01/04/10
Se isto é o socialismo
por
Miguel Cardina
Apesar de Cuba negar a existência de presos políticos, as largas dezenas de cubanos nesta situação têm vindo a mostrar que não são hologramas criados pelo capitalismo internacional e pelos inimigos do socialismo caribenho. Este relatório da Human Rigths Watch ajuda a perceber a realidade repressiva na ilha e as reivindicações que têm levado às greves de fome dos prisioneiros: falta de liberdade política, claro, mas também as condições sub-humanas das prisões. Adoptando a estafada técnica retórica que consiste em falar de alhos para que se encubram os bugalhos, esse aborto da guerra fria chamado Conselho Mundial da Paz já veio defender como pode o regime cubano. A posição da União Europeia sobre o assunto é criticada porque «não está habilitada a dar lições de democracia ou de direitos humanos a nenhum país ou povo, especialmente a Cuba e aos cubanos». Omitindo qualquer referência às greves de fome actualmente a decorrer, fala-se de uma intervenção de «cariz imperialista», que omite o «não encerramento do campo de concentração de Guantanamo, a manutenção do bloqueio económico ou ao encarceramento dos Cinco patriotas antiterroristas cubanos». Felizmente temos bons exemplos de como é possível criticar a falta de liberdade em Cuba e condenar o embargo americano. As Nações Unidas e a Amnistia Internacional são dois deles. Já o equilibrismo do CMP é bem mais complicado. A propósito: membro do CMP em Portugal, o Conselho Português para a Paz e a Cooperação tem na sua página referência aos cinco presos cubanos nos Estados Unidos mas omite a situação dos direitos humanos em Cuba. Será que toda aquela ampla presidência se revê nesta estratégia dos alhos e dos bugalhos? Será mesmo preciso chegar ao último verso do poema do Brecht para perceber que o silêncio é sempre uma forma de cumplicidade?
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26 comentários:
Se isto pretende ser uma análise da situação em Cuba, está a omitir as muitas explicações sobre os "presos políticos" e as greves de fome que o regime cubano tem publicado nas últimas semanas. Também não refere que a Declaração assumida pelo Parlamento Europeu foi proposta pela direita e teve voto contra da esmagadora maioria dos deputados da esquerda (do GUE). Quanto a poemas, deixo este:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=103234
João Romão: importa-se de quantificar o que refere: «voto contra da esmagadora maioria dos deputados da esquerda».
Os números globais de que disponho são estes: 509 votos a favor, 30 contra e 14 abstenções.
O PS não é de esquerda, pá! Mas lá está: tu também não. Daí a confusão, percebes?
Acho que está claro, Joana: "voto contra da esmagadora maioria dos deputados da esquerda (do GUE)".
Trata-se dos votos do GUE, o grupo das esquerdas onde se inclui o BE e o PCP. Quase todos os deputados deste grupo votaram contra (30 em 35).
Naturalmente que o PS votou a favor da declaração.
E não, não considero o actual PS um partido da esquerda. É um vulgar partido liberal, com fraca identidade ideológica e muito pragmatismo na submissão aos poderes económicos.
OK, João Romão, registo que inclui todos os GREENS/EFA também na direita. É uma opção como outra qualquer.
Um pequeno aviso à navegação: Cuba é uma ditadura militar. E está em estado de sítio desde há muito.Com a crise económico-financeira global de 2008,a Rússia, Chavèz e Ahmidnejad rateiam os fundos para " ajudar " o regime castrista. Este adoptou no final dos anos 90, um curioso sistema dual, dúplice e perverso com grandes investimentos na hotelaria de luxo e na prostituição de massas.Quando é que isto tudo implode? ONG dos Direitos Humanos e Amnesty International estão fora da jogada
porque Cuba é uma Ilha! O controlo é total e a crapulice e delacção são rituais associados a um M-Leninismo decadente e esclerosado até à medula! Niet
João, isto não pretende ser uma análise da situação cubana, mas um post que aponta a dualidade de critérios que certa esquerda costuma aplicar. Podemos criticar a pena de morte nos EUA e não criticá-la em Cuba? Podemos apontar o dedo à existência de presos políticos nos mais variados países e aspear a expressão quando se trata de Cuba? Podemos e devemos ler os erros e limitações da ilha apenas à luz dos obstáculos diplomáticos e económicos que lhe são levantados? Ainda bem que nos traz um poema de Sílvio Rodriguez, uma voz que nos tem lembrado que é preciso repensar Cuba sem fazê-la aportar a Miami. Seremos capazes? Uma coisa é certa: a imobilidade é já uma tomada de posição.
