No 79º aniversário da implantação da República em Espanha, este post - Viva a República! Viva Garzón! - que a Joana pôs, primeiro, no Brumas e, depois, também aqui, lembra-nos que o coração da República volta a bater audivelmente em Espanha e que vai ser difícil, desta feita, à Coroa e ao Altar, silenciá-lo.
O tiro com que o Supremo visou Garzón e as perspectivas de transformação política actual que a memória histórica publicamente enunciada ameaçava abrir parece ter-lhe saído pela culatra.
Instigados pela Falange e pela quinta coluna nostálgica do franquismo e da cruzada, mas sobretudo inimiga do livre-pensamento e democratização efectiva do poder político; com a cumplicidade ventríloqua do governo de Zapatero; açulados pelo PP; ao abrigo de uma Coroa reinstituída pelo Caudillo, e abençoados por uma hierarquia católica que nunca aceitou a tímida descristianização do regime que a transição trouxe consigo nem a quebra dos seus privilégios - nomeadamente nas áreas do ensino e da comunicação social, da fiscalidade e da "utilidade pública" -, os hierarcas mais reaccionários da magistratura lançaram-se numa aventura que esperemos que seja o seu canto do cisne, ao mesmo tempo que um dobrar dos sinos antecipando a queda da monarquia e uma pesada derrota das insaciáveis ambições políticas da hierarquia eclesiástica.
Não é que apear Juan Carlos e destruir o trono baste para garantir o retomar das promessas democráticas da República, mas a verdade é que a isso poderá ajudar, e ajudar a que se forme a vontade de o fazer.
E tanto melhor, enfim, quanto mais forte for a participação e a iniciativa dos cidadãos organizados que, a partir da sua expressão de solidariedade com Garzón, começam já a fazer ouvir cada vez mais claramente o No, gracias à monarquia.
14/04/10
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12 comentários:
Caro Miguel
infelizmente,nao partilho do seu entusiasmo. Um país onde a direita fascista (sem exageros, nem esquerdismos), a direita que ainda se recusa a condenar Franco, a direita que tem nas suas fileiras os carniceiros dos crimes passados em lugares de reverência e adulação consegue ter o apoio de quase metade da população, e onde o PSOE se assemelha cada vez mais aos seus congéneres europeus, o sonho republicano parece-me cada vez mais longe...
No processo Garzón, o Zapatero podia ao menos estar calado, em vez de pedir respeitinho.
Toda a razão do mundo, Joana
Caro Rafael,
é muito possível que tenha razão. Mas a verdade é que, querendo calar Garzón, os juízes do Supremo, o que conseguiram foi desencadear um movimento de contestação do regime e da instituição monárquica que põe em crise o "compromisso histórico" da transição.
De resto, como insinuo no fim, a queda da monarquia seria significativa sobretudo se fosse causada um pouco do mesmo modo que levou à queda de Aznar…
Agora, um movimento republicano forte entre os cidadãos sairia caro a Zapatero e aos outros seus companheiros de governo que declaram confiança absoluta nos magistrados do Supremo e não menos em Garzón. Já seria qualquer coisa, tanto mais que creio que tal não se verificaria em benefício do PP - poderia tender, pelo contrário, para inverter o seu progresso nas sondagens.
Estas coisas são sempre complicadas. Concordo com a força que você atribui à direita fascizante e clerical no PP e no xadrez da cena política oficial. Mas, se não podemos subestimar esse aspecto, também não podemos pensar com realismo que cerca de metade dos espanhóis são franquistas ou nostálgicos do franquismo…
Uma politização mais intensa, passando mais pela palavra e pelas discussões partilhadas, do descontentamento que leva o grosso dos eleitores a votar assim ou assado em termos sobretudo defensivos e "económicos", é, em todo o caso, a única via que vejo como devendo ser defendida por quem não pensa que a democracia seja uma impossibilidade natural ou uma perspectiva não sei por que invariantes de ordem sociológica.
Não vejo que possa ser de outro modo. Você vê?
Cordialmente
msp
Caro Miguel, sinceramente não vejo nem esse nem nenhuma outra via, no actual contexto. O problema, na minha opinião, passa pela não existência de uma esquerda minimamente credivel ou forte, um BNG na Galiza que se juntou ao PSOE e "engravatou-se" para entrar no poder com um Quintana moderadissimo; uma IU, em lutas internas e fraticidas há anos, um movimento sindical, que, exceptuando alguns bons exemplos -nacionalistas e libertários- está mais preocupado na forma de gerir o seu poder nas Caixas regionais e nos vários bastioes do institucionalismo; uma comunicação social que envergonharia o Granma pela sua parcialidade [;)] e uma lei eleitoral que distorce de forma brutal o voto cidadão, reforçando de forma artificial o bi-partidarismo...
Acho, que, em Espanha,faz falta a Esquerda assumir as suas prioridades e organizar-se em função disso...
PS: saudações libertárias, republicanas e comunistas...
Caro Rafael,
ainda não percebi bem por que razões acha você que não estamos de acordo.
