21/04/10

O operário nordestino do Vítor Dias

Trago para aqui a resposta que o Vítor Dias deixou na caixa deste post. Não se trata de prolongar um debate “miudinho”, como ele por fim depreende, mas de, a partir do detalhe, conseguir ter uma discussão séria e que julgo importante. E o Vítor Dias é uma pessoa com quem tenho o prazer de ter uma discussão que julgo séria e importante. A discussão é importante por isto: seja em relação a Brasília, seja em relação à Expo’98, seja em relação ao Estádio da Luz, não devemos celebrar uma obra sem atender ao seu modo de produção. Creio que este é um princípio elementar, do qual o Vítor Dias e eu não deveríamos abdicar em momento algum. O Vítor Dias sugere que sou injusto com ele, porque não atendo ao facto de ele ter justamente escolhido uma imagem do arquitecto e do operário de Brasília. Mas, caro Vítor Dias, a visibilidade não garante coisa nenhuma. Há vários regimes de ver e dar a ver. Na legenda, que o Vítor Dias retoma no comentário que me fez, há sinal de tudo menos de desigualdade e exploração: o trabalhador nordestino a mostrar à mulher a cidade em cuja construção participou?!?!? Eu acho simplesmente que a palavra participação dá um bucolismo à cena que é abominável.

4 comentários:

Anónimo disse...

O Zé Neves e alguns leitores que me perdõem mas, de momento e sinceramente sem pretender ofender ninguém, é do território da ironia a única contribuição que posso dar para o prosseguimento (ou ponto final?) desta pequena e, a meu ver, bastante descabida controvérsia.

Com efeito, depois de ler o último «post» do Zé Neves, acho que tudo ficaria bem melhor se fosse elaborado e publicado o seguinte decreto blogosférico:

Artº 1º

È indesejável, inconveniente e deseducativo que haja comunistas ou outros cidadãos de esquerda que mantenham blogues onde, para além de opiniões, análises e reflexões, se incluam referências objectivas a factos, realizações ou efemérides sem a sua indispensável contextualização social, económica e histórica no modo de produção capitalista ou bem assim se remeta os leitores para slideshows que padecem do mesmo defeito.

Artº 2º

Neste quadro referido no nº anterior, é especialmemnte indesejável qualquer referência a realizações humanas, conquistas civilizacionais, avanços tecnológicos ou progressos científicos que não só omitam o papel dos trabalhadores como, mesmo quando o referem, escamoteiam a exploração capitalista (ou outra anterior) a que estavam e estão sujeitos. O disposto neste artigo aplica-se desde a construção de Brasília até à edificação das Pirâmides do Egipto e desde a Ponte de Vila Franca à ponte de S. Francisco, nos EUA.

Artº 3º

A título excepcional e violando assumidamente o principio do carácter geral e abstracto a que todas as leis devem obedecer, determina-se que no blogue «vias de facto»,ou pelo menos nos «posts» de José Neves, sempre que a palavra trabalhadores for usada, seja obrigatório que, nas cinco linhas mais próximas, se recorde e verbere a exploração capitalista que marca o seu viver colectivo.

Por fim, já fora do decreto, só quero dizer aos leitores que, ao longo de quase 40 anos, por um centésimo da rígida tese enunciada por Zé Neves vi e ouvi dizerem sobre mim o que Mafoma não disse do toucinho.

Para todos, saudações cordiais.

Anónimo disse...

Uma pista: Apostem na alternativa do devir- sem sínteses, nem supremacias - que J.Baudrillard´sinaliza deste modo:" O que aconteceu pode virtualmente- se se pode dizer assim-devir outra coisa, talvez isso mesmo tenha acontecido; e não é a sua finalidade que dirige o acontecimento, mas todas essas alternativas-em que tinhamos acreditado terem desaparecido ".Niet

zé neves disse...

Caro Vítor Dias. Eu acho que o caso é revelador de como uma pequena controvérsia guarda em si uma grande controvérsia. Sei que não tem muita paciência para estes debates e que prefere esgrimir argumentos contra os grandes inimigos da direita e do liberalismo e isso tudo. Eu não desvalorizo esse combate, claro que não, mas também gosto muito de discutir com (diferente de: contra) os que se encontram do meu lado da barricada. Fala-me o Vítor Dias de «referências objectivas» e enumera coisas como as Pirâmides do Egipto. Mas é justamente a pretensa objectividade de que se reivindica que permite que se mantenha oculta a exploração que se inscreve naquela monumentalidade. Aliás, eram justamente as pirâmides do Egipto que o Benjamin dava como exemplo de documentos de civilização e barbarie. Eu peço imensa desculpa mas tudo o que vem no seu blogue é da sua responsabilidade. Em relação a Brasília o Vítor Dias tem o mesmo tipo de olhar que qualquer cidadão civilizado deve ter (repare se não é essa a lógica do seu argumento). Eu espero mais de si e de nós. Ou então vamos também começar a votar na beleza momumental das fortitificações que o Império "deixou" ao mundo. E não vamos, pois não?

Diz o Vítor Dias, ironizando: «é especialmente indesejável qualquer referência a realizações humanas, conquistas civilizacionais, avanços tecnológicos ou progressos científicos que não só omitam o papel dos trabalhadores como, mesmo quando o referem, escamoteiam a exploração capitalista (ou outra anterior) a que estavam e estão sujeitos».

Mas não tem que ironizar. É mesmo isso que escreve. Conquistas civilizacionais, aprendi eu num partido bem mais perto de si, são coisas como as oito horas de trabalho. Não é a obra para usar na lapela, mesmo que da autoria de um arquitecto comunista. Conquista civilizacional não é, para parafrasear o Godinho, “construir as cidades para os outros”. Não louvaremos a construção do socialismo (ou do progresso, como queira) feita em condições de exploração laboral. Tão simples quanto isto.

um abraço comunista (ou de esquerda, se preferir)

Anónimo disse...

Agradeço a cordialidade, nem outra coisa seria de esperar, do Zé Neves mas creio que não há volta a dar-lhe e, sem acinte ou ofensa, chegámos ao ponto do chamado «diálogo de surdos» que também faz parte da vida.

Eu sei bem demais que, nestes contextos, a ironia tem os seus perigos mas, uma vez que o Zé Neves insiste em não querer ver a extraordinária rigidez da posição que enunciou, apenas posso rematar escrevendo que fico à espera do acatamento do disposto no artº 3º do decreto blogosférico que propus.
Artigo esse em que, com infinita generosidade, não propus que cada vez que o Zé Neves fale ou absurdamente escreva sobre os seus sapatos, a sua camisola, o fogão da sua cozinha, a sua televisão ou a estante da sua biblioteca
tivesse de lembrar de imediato a exploração capitalista que subjaz à produção desses bens.

Por fim, uma reinsistência minha que tem alguma importância. Diz o Zé Neves que «Eu peço imensa desculpa mas tudo o que vem no seu blogue é da sua responsabilidade».
Sim, isso é em parte verdade mas apenas porque sem a minha escolha ou vontade e sem os meus copy e paste nada lá estaria. Mas entendamo-nos: eu, por critério de concepção de blogue, publico carradas de fotos, de referências a filmes, de músicas, de cartoons, de letras de canções, de links para artigos na imprensa internacional etc., etc., que não espelham necessariamente qualquer identificação minha com os seus conteúdos e antes unicamente traduzem um propósito de facultar informação aos leitores que, depois, julgarão pela sua própria cabeça.

Já que parece que será bem-vindo,lá vai então então um abraço comunista.