Joana, para ser mais claro: chamo esquerda aos partidos anti-capitalistas, que propõem formas de regulação económica e social que vão para além do mercado. Não é o caso dos Verdes, quase todos convertidos à ecologia de mercado e que não sei catalogar nessa geometria esquerda-direita (mas não coloco à esquerdas).
Miguel, acho que este post revela a dualidade de critérios com que se aponta o dedo a Cuba nos últimos meses, a partir da greve de fome de dois delinquentes que se querem agora assumir como presos políticos e se exibem diariamente na imprensa mundial, apesar de viverem num estado tão repressivo. Lamento que, a partir destes casos, gente de esquerda entre no coro da Gloria Estefan e do pessoal de Miami, onde se inclui pelo menos um assassino ex-agente da CIA, entre os manifestantes solidários com as Damas de Branco.
Noutras circunstâncias seria um debate interessante sobre as limitações, as dificuldades e as possibilidades de futuro do regime cubano, que qualquer pessoa em Cuba, mesmo apoiante do regime, reconhece serem difíceis e exigirem mudanças, como é evidente, por exemplo, nas palavras do Silvio Rodrigues, que o Esquerda.net descontentualizou habilmente.
Em todo o caso, na guerra mediática em curso estou por Havana, contra Miami, como algumas pessoas que assinaram recentemente ima declaração de apoio a Cuba (Chomsky, Ramonet, Frei Betto, etc). É uma esquerda globalista de que me sinto próximo, ao contrário de "outras".
João Romão.
Não interprete esta pergunta como provocação porque realmente não o é: qual foi o voto dos três deputados do Bloco? É possível que a resposta esteja na net, mas a verdade é que fiz umas pesquisas e não a encontrei.
dos cinco deputados portugueses no GUE, quatro votaram contra a declaração e outro não (o Rui Tavares)
João Romão,
você escreve: "chamo esquerda aos partidos anti-capitalistas, que propõem formas de regulação económica e social que vão para além do mercado".
Parece-me fraco critério, tanto mais que todos os regimes capitalistas propõem e praticam também formas de regulação que vão para além do mercado e sem as quais este não poderia sequer funcionar ao serviço dos interesses económicos dominantes.
Ao contrário de uma cartilha partilhada por um amplo espectro político, a grande questão política que a actual organização económica levanta tem a ver com a negação da democracia na gestão e direcção dos aparelhos económicos e com a desigualdade de rendimentos que engendra e pressupõe.
Em Cuba, por exemplo, o mercado é regulado politicamente em termos que perpetuam e reproduzem a exploração e a subordinação exercida pela camada dirigente dos aparelhos económicos e estatais. Esta camada tem todas as características de uma classe dominante: dispõe dos meios de produção, decide da repartição do produto, da provisão do mercado de bens de consumo e do reinvestimento, e também dita as condições de trabalho da maioria com mais latitude de manobra do que aquela de que os dominantes gozam nos países de tipo ocidental.
A desigualdade em termos de exercício do poder político e a restrição das liberdades políticas consagram e não podem deixar de o fazer a desigualdade e a opressão económicas no sentido mais limitado. Só a democratização efectiva do exercício do poder e a participação igualitária dos cidadãos podem instituir uma economia política diferente - ou seja, um diferente regime político do trabalho e do conjunto da actividade económica e formas de governo alternativas que substituam a actual divisão do trabalho político pelo exercício de uma cidadania democrática activa.
