27/04/10

Da Criminalização da Precariedade à Banditização da Polícia

A propósito desta notícia que se pode ler no Público: O rapper português MC Snake, ou Nuno Rodrigues, não bebeu álcool nem consumiu drogas no dia em que foi perseguido e baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP), em Lisboa. É pelo menos essa uma das conclusões da autópsia realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, cujo relatório foi remetido recentemente à Polícia Judiciária (PJ) e ao Ministério Público -, o Tiago Mota Saraiva formula no 5dias a pergunta que se impõe: E agora não seria de responsabilizar a fonte da PSP que afirmava aos jornais exactamente o contrário?
Esta interrogação do TMS sugere uma conclusão importante e de longo alcance.  Criminologistas, sociólogos e pensadores como Nils Christie, Loïc Wacquant ou Zygmunt Bauman, entre outros que poderiam ou deveriam ser citados,  têm insistido na deriva penal das sociedades ocidentais, na "indústria do controle"(Nils Christie), na tendência à reciclagem neo-liberal da culpabilização/criminalização vitoriana dos pobres e da miséria, na evolução que conduz do Estado-Providência ao Estado-Penitência (Loïc Wacquant), na erosão do espaço público convivial e democrático pelas paixões securitárias e a privatização que incita à busca de soluções individuais para problemas sistémicos (Zygmunt Bauman).
Mas o que a notícia e o seu comentário pelo TMS nos indicam é que é preciso ir mais longe, compreendendo, a favor das análises de autores como os referidos e da nossa própria experiência quotidiana, que a criminalização e segregação de camadas precárias cada vez mais amplas são acompanhadas do reforço das prerrogativas policiais e da justificação do seu recurso a meios que, invocando a defesa da lei e da ordem, violam os próprios princípios da legalidade estabelecida que inspiraram os direitos constitucionais clássicos, conquistados por lutas seculares de reivindicação social e política. Criminalizam-se as condições precárias e banditiza-se a polícia para combater o crime. A criminalização da inutilidade ou da subalternidade económicas e políticas programa assim, e legitima-a, a banditização da polícia.

0 comentários: