06/04/10

Do país da mentira desconcertante, chegou uma verdade inconveniente


O PEC trouxe o melhor estímulo para a economia portuguesa de que há registo nos últimos anos: um ambicioso programa de privatizações. Esta nova vaga de alienações terá um profundo impacto na liberalização da nossa economia, estimulará a produtividade e uma saudável alocação dos recursos e reduzirá a margem para a discricionariedade das acções políticas.
 Se a primeira onda de privatizações, iniciada nos governos de Cavaco Silva, gerou enormes ganhos ao trazer os dinossauros públicos para a senda da concorrência, os resultados desta segunda edição poderão ser ainda mais duradouros.
Pode ser que o motor para a saída do nosso Estado de letargia esteja precisamente aqui, nesta transferência maciça de recursos da esfera pública para a dinâmica privada.
Gonçalo Reis,  «Benditos Mercados», Jornal de Negócios

1 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Um excerto de antologia, com efeito, Ricardo.

Quando GR fala dos benefícios da "transferência maciça de recursos da esfera pública para a dinâmica privada", estão implícitos os benefícios de uma transferência também maciça de competências dos aparelhos explícitamente políticos de governo para os aparelhos de governo, não menos políticos, mas que não se apresentam como tais - nem como políticos nem como governamentais -, que são os aparelhos de direcção da economia.
Neste quadro a inadequação da distinção entre lutas económicas e combate político torna-se ainda mais evidente. A extensão das liberdades democráticas, da participação dos cidadãos, por um lado, e as reivindicações sociais, como por exemplo a luta contra a precariedade e a precarização dos assalariados, por outro, só podem fazer-se no mesmo terreno e em termos directamente políticos, como exigência de democratização e de conquista de participação no poder de decidir das leis e do regime por que nos queremos governar - dentro e fora da empresa, tanto enquanto cidadãos como enquanto "produtores".
Deixar claro que são o mesmo poder político o poder que formalmente legisla e o poder que governa a actividade económica e legitima as suas formas de gestão hierárquica e anti-igualitária, e tirar disso as consequências que se impõem, eis também o que poderia fornecer um critério de unificação e articulação das forças efectivamente empenhadas numa transformação radical das relações de poder estabelecidas.
E a este propósito seria interessante que aparecesse aqui um comentário do Pedro Viana que, pelo seu lado, tem procurado propor um entendimento da democracia semelhante - enquanto caminho e horizonte daquilo a que o Zé Neves e eu próprio, ainda que a partir de fontes e trajectórias diferentes, chamamos a autonomia.

Abraço grande

miguel