estudos de sociologia do desporto inspirados no trabalho de Norbert Elias e Eric Dunning: o desporto enquanto prática de refinamento que vem civilizar as energias que o corpo anteriormente despendera em funções bélicas. Identifica-se assim uma propensão do desporto à concórdia universal, tomando-o como factor de alento à benignidade potencial do sentir patriótico e nacional e como repressor do que de maligno implicará esse mesmo sentir. À semelhança do que ia sucedendo à ideia de cultura, o desporto assume aqui uma função civilizadora, apoiada numa sua essência pacificadora e universalizante. E tudo o que se desvie da essência pacificadora e universalizante do desporto tende a ser excluído do ideal de desporto, sendo tido como a excepção que confirma a regra, ou como resultado de uma corrosão do ideal que seria provocada por um elemento vindo de fora; uma frustração de natureza política, económica ou social, que se aproveitaria do desporto. Enfim... não fossem os terroristas de 1972 ou os hooligans dos anos 80 e não podíamos falar da famigerada paz desportiva...

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