29/09/13

O anti-ecologismo primário é um tigre de papel (*)



Olá camaradas,

Li com interesse mais este texto do João Bernardo referido pelo João Valente Aguiar neste post, que me inspira as seguintes reflexões :

  1. Lutar contra moínhos de vento é uma actividade salutar e altamente recomendável Fazê-lo aproveitando para prestar úteis esclarecimentos sobre termodinámica torna o exercício ainda mais meritório.
  2. Admitindo que existem ecologistas que pugnam pelo restabelecimento imediato da era jurássica, em nome de estarmos em estado de pecado mortal desde que provámos determinado fruto que importa agora restituir pela via oral (com exclusão de qualquer outra via, uma vez que São Tomás prova, na Suma Teológica, com palavras mais doutas do que as minhas, que no paraíso ninguém defecava), concordo que há nesta doutrina um evidente exagero e que o seu programa político abraça despudoradamente o ridículo.
  3. Em França, dentro da constelação de correntes diversas de que é feito o partido Europe Ecologie Les Verts (EELV), os partidários da doutrina descrita pelo João Bernardo são perfeitamente invisíveis. Dado que, no partido EELV, uma corrente é visível a partir do momento em que reúne mais de 7 pessoas, penso que podemos afirmar sem medo que os iluminados que lutam pelo “decrescimento” tal como descrito no texto são uma pequena minoria entre os ecologistas.
  4. Em Portugal não sei bem como é, porque não conheço exactamente o programa do partido “Os Verdes”. Se eles perfilham mesmo a doutrina descrita pelo João Bernardo, percebo melhor a energia que ele gasta para os ridiculizar.
  5. Em França (e suspeito também que na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos, etc.) a grande maioria dos ecologistas é progressista e reclama-se claramente da esquerda. Aproveito para dizer que para mim, é relativamente pacífico o que se deva entender por “esquerda”, que identifico com a ideologia que procura alcançar a igualdade efectiva entre os homens, restituindo a riqueza a quem a cria com o seu trabalho.
  6. Mas a questão que me parece dever levantar-se após leitura do texto do João Bernardo é a seguinte : admitindo que alguns ecologistas são ridículos, será legítimo concluir que todos os ecologistas o são, que os problemas ecológicos são falsos problemas e que as preocupações dos ecologistas não passam de uma cortina de fumo destinada a esconder os óbvios benefícios do progresso tecnológico ?
  7. Por exemplo, quando alguns ecologistas apontam para os excessos desastrosos da civilização automóvel, devemos achar que eles não passam de loucos perigosos e que o seu alarmismo é descabido, porque o progresso tecnológico vai encarregar-se de inventar já amanhã automóveis que não poluem, que não fazem ruído, que não ocupam espaço, e que trazem benefícios incontestáveis para todos, a tal ponto que vamos acabar por desejar que sejam produzidos à razão de meia dúzia por cada Chinês ? 
(*) Título  modificado a seguir aos pertinentes comentários do Miguel Serras Pereira. E para penitenciar-me, numa recaída ecologico-moralista, prometo encontrar o excerto da Suma Teológica a que me refiro aqui em cima e publicá-lo no Vias de Facto, para uso dos meus camaradas ecolo-dubitativos na sua cruzada anti-feitiçaria.

8 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,

o João Bernardo é um investigador de primeira importância, mas, bem mais do que isso, um investigador em cujo espírito a erudição não asfixiou uma exigência reflexiva radicalmente democrática, que é injusto menosprezar.
É verdade que, a meu ver, erra no juízo que faz sobre, digamos, assim a ecologia ou a questão ambiental. Mas isso não impede que os pressupostos mais gerais dos quais parte, como também muito do que diz, sejam justificados, podendo com proveito ser mobilizados pelos que, acerca da questão do ambiente, chegam a outras conclusões.
De qualquer modo, e sobretudo, nunca será demais julgá-lo e interpelá-lo a partir do que ele faz de melhor, porque é as mais das vezes necessário, a quem se reclama da "esquerda" nos termos em que tu próprio a defines, pensar com ele até para o contestar acerca desta ou daquela das suas teses particulares.
Para te convenceres de que assim é, bastará que leias, para começar - e sem desprimor para as suas investigações de maior fôlego e mais eruditas -, os seus escritos, digamos assim, mais "ensaísticos", como, por exemplo, dois para os quais tenho o modesto mérito de ter chamado a atenção aqui no Vias: "Ponto Final" (http://passapalavra.info/2012/06/60646) e "Epílogo e Prefácio (um Testemunho Presencial)" (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:BoUE3_9ymFIJ:www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/download/285/258+joão+bernardo+ep%C3%ADlogo&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&lr=lang_de%7Clang_es%7Clang_fr%7Clang_en%7Clang_it%7Clang_pt&client=safari).
Suponho que a sua leitura e ponderação te levará a reconhecer comigo que, se todos os tigres de papel fossem assim, os de carne e osso bem lhes poderiam invejar a agilidade e a força, além da penetração do olhar.