Por outro lado, se lutar contra uma ou várias potências imperialistas implica o estabelecimento e reforço da dominação hierárquica sobre a população local ou "nacional", então essa luta está condenada ou a derrotar-se a si própria ou a não passar da defesa de interesses rivais dos das potências imperialistas, mas não mais compatíveis com a democracia do que os delas.
Não é à luz do que faz o governo dos Estados Unidos que o regime cubano pode e deve ser julgado, mas segundo o que faz, o tipo de resistência anti-imperialista que escolhe, as relações de poder em que assenta, as formas de liberdade ou submissão, de igualdade ou desigualdade, que cria entre os cidadãos.
Saudações republicanas
msp
João, bem sei que o regime cubano tem procurado classificar como "delinquentes" os presos políticos que mantém encarcerados. É uma estratégia comum das ditaduras. Tenho algum conhecimento dos processos políticos no Estado Novo e - sem querer extravasar a comparação para outro domínio, como é óbvio - aquele relatório da Human Rigths Watch tem coisas que fazem lembrar o que era escrito à época pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Neste aspecto, também o Estado Novo dizia não existirem presos políticos, mas delinquentes.
Caro Miguel
Sim, o critério que explicitei aqui para conversa de breves posts não é grande coisa, assim como está, e concordo que o mercado não funcionaria sem a regulação estatal que assegura a sua dominação por alguns interesses instalados. Em todo o caso, o que quero salientar é a defesa do mercado e do controle privado de meios de produção para a provisão de bens e serviços, mesmo quando são públicos - a tendência para a privatização e desregulação a que assistimos nas últimas duas décadas, incluindo nas relações laborais - o mercado de trabalho. O combate a essas tendências liberalizadoras tem sido feito por algumas - poucas - forças políticas concretas e é a essas que chamo esquerda.
A economia e a sociedade cubanas têm também particularidades concretas mas, em todo o caso, se compararmos com os restantes países da região, Cuba tem níveis de desenvolvimento bastante mais satisfatórios e uma provisão de serviços públicos (como a saúde ou a educação) incomparável, apesar das brutais restrições que o bloqueio económico inevitavelmente provoca. Isso são realizações do estado cubano que não foram alcançadas pelos outros estados daquelas geografias.
As limitações dos processos democráticos - e portanto da organização económica - também são hoje evidentes, penso que até para os cubanos. Menos evidentes serão, no entanto, as formas de as ultrapassar, considerando as vulnerabilidades à influência dos EUA. E essa é, na minha opinião, uma discussão sobre Cuba que os cubanos terão inevitavelmente que ter depressa. O que não me parece é que isso tenha alguma coisa que ver com estes mediáticos cidadãos em greve de fome, as campanhas da Gloria Estefan ou as Damas de Branco. Lamento que tanta esquerda tenha entrado neste barco.
Um abraço republicano
JR
Miguel, não acho a comparação com a ditadura portuguesa muito razoável. Alguma vez um preso do salazarismo teria a exposição mediática global que têm os presos cubanos?
João,
A comparação com a ditadura portuguesa servia apenas para mostrar semelhanças no que concerne à construção da noção de preso político como "delinquente" (algo que o Miguel Madeira aborda em post acima). Mais nada. Por outro lado, parece-me pouco convincente o argumento que convoca: o facto dos presos cubanos terem exposição mediática não se deve a uma qualquer benevolência do regime mas, a contracorrente, à capacidade de chamar a atenção para esses atropelos. E que pelos vistos ainda é insuficiente. Se esse fosse um critério, e salvo as devidas distâncias, a África do Sul do tempo do Apartheid seria uma democracia pela exposição pública de Mandela; ou a visibilidade actual de Aung San Suu Kyi transformaria a Birmânia num regime pleno de liberdades civis.
PS: houve presos do salazarismo com exposição mediática global (não tanta, é certo): Cunhal, Palma Inácio... curiosamente, o nascimento da Amnistia Internacional, em 1961, na Inglaterra, deveu-se à prisão de dois estudantes em Lisboa.
Olá Miguel
Acho que o Miguel Serras Pereira levantou questões com interesse mas esta comparação com o regime salazarista não me interessa grande coisa. Se acha que a exposição mediática do cavalheiro cubano que todos os dias recebe a imprensa internacional, num tempo em que as tecnologias permitem que essas imagens se difundam quase instantaneamente a todo o mundo, é igual à do Álvaro Cunha ou do Palma Inácio antes de 1974, ou que representava um movimento popular semelhante ao do Mandela, por mim pode levar a bicicleta. É um nível de discussão que me transcende e não consigo acompanhar. Mas lembro que mesmo os relatórios sobre direitos humanos que refere, ou os próprios detidos, não falam em tortura pelo regime cubano.
Também não consigo levar a sério o post do Miguel Madeira mas deixo um comentário, que está aqui desde ontem:
http://almareios.blogspot.com/2010/04/nao-sabe.html
"É um nível de discussão que me transcende e não consigo acompanhar."
Eis o sumo que se retira do conjunto dos teus comentários João. E que, com pena o digo, parece acompanhar quase todas as discussões em que entras. Aquele texto que foste ler a Nova Iorque é de uma pobreza que assusta. Estavas mesmo a falar a sério quando escreveste isto?
"People are now starting to feel the difficulties to live facing the hegemony of the market forces, losing revenues, losing quality in public services and, mainly for the youngest generations, big difficulties to get a stable job and stable revenues, facing the environmental damages. In almost all the european countries, young people can't leave their parent's house before 30. They can't make long term plans for their lives, get married or have kids. Even if many of them don't expect from the political parties good answers for their problems, that is the field where the trust can be gained again: defending the rights to work, to have a decent live, to social protection, to health, to education to accommodation."
Meus caros: Parece que andamos todos à procura de receitas milagrosas para salvar Cuba da sua tirania e atraso.O trabalho é gigantesco, de títan.O MS Pereira não nos esconde as dificuldades e armadilhas, mas a sua proposta de cidadania activa esbarra na soberania conjunta do poder das armas e da pirâmide policial e administrativa do Estado-Molloch, unidos na cristalização de uma classe hegemónica intratável e sanguinária. Será que uma ditadura militar de longa duração, com clientelas rodadas e beneficiando do apoio de regimes populistas da América Latina, pode cair como um fruto maduro, a prazo? A própria lógica da Mundialização não contraria tais desígnios espontâneos de libertação democrática com a velocidade do relâmpago? " É preciso inventar novas armas para a Democracia!", dizem Hardt e Negri no " Multitude- Guerra e Democracia no Tempo do Império ". Niet
É a tua conclusão, Ricardo. Por mim tá-se bem. Aquela comunicação dirigia-se a um público que pouco conhece da realidade portuguesa e europeia. Correu bastante bem, as pessoas gostaram, fizeram perguntas e muitas vieram falar comigo a seguir (quer na sessão sobre a esquerda, quer na sessão sobre a crise). De resto fui convidado pela Transform, com quem já tinha feito debates em Estocolmo ou em Belém do Pará. Também é pessoal que não partilha da tua opinião, certamente, ou não me teriam convidado.
Em todo o caso, presumo que tenhas compreendido que o "não conseguir acompanhar" significa que me parece completamente despropositada a comparação feita pelo Miguel.
Boa Páscoa!
... tenho que estranhar a não publicação da minha resposta ao comentário do Ricardo, mesmo sendo sexta feira santa...
Obrigado!
Junto mais uma pérola do Sr. Fariñas, a carta que escreveu à OEA para denunciar a violação de todos os seus direitos desde 1959. A ser assim, o Sr. Farinãs considera que antes da Revolução não havia violação de direitos e que a ditadura de Batista era uma democracia. Também sugere que não houve uma degradação ou desvirtuação dos valores democráticos da sociedade cubana pós-revolução, mas que a própria revolução eliminou a democracia.
