03/04/10

O "Amigo Judeu" da Santa Sé

Segundo uma notícia do Público, que fui ler alertado por um post da Joana e outro do João Tunes: "O padre franciscano Raniero Cantalamessa, pregador do Vaticano desde 1980 e o único que pode pregar para o Papa, dedicou o sermão da Paixão de Cristo, na Basílica de São Pedro, à violência, mas anunciou que não iria falar dos abusos sexuais cometidos 'de forma infame por um número de elementos do clero' porque desses 'já se fala muito lá fora'. Ao invés, leu uma carta enviada por um 'amigo judeu' que disse 'seguir com tristeza o ataque violento' que tem sido feito à Igreja. Um ataque que, para o autor da missiva, seria semelhante ao lançado contra os judeus porque 'utiliza estereótipos' e transforma 'uma culpa pessoal em culpa colectiva'".
Este "amigo judeu" da Santa Sé em geral e do seu pregador oficial em particular é mais uma prova ofuscante de que, se os judeus não são uma raça infra-humana nociva, como o nacional-socialismo e outras doutrinas anti-semitas sustentam, também não são uma raça de super-humanos que ponha por definição cada um dos seus membros, individualmente considerados, ao abrigo da estupidez. Do mesmo modo que a actual política do Estado de Israel prova que, nem com a ajuda da monstruosidade dos princípios políticos de boa parte dos que o combatem invocam, estão biológica ou culturalmente ao abrigo da monstruosidade política.
A verdade é que o anti-semitismo torna a pessoa de qualquer judeu culpada da sua pertença a uma identidade colectiva, definida em termos biológicos e culturais. O que é exactamente o contrário de transformar "uma culpa pessoal em culpa colectiva".
Quanto à questão de fundo, a culpa colectiva, ou melhor institucional, e a responsabilidade política da hierarquia do Vaticano não decorre do facto de alguns, bastantes, muitos sacerdotes terem incorrido em práticas de abuso sexual sobre menores sobre os quais dispunham de tutela, mas do modo como enfrentou esses factos e a sua divulgação. Acresce que o comportamento da hierarquia romana é, como já indiquei mais explicitamente aqui, significativo em termos políticos, e, mais especificamente, a identifica como uma força antidemocrática obstinada, que se opõe por todos os meios ao seu alcance tanto aos princípios igualitários em matéria política como ao livre-exame e à liberdade de pensamento que os garante.
O sermão do canta-missas predicante do Vaticano limita-se a documentar o modo como a Igreja de Roma entende que a posse do "esplendor da verdade" que reivindica a dispensa, não só de proclamar a verdade para proteger o esplendor dos que têm a cargo a sua comunicação e administração, como de se dirigir aos demais sem ofender a sua inteligência.
Por este caminho, talvez ainda vejamos Ratzinger - quiçá depois de consultar Cavaco e vários César das Neves mais fiéis, além, claro está, do primeiro-ministro - encomendar - quiçá por ocasião da sua visita a Portugal - a organização de uma peregrinação a Fátima,  como manifestação expiatória que sirva para reparar as perseguições que a divulgação dos abusos perpetrados sobre menores por membros responsáveis do clero católico representam, ao porem em causa as prerrogativas dos legítimos sucessores dos apóstolos.

1 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro: Só agora li o post do JMFernandes1957 no Blasfémias dedicado aos casos de pedofilia na Igreja Católica. Ao longo dos 96 comentários expressos, a Zazie, mais uma vez, brilha a grande altura. Trata-se, realmente, de um caso sério da Blogosfera portuguesa. O rigor, a iconoclastia, a profundidade a a rapidez de pensamento, têm na sua prosa honras maiores! " Se todo o católico, apenas por ser crente, é insultado por defensor da pedofilia- eu já o fui no meu Blogue! ", aponta em catalinária monumental a Zazie. E desdobra dialécticamente a sua prosa fantástica examinando a questão explosiva por todos os ângulos. Niet