10/04/10

O desvelador

Ernst Bloch

Ernst Bloch (1885-1977), um dos grandes filósofos da utopia, usou a categoria do «ainda-não ser» para significar que o ser «dos homens» é sempre inacabado, e que essa incompletude justifica sempre novas modulações. Esta é a lógica última do anti-conservadorismo, que aceita não haver repouso no imobilismo, uma vez que este é, de facto, impossível. Todo o presente é feito de relações conflituais com o passado e de relações descontínuas com o futuro, vivendo permanentemente num processo de instabilidade histórica que contraria a aparente estabilidade. O futuro é pois – esta é uma das grandes convicções de Bloch – alguma coisa que se alimenta do passado, particularmente do que, desse passado, escreveu Jean-Marie Vincent, «ficou apenas esboçado e foi rejeitado, deformado pela morgue dos vencedores e poderosos, desejosos de lançar o véu do esquecimento sobre o que incomoda.» O trabalho do historiador é, assim, também o do desvelador, o do descobridor, aquele que chama à vida e ao futuro o que erradamente foi dado como morto mas está ali mesmo à espera que lhe peguemos. Para seguir o seu caminho.

Publicado originalmente em A Terceira Noite

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