Não sendo exactamente uma novidade, esta carta deixa as coisas ainda mais explícitas. Para mim a discussão sobre o trajecto da revolução cubana é interessante e sobre o futuro de Cuba ainda mais. Mas discutir estes cidadãos é gastar cera com muito ruins defuntos.
http://www.lavanguardia.es/internacional/noticias/20100403/53901251018/farinas-denuncia-la-violacion-de-sus-derechos-por-el-regimen-cubano-en-una-carta-a-la-oea.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+lavanguardia%2Falminuto+%28Lavanguardia.es+-+Al+minuto%29
João, já disse acima duas vezes. A comparação que fiz dizia apenas respeito a aspectos na construção da imagem do preso político como delinquente. Tão só. Algo a que que o Miguel Madeira chamou a atenção. O resto são outras contas.
Sim, Miguel, tenho seguido com dedicada atenção todos os comentários da equipa do Vias de Facto que se vão juntando à coisa. Mas quanto a isso estou no mesmo ponto: preocupa-me a forma como gente de esquerda aderiu a esta construção da imagem de um delinquente como preso político. A ti e ao outro Miguel preocupa, vá-se lá saber porquê, não sendo conhecida nenhuma "dissidência" ou relevância política destas pessoas nos últimos anos, a construção da imagem de um preso político como delinquente.
Abraço
Caro João Romão,
uma maneira de fazer avançar o debate, que tende a tornar-se repetivo, é orientá-lo para outro aspecto do caso - ainda que voltando, talvez, mais tarde ao ponto em que de momento estamos.
Assim, deveria dar-nos pelo menos que pensar o modo como um delinquente comum se constrói e supera a si próprio politizando a sua situação e as condições ambientes.
Se por um momento admitirmos, para fins de discussão, que os grevistas da fome cubanos eram na origem delinquentes comuns, tornar-se-á extremamente instrutivo perguntarmo-nos como deixaram de o ser e se transformaram em opositores políticos. Porque isso foi o que aconteceu e ser-lhe-á difícil negá-lo. Quando um tipo põe no prato da balança a sua vida não para obter vantagens pessoais, mas para que lhe sejam reconhecidos, a ele próprio e a outros, certos direitos e garantias civis mínimos, não está, sem dúvida, a praticar um acto de delinquência comum.
Aliás, suponho que você reconhecerá que a questão da delinquência comum e das respostas penais que lhe são dadas é um aspecto político importante - cada vez mais importante, na verdade, à medida que a ofensiva neo-liberal reactiva concepções de "punição dos pobres" que chegámos, os da minha geração, a julgar, a certa altura, obsoletas ou residuais.
Acontece que se não podemos, a menos que queiramos ser companheiros de vanguarda de Paulo Portas, arrumar os protestos que os reclusos protagonizam contra as condições impostas pelo regime prisional considerando-os como pura e simples reincidência no crime, menos ainda o poderemos fazer perante um delinquente comum que reivindica bem mais do que isso, sem ter qualquer ganho material em vista que possa determiná-lo a agir como age, na base de um cálculo de interesses meramente egoísta.
A minha questão é, pois, e deixando de lado a grande e fundamental questão da génese social da delinquência neste ou naquele contexto histórico e político: E se os grevistas da fome cubanos tivessem começado por ser delinquentes de direito comum, em que medida é que isso nos deveria levar, não a desvalorizar as suas razões (reduzindo-as à expressão de uma identidade delinquente), mas a prestar-lhes uma atenção política particular?
Saudações democráticas
msp
"A ti e ao outro Miguel preocupa, vá-se lá saber porquê, não sendo conhecida nenhuma "dissidência" ou relevância política destas pessoas nos últimos anos,"
Pelo menos o Orlando Tamayo é referido em textos da Aministia Internacional há muitos anos:
CUBA Newly declared prisoners of conscience (29/01/2004)
Cuba: Continued detentions following mass arrests in February and December 2002 (2003)
Ainda há pouco tempo, uma acesa discussão sobre participar ou não numa manifestação em defesa da liberdade, promovida por um grupo de direita, animou os blogues portugueses. Muita gente da esquerda, sensível à questão da liberdade, não quis participar na dita manif, com motivos para mim mais do que compreensíveis.