Abraço

miguel (sp)

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Não duvido disso e lerei com prazer, e provavelmente com grande proveito, outros escritos do João Bernardo, de quem desconheço de facto tudo exceptuando os textos citados em recentes posts no Vias de Facto.

O titulo do meu post é uma provocação, uma espécie "capatatio malevolentia", digamos assim. Em substância, apenas critico a posição defendida no texto citado.

E repara que não a critico por ser desprovida de fundamento. Antes por errar o alvo, o que acontece a toda a gente.

Quod erat demonstrandum...

Abraço.

joão viegas disse...

"captatio maevolentiae"

(portanto podem corrigir-se posts, mas não se podem corrigir comentarios, estou a aprender devagar a lidar com o blogue. Por falar nisto, este pequeno pormenor técnico não sera de alguma maneira um incentivo ao produtivismo desenfreado ? Suspeito que sim...)

Abraços

joão viegas disse...

"captatio malevolentiae"

Bolas que isto hoje esta dificil...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,

compreendo a tua intenção, mas o título do teu post poderá ser considerado insultuoso. Foi isso que quis dizer, e foi por isso que o estranhei, vindo de ti - e tanto mais que, sobre outras questões importantes, como as que foram vivamente debatidas neste blogue e com a tua participação sobre a "esquerda nacionalista", o problema do euro e a Europa, as tuas posições foram muito próximas das que o João Bernardo tem desenvolvido e propagado. Deixa-me por isso que te diga que penso que, mutatis mutandis, o teu título incorre no mesmo tipo de erro - tomar a árvore pela floresta - que, a meu ver, obnubila o juízo político do João Bernardo sobre a questão da ecologia e da politização das questões ambientais. Aliás, és tu próprio que, escrevendo em resposta ao meu comentário anterior: - "Em substância, apenas critico a posição defendida no texto citado" e "não a critico por ser desprovida de fundamento. Antes por errar o alvo, o que acontece a toda a gente" - mostras bem que chamar, por esse motivo, ao JB um "tigre de papel" não é nem justo nem certeiro. Engano-me muito?

Abraço

miguel (sp)

joão viegas disse...

Caro Miguel,

Ja mudei o titulo, mas tens completamente razão, a intenção era ironica e era, também, mostrar que não faz sentido tomar a parte pelo todo, exemplificando com o que eu proprio faço no (antigo) titulo do post...

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,

agradeço a elegância moral e a exemplaridade política da tua atitude.
Nem todos são capazes de tanto.
Agradeço-te também o alívio pessoal que o teu gesto me propociona e espero, em sendo caso disso, saber agir do mesmo modo.

Forte abraço

miguel (sp)

jms disse...

“O capitalismo de crescimento morreu. O socialismo de crescimento, que se lhe assemelha como a um irmão gémeo, reflecte-nos a imagem deformada, não do nosso futuro, mas do nosso passado. O marxismo, embora continue insubstituível como instrumento de análise, perdeu o seu valor profético.”

[...]

“A igualdade material deixa de ser uma preocupação maior quando não é indício de uma estratificação hierárquica: a riqueza material não é insultante nem empobrecente para os outros se não vier acompanhada de um privilégio ou de um poder sobre outrem. A pobreza material não é humilhante se procede de uma escolha em contentar-se com menos e não de um ostracismo aos escalões inferiores da sociedade.

A resistência do “homem de esquerda” ocidental a estas verdades revela até que ponto o seu universo cultural e os seus valores de referência foram uniformizados pelas relações mercantis: a desigualdade, para ele, não significa “diferença”, mas uma divisão hierárquica de classe, conforme se tem “mais” ou “menos”. Apenas esta uniformização da valores, de modos de vida e de objectivos individuais permitiu estender as relações mercantis e o salariato a todos os domínios da actividade humana. “

André Groz, Ecologia e Liberdade