A Isabel Moreira veio agora secundar o João Galamba na discussão. A ideia de fundo é a mesma, parece-me: no entender da Isabel Moreira a discussão política só pode ter lugar tendo em conta a realidade. So far, so good. O problema começa quando percebemos que a ordem dos termos da frase não é susceptível de ser invertida. E assim resulta que a realidade não pode ter em conta a discussão política. (Ou pelo menos a realidade não pode ter a discussão política tão em conta quanto a discussão política deve ter a realidade). Isto é, a política vem depois da realidade.
Continuo a achar que isto não é nem político nem democrático.
Mas sim pura e simples tecnocracia.
Como já aqui referi, a concepção de Galamba e Moreira naturaliza a própria realidade, que é reduzida a qualquer coisa necessariamente objectiva. É evidente que esta objectividade da realidade não é indiferente à subjectividade de quem representa essa realidade. A realidade são eles, é claro. É por isso que o principal argumento do Galamba ou da Isabel Moreira é dizer que os outros estão fora da realidade.
A toga que a Isabel Moreira veste para apresentar o seu argumento torna isto tudo ainda menos bonito de se ver. A Isabel Moreira admite que o Estado tem deveres para com quem tem direitos, mas os deveres e os direitos estão limitados ao que o Orçamento de Estado autoriza. E a nossa discussão sobre este assunto está limitada, ou deveria estar, no entender da jurista, ao facto da questão em causa estar juridicamente resolvida. O óbvio é uma soma entre a sabedoria de Teixeira de Santos e umas toneladas de Diário da República. Ora, são justamente as questões juridicamente resolvidas que me interessam discutir política e ideologicamente. Por enquanto ainda não dá prisão. Poder constituído sem poder constituinte? Não, obrigado.
O que não passa pela cabeça da Isabel Moreira (ou pelo menos pelo seu post) é que um Orçamento de Estado é uma construção política, não é um dado natural que antecede a política. E o mesmo é válido para o quadro jurídico: ele não é a paisagem natural em que decorre a política, ele é em si mesmo político e ideológico. O facto de se terem instituído juridicamente uma série de direitos na constituição portuguesa determinou politicamente os Orçamentos de Estado dos últimos anos (para uns, mal, para outros, bem, aqui tanto faz).
Em democracia, a questão primeira não é o dinheiro que temos. A questão é inversa: temos estes direitos, saibamos garanti-los. E o tal do "contexto histórico determinado"? O contexto histórico determinado varia consoante muitas coisas, entre elas o que é determinado pela ambição dos nossos direitos. Para uns o contexto histórico actual tem o tamanho do mundo que pode ser perspectivado a partir do Orçamento de Estado de Teixeira de Santos. Para outros tem o tamanho do mundo que pode ser perspectivado a partir da crítica da economia política.
22/03/10
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2 comentários:
Um realismo que não tenha em conta a necessidade, que é sempre política, de estabelecer prioridades - um realismo assim nem realismo é.
Caro ZNeves: Vamos dinamitar o cerco da ideologia dominante? Fugir ao Mal que " vitimou " o genial João Galamba? Uma receita: " Piedade para aquele que abandona no curso da vida a violência e as suas exigências radicais. As verdades mortas tornam-se venenosas, disse Nietzsche. Se não alterarmos radicalmente a perspectiva, é a perspectiva do poder que acabará por nos virar contra nós-próprios.O fascismo alemão nasceu no sangue de Spartakus. Em cada renúncia quotidiana, a reacção não encara nisso senão o nosso aniquilamento total ". Dá-se um prémio a quem sinalizar o autor.Força e imaginação,please !. Niet
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