A falência, defecção, degenerescência antidemocrática das organizações e partidos tradicionais, põe na ordem do dia a auto-organização democrática dos cidadãos em defesa dos seus direitos e capacidades políticas.
Se o PSOE abandonou a causa republicana, viva a República sem o PSOE! E se for caso disso contra o seu aparelho
Se os sindicatos deixaram de ser organizações de auto-defesa e órgãos de tendencial gestão democrática do trabalho e da economia, vivam novas formas de auto-organização que sob o mesmo ou outros nomes se substituam aos aparelhos estabelecidos!
Se a actual divisão política do trabalho e a actual divisão do trabalho político impedem a participação igualitária e responsável dos cidadãos no poder político, vivam a liberdade e a cidadania governante!
Saudações democráticas e republicanas
msp
Garzòn tem sido um pide implacável na perseguição à vontade de autonomia do Povo Basco. Um colaboracionista com os governos demo-fascistas que têm ilegalizado sistematicamente os partidos pró independência de Heskal Herria.
Serviram-se do pide Garzòn para essa tarefa especifica e agora que já não precisam dele descartam-no! era lógico e previsivel que assim fosse. Do que é que estavam à espera?
De qualquer modo, concordo que a monarquia da Casa de Bourbon é insustentável; vê-se amiúde na Catalunya pela queima de bandeiras de Castela e de efigies das fuças do rei...
Eu vivo em Espanha há quase dois anos e só posso concordar com o Rafael.
O ambiente político deste país é quase inimaginável para quem não o conhece de perto. Viver aqui permitiu-me compreender qual o grande legado da Revolução em Portugal, mesmo achando que muitas das promessas de Abril estão aí ainda por cumprir.
Espanha não tem comparação. A transição é tabu. O rei é inatacável, e a constituição nunca foi revista, porque o "bloqueio constitucional" é muito favorável ao psoe e ao pp.
O pp não é um partido. É uma associação de malfeitores. De malfeitores corruptos, trauliteiros, violentos, que nunca condenaram nem tencionam condenar os crimes do franquismo. O seu cabeça de lista às europeias, que é hoje deputado no PE, disse durante a campanha que não poderia condenar um período em que parte da população do país viveu muito bem e sem problemas.
A intervenção cidadã é muito difícil. Por um lado, porque a maior arma, que é o voto, de nada serve, já que o sistema eleitoral é absolutamente desproporcional e que o psoe não se assume como republicano, nem tenciona ir mais além do que a muito tímida lei da Memória Histórica. O acesso aos meios de comunicação (principalmente, a televisão) por parte dos movimentos republicanos é também quase impossível (enquanto que os franquistas têm um canal de tdt, o inenarrável intereconomia, com homenagens periódicas à divisão azul). Resta a rua. E eu, sinceramente (e com grande pena), cada vez acredito menos na eficácia das acções de rua não violentas. Se não der na televisão, não existe, mesmo que juntemos um milhão de pessoas.
Salud y República!
Este seu testemunho, Mariana, é impressionante mas corresponde exactamente às conclusões que tiro sobre o que vou lendo sobre o que se passa em Espanha.
Só há poucos anos me dei conta das terríveis características da Transição e de tudo o que ela ainda hoje implica.
Cara Mariana,
não ponho em causa o essencial da sua análise. Excepto que ela parece reforçar a necessidade de novas formas de acção - a que procurei aludir, nas minhas respostas ao Rafael, em termos muito genéricos e simplesmente indicativos.
De qualquer modo, entre a insurreição armada e os dispositivos da ordem estabelecida que canalizam e neutralizam a intervenção política e excluem a sua verdadeira dimensão instituinte de alternativas, há - ou pode tentar fazer-se - lugar para formas de acção que passam pela utilização de meios como a manifestação, a constituição de grupos e colectivos em torno de objectivos e campanhas, a animação das associações e espaços de debate, a federação e extensão gradual desses movimentos, do tipo do agora desencadeado em torno da "memória histórica" , etc.
Claro que não há vias garantidas a priori nem podemos, avançar para a democracia, senão pelos caminhos que formos capazes de fazer… Tanto aí como por cá ou noutra parte do mundo.
Um abraço e Viva a República Espanhola!
msp
Só queria deixar aqui dois textos que acho que podem ajudar a compreender a transição espanhola e o legado terrível que deixou. O da Lídia Falcón (uma conhecida militante feminista) chama a atenção para um problema particularmente importante, que é o de ter sido ocultada, consciente e voluntariamente, às novas gerações, uma versão minimamente aceitável da verdade histórica. As pessoas da minha geração (tenho 30 anos) acreditam na alegada "violência igual por parte dos dois bandos" durante a guerra civil, no "perigo vermelho", e muitas nem sabem que o franquismo começou como um golpe militar contra um governo democrático. Pouco sabem, também, sobre os crimes do franquismo, cuja divulgação é silenciada nos canais nacionais e encontra apenas espaço na televisão catalã. E o rei, claro, o rei parece ter nascido em 1976... É triste.
http://blogs.publico.es/dominiopublico/1954/en-defensa-de-la-republica/
http://blogs.publico.es/dominiopublico/1956/la-censura-politica-en-los-medios/
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