21/04/10

Economia, Ética e Política

A propósito deste post do Ricardo, é interessante notar como Francisco Sarsfield Cabral redescobre que não é, afinal, possível entregar a condução da economia - ainda que capitalista - à sua "autonomia sistémica", ainda há pouco celebrada, num momento menos inspirado (não são raros nele), por Jürgen Habermas. Confiar na autonomia sistémica ou na auto-regulação da economia equivale a condená-la à auto-destruição ou a confiar-lhe a subordinação implacável de tudo o mais que uma sociedade possa propor-se como fins ou valores.
Subjacente a esta redescoberta de um economista "canónico", está o facto de o crescimento, prosperidade, dinamismo de um sistema económico, avaliado pelos seus critérios internos, nada nos dizer acerca da sua utilidade ou adequação à satisfação das necessidades e bem-estar dos cidadãos. Acresce que há bens ou riquezas que a economia - o seu regime actual - desconhece e que não são calculáveis nem passíveis de ser providos e/ou adquiridos através do mercado.
Dando-se conta de alguns destes aspectos, FSC sugere a necessidade de uma regulação ética da economia e da subordinação dos agentes económicos a outros fins ou objectivos, uma vez que os critérios éticos capazes de a regular são um dos "bens" que justamente a racionalidade económica pura e axiologicamente neutra do capitalismo é incapaz de fornecer. Mais ainda, a pura lógica do interesse económico estipula que os critérios exteriores de regulação por considerações éticas ou políticas sejam ignorados. Há dias, dei aqui o exemplo de que assim é as palavras de Mira Amaral, defendendo a tese de que não há razões para que um empresário não aproveite a oportunidade de negócio num ramo de actividade que as suas próprias ideias políticas condenam (o facto de, em princípio, o empresário considerar a opção nuclear errada não deve impedi-lo de aproveitar a oportunidade de negócio que o investimento no nuclear possa oferecer-lhe). Diga-se de passagem que esta mesma racionalidade económica torna absurda outra ideia de Habermas: a "auto-limitação consciente da economia".
Voltando a FSC, no entanto, a pergunta a fazer é: que significa regular eticamente a economia - e que implica essa regulação? Ora, aqui a pura moralidade individual não basta, não só porque os critérios que fornece variam de indivíduo para indivíduo, mas porque é do regime institucional de funcionamento da economia que se trata. E isso faz com que a resposta tenha de ser política. De resto, as próprias considerações do agente económico que, para além de o ser, se pretenda sujeito moral o levarão a responder à questão de como regular eticamente a economia dizendo qualquer coisa como: "intervindo em vista de que sejam definidas politicamente as suas normas de funcionamento".
Chegados aqui, teremos de considerar a questão da natureza do poder político que aplicará as normas e a do modo de determinação dos critérios dessas normas.
Como serão escolhidos esses critérios e por quem? Como se decidirá, para pegar no exemplo referido por FSC, se o critério justo é o de "Peter Drucker, (…) [que] considerava razoável que um executivo de topo ganhasse 20 vezes o salário médio da sua empresa": ou o que fazia com que os executivos das empresas, nos Estados Unidos, "[e]m 2008 ganharam 81 vezes. E nos Estados Unidos, em 2008, ganha[ssem] 318 vezes o salário médio"; ou ainda o que estipule uma democratização da política de rendimentos que adopte como princípio o critério análogo ao veiculado pela reivindicação democrática de um voto por cidadão, para todos os cidadãos?
Numa perspectiva democrática, a resposta não é difícil: os critérios de regulação da economia e de distribuição dos bens, bem como os da organização e funcionamento da actividade económica, além dos critérios de validação e limitação da esfera do mercado, deverão ser decididos por um poder político em que os cidadãos possam participar e exercer o seu direito de proposta em condições de igualdade e liberdade a todos comuns.
Por fim, só a acção política nesta perspectiva poderá opor-se, na medida em que se torne uma força efectiva, quer à perpetuação das condições devastadoras da presente economia política global, quer a soluções de intervenção política antidemocrática que, conduzidas a pretexto de imperativos de salvação pública, levem a restrições cada vez maiores das liberdades e direitos dos cidadãos, à privatização/mobilização forçada destes sob a tutela de uma classe ou oligarquia governante que confiscará em seu benefício privado o espaço público da cidadania, ao mesmo tempo que empreenderá a consolidação da exploração e da opressão da massa dos governados.

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