Na recente manifestação em Miami em solidariedade com as Damas de Branco, além da comunidade cubana em Miami, estava, por exemplo, o ex-agente da CIA, Posada Carriles, indivíduo que tentou várias vezes assassinar Fidel Castro e que matou 73 pessoas num avião cubano com destino à Venezuela (o regime cubano, por seu lado, não é acusado de torturar ou matar pessoas).
Se a presença de Losada nesta manif para mim já era suficiente, a recente carta de Fariñas à OEA, em que exige a reparação dos direitos perdidos com a Revolução, revela com clareza que o que está em causa não é nenhuma degradação pós-revolucionária da liberdade em Cuba: é o próprio regime cubano, considerado autoritário, enquanto se considera democrático o regime de Baptista.
É neste contexto que me posiciono: tendo sérias dúvidas em relação à justiça e às liberdades na sociedade cubana contemporânea, estou perfeitamente solidário com aquilo que foi conseguido nos últimos 50 anos em Cuba: na erradicação do analfabetismo, nos altos níveis de educação, na criação cultural e artística, nos cuidados públicos de saúde ou nos níveis de desenvolvimento económico incomparáveis com os países vizinhos, mesmo tendo tendo que viver com o brutal, abusivo e injusto embargo norte-americano.
Recentemente estive num Forum da Esquerda em Nova Iorque, que tinha cerca de 200 painéis de discussão (e muitas conversas de corredor). O futuro da questão cubana também foi discutido mas esta questão das liberdades, impulsionada desde Miami e de alguma imprensa dos EUA, não estava em discussão. A reforma da saúde nos EUA, que era votada naquele fim de semana, foi o principal tema nacional; a construção de uma "V Internacional" foi o principal tema internacional (e mais ou menos ignorado na Europa, já agora).
Os relatórios que o Miguel Madeira refere incluem algumas acusações contra Tamayo mas não incluem todas as que o regime cubano diz ter levado a tribunal. Cuba contesta estes relatórios e a AI contesta a versão de Cuba. Não sou eu que vou decidir qual dos dois é verídico, mas tenho que entender como normal que haja leis que previnam o financiamento externo de actividades que contrariem os regimes nacionais (quer porque são praticados em todo o Mundo, quer pelas particulares condições de Cuba em relação aos EUA).
Muitas motivações podem levar um delinquente a transformar-se num "preso político" ou a desencadear uma greve de fome suicida. Também são muitas e diversas as motivações dos bombistas suicidas. Ou dos suicidas em geral. Nem todas essas razões são boas ou imbuídas de altruísmo. Para mim, uma greve de fome não dá razão a ninguém.
Entendo que o que está em causa não são os direitos humanos ou as liberdades: é um ataque ideológico ao regime cubano. E é face a isso que tomo partido, de um lado ou de outro. E estou com os cubanos que estão empenhados em construir um futuro melhor a partir daquilo que já conseguiram, como refere o Sílvio Rodriguez, em declarações que têm sido deturpadas em Portugal de forma profundamente desonesta.
Muita gente da esquerda tem percebido isto e, com todas as críticas e reservas que também terá, subscreveu uma declaração de solidariedade com Cuba, em resposta à declaração condenatória do Parlamento Europeu: Chomsky, Rammonet, Frei Betto e outras dezenas de figuras que estão longe de poder ser consideradas defensoras de regimes totalitários. Também estou por aí, voltando ao início. Para defender o que se fez e discutir o que está por fazer, sem alinhar na agenda de Miami ou dos poderosos interesses que há 50 anos tentam derrubar o regime cubano.
Abraços
não sei pôr links nesta coisa mas há muitos em
http://almareios.blogspot.com/
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