23/04/10

A amnésia para com os crimes das ditaduras não passará!

A forma seguidista como o Supremo Tribunal de Espanha está a pactuar com os fascistas da Falange, tentando inculpar o juiz Baltasar Garzón por este ter “ousado” considerar os crimes do franquismo e atender às pretensões dos familiares das vítimas em darem sepultura condigna aos fuzilados às ordens de Franco, continua a desencadear ondas de indignação. As Associações para a Recuperação da Memória Histórica entregaram um manifesto de apoio a Garzón que, pela internet, já recolheu 100.000 assinaturas. E, no próximo sábado, em Madrid, os que não faltam na solidariedade a um juiz que se recusou a pactuar com a amnésia perante os crimes do franquismo, vão concentrar-se numa manifestação contra a “impunidade do franquismo”, em que serão oradores o cineasta Pedro Almodóvar, a escritora Almudena Grandes e o poeta, comunista e antigo prisioneiro do franquismo Marcos Ana.

Por aqui, onde a sede da PIDE vira condomínio de luxo e o Forte de Peniche se degrada até se descaracterizar sob a forma mercantilista de uma Pousada, sabemos como a sede de amnésia e apagamento das marcas do fascismo português pula e avança. É a lógica do negócio a querer triunfar sobre a memória. Pese embora a revolta, expressa ou íntima, dos que tendo vivido e sofrido o fascismo sofrem novos golpes, agora pela negação de, para as gerações mais novas, lhes ser garantida a revisitação, mesmo que simbólica, das marcas maiores da ignomínia da ditadura. Não por saudosismo ou nostalgia, mas sobretudo para construírem o futuro sem quebrarem os laços com o passado e valorizarem a democracia que o redimiu, o que comportou vítimas e sofrimentos. Talvez o “exemplo espanhol”, em que cresce o movimento dos que se recusam a esquecer o franquismo e os seus crimes, abane a nossa quietude e indiferença perante os que cimentam negócios, todos bons negócios, montando projectos imobiliários e hoteleiros sobre os últimos escombros dos sítios onde os esbirros da ditadura prendiam, torturavam, assassinavam.

(também publicado aqui)

8 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Camarada João Tunes,
às boas vindas colectivas já dadas, faço questão de acrescentar aqui um abraço saudando o teu excelente post de embarque a bordo destas navegações “sem deus nem amo” do nosso navio

miguel (sp)

Joana Lopes disse...

Concentração de apoio ao Juiz Baltasar Garzón

Sábado, 24 de Abril, 5:00-8:00
Embaixada de Espanha, Rua do Salitre, nº 1, junto à Av. da Liberdade, em Lisboa

Miguel Cardina disse...

Grande arranque!

Anónimo disse...

"Foi um grande arranque!"

... agora esperem pela pancada.

Jorge Conceição disse...

Bem, sobre a cocentração de hoje em Lisboa, junto à Embaixada de Espanha, eu fiz um comentário no "post" da Joana Lopes anunciando tal concentração. Como ela, no entanto, está a viajar para o Oriente, faço um "copy&past" desse comentário para aqui:

Pois, é verdade! Estive na concentração junto da Embaixada de Espanha! Ou no seu simulacro. Ou na sua tentativa de ser alguma coisa. Fomos, no período de maior concentração, perto de quarenta pessoas!... Entre estas meia dúzia de espanhóis que, de debandada em debandada, ali deixaram apenas um casal. Mas, separando-nos da Embaixada e vestidos operacionalente à polícia de choque), sete valentes polícias, parte deles não tiramdo o dedo do gatilho das pistolas-etralhadora, pois todo o cuidado é pouco, não vão estes velhos (a maioria) querer tomar de assalto a Embaixada e fazer não sei o quê a quem estiver lá dentro. Sete polícias fardados, mas pelo menos mais dois à paisana. E um operador de câmara da RTP, a quem um dos polícias com metralhadora exigiu identificação, não se dê o caso de ser um terorista camuflado. E dois ou três repórteres fotográficos não sei de quê. Tudo somado (excepto os polícias) prefazendo cerca de quarenta pessoas!

Bem duas coisas (que são uma só!) ficaram para mim evidentes:
1 - que os partidos (de "esquerda", claro) gostam de mostrar quem "manda", isto é, que a "populaça" sem eles não é nada;
2 - que as pessoas não assumem responsabilidades de cidadania se não forem dirigidas e enquadradas pelos partidos.
Ou seja, estão bem uns para os outros! Não há cidadania se não houver alguém a mandar e com um emblema qualquer! As pessoas por si não têm opções, não participam, não lutam por nada! Se calhar em nada acreditam ou deixam de acreditar. E querem fazer memoriais? Para quem? Para a poeira do ar...

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ao Jorge,

Começando pelo fim, relembro-lhe que há pouco tempo houve em Lisboa manifestações com mais de 100.000 pessoas de um universo de cento e poucas mil.
Se pensa que foram enquadradas por um sindicato, ou mesmo por todos os sindicatos, está a ser muito exagerado quanto à capacidade de mobilização desse ou desses sindicatos, porque havia lá pessoas sindicalizadas e não sindicalizadas, da esquerda e da direita, do centro e dos extremos, de todos os outros lados.
Em vez de olhar para o enquadramento dos partidos como factor de mobilização dos cidadãos, talvez devesse antes olhar para as causas que as mobilizam.

E esta não é completamemnte pacífica para mim.
Por muito que simpatize com o esforço continuado do Juiz Baltazar Garzon no sentido de não deixar ficar impunes crimes que merecem castigo, tenho algumas dúvidas, talvez mais por falta de atenção do que por fundamento real, sobre o que está em causa neste processo.
Nomeadamente sobre se o processo de que ele está a ser alvo se deve a ele ter ousado "investigar os crimes do Franquismo", o que me parece uma causa meritória, ou a ter cometido alguma ilegalidade nessa investigação, o que num magistrado me parece grave e, obviamente, merecedor de um processo de investigação.
Um abraço

Ao blogue "Vias de Facto"

Mas mesmo que a investigação seja pelas piores causas, o que, a ser verdade, deixa muito mal na fotografia o sistema judicial espanhol, também me custa compreender a assimetria entre a indignação expressa por este forum face a este caso da justiça espanhola e o silêncio face a um caso da justiça portuguesa que nos pode ser muito mais penoso: a incompreensível despenalização de um caso óbvio de corrupção provada, em paralelo com a penalização de quem a denunciou e cooperou com a justiça no sentido obter meios de prova para a levar a tribunal.
Por muito importante que seja não deixar apagar a memória dos crimes das ditaduras, como vacina às gerações futuras contra o fascínio que possam sentir por ideias como as que as motivaram, muito mais importante é a permissividade à corrupção, que apodrece a democracia e fertiliza os populismos a ponto de os poder tornar fascinantes, porque cheios de razão.
Por isso gostaria de ver este forum, de quem sou um leitor atento, se bem que normalmente mais em desacordo do que em acordo, concordar comigo neste caso.
Cumprimentos

Jorge Conceição disse...

Manuel, pode fazer, claro, essas considerações comparando-as com as jornadas dos professores ou outras sem grande enquadramento sindical ou partidário. Convém, no entanto e quanto a mim, objectivamente olhar para este número: 40! É que não corresponde a nada que se conheça: nem à votação do partido menos votado em qualquer eleição, nem ao número de sócios de qualquer associação de intervenção social, nem ao número dos que são pró-isto ou contra-aquilo! Não é uma expressão de vontades, não é uma expressão de desagradados com o que quer que seja! E se isso corresponder à realidade do sentir nacional, então, meu caro, teremos não apenas de desconfiar mas de dispensar qualquer manifestação de solidariedade, sobretudo daquela que vem perfeitamente catalogada e avalisada: é que não passará dum "show off" qualquer, populista certamente, ao qual não daremos, não já o crédito, mas tão só a nossa atenção.

Se o problema base para si é a legalidade da actuação do Juiz Garzón, talvez tenha razões para o fazer, uma vez que o que é invocado pelo tribunal supremo é a prevaricação na investigação, por os crimes da ditadura terem sido amnistiados após a morte de Franco, julgo que durante o primeiro governo da época pós-franquista, o de Suarez. Mas não deixa de ser sinistro que quem moveu esta acção contra este Juiz foi a Falange e o pseudo-sindicato de extrema-direita "Mãos Limpas"... E que o Juiz instrutor é parte interessada da Falange...

Bom e mudando de alvo, parece que as coisas hoje na ex-sede da PIDE também não correram da melhor maneira. Falo sem ter participado, pois, por motivos familiares passei a tarde e parte da noite num hospital. Mas foram diversas pessoas que me telefonaram reclamando contra o facto de terem seguido o programa divulgado pela associação NAM noutro blogue, que e lhes havia enviado e que, no entanto e no local, foram desmobilizadas por um representante municipal anunciando que a cerimónima simbólica junto da lápide só ocorreria depois das 19 horas. Foram cinco as pessoas que me telefonaram a pedir satisfações, embora eu nada tivesse a ver, nem com o programa, nem com a desmobilização...

Manuel Vilarinho Pires disse...

Boa tarde, Jorge...
Não me leve a mal, mas 40 parece que foi também o tamanho de uma manifestação que houve há tempos à porta da AR, de t-shirt branca, suponho que em defesa da liberdade de expressão, e também convocada por redes sociais.
Como interpretar como ameaças à liberdade de expressão os amuos do Sócrates com o casal Moniz é uma fantasia partilhada por poucas pessoas... apareceram 40.