24/04/10

Da necessidade de um relativismo católico



A obsessão da igreja católica com o relativismo tem muito que se lhe diga.  O catolicismo depende mais do que julga do relativismo contemporâneo... Que tal?  Um belo paradoxo para animar o fait divers, não? Não queremos que isto se torne sisudo...
Pois bem:
Refere-se muitas vezes que a situação actual da igreja católica, no quadro do actual pontificado, corresponde a um recuo face ao espírito de abertura e renovação que caracterizava a ênfase no diálogo ecuménico promovido pelo Concílio Vaticano II. Deplora-se esse recuo. Acontece que esse recuo, ou antes, este tipo de oscilação – este estertor, digamos – é inevitável.
O ecumenismo procura promover o diálogo entre religiões (nomeadamente, entre as religiões cristãs). Mas não nos iludamos acerca do que aqui está em causa. Vejamos, o ecumenismo – sob pena de se confundir com uma espécie de “multiculturalismo religioso” – nunca se desliga de uma concepção do diálogo que pressupõe que com ele se visa a “unidade na verdade”. E uma tal verdade, quer se queira quer não – e cabe aos cristãos querê-lo (o cristianismo é alguma brincadeira?) – é a Verdade Revelada. Ou seja, pode dialogar-se em torno de uma tal Verdade, mas esta, inevitavelmente, permanecerá absoluta. Tudo o que se afasta deste veracidade absolutista, abre o flanco à “ditadura do relativismo”. A igreja católica não pode ter outra visão do universalismo que não seja o que decorre dessa verdade absoluta. Não há meio termo. A única saída, são efeitos de maquilhagem...
Vou considerar admitido à partida – por consideração pela inteligência dos leitores – que não passa pela cabeça de nenhum que haja uma relação directa entre ateísmo e relativismo. Isso é conversa de catequese, por favor...
O problema é justamente esse. É preciso, em várias frentes, combater o relativismo e o modo como dele se alimentam as ideologias contemporâneas. Mas encetar esse combate, para a igreja católica, significa necessariamente deixar cair a máscara, revelar todo o seu reaccionarismo dogmático...
Trata-se de um impasse embaraçoso, este em que a igreja católica se vê encurralada historicamente: ela ou se revela um cadáver, esbracejando contra a “ditadura do relativismo” (que outros equiparam à “ditadura da democracia”); ou, para sobreviver – ou melhor, para parecer que sobrevive (para sobreviver simplesmente de facto) – tem de se relativizar...
Desastroso seria se o “anti-relativismo” católico fosse o único pensável.

6 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Na mouche, camarada João Pedro. E sublinho a tua conclusão, que bem gostaria que fosse o ponto de partida para um debate que aqui - e em redor - faz muita falta.
Cordial abraço transgeracional

miguel (sp)

Ana Cristina Leonardo disse...

Um encontro ecuménico descrito por Simon Blackburn

«Primeiro os budistas falaram das vias para a serenidade, da subjugação do desejo, do caminho da luz, e os seus colegas do painel disseram todos: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". Então o hindu falou dos ciclos de sofrimento, nascimento e renascimento, dos ensinamentos de Krishna e da via para a libertação, e todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". E assim sucessivamente, até que chegou a vez do sacerdote católico falar da mensagem de Jesus Cristo, da promessa de salvação e do caminho para a vida eterna. Nessa altura, todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". Mas ele deu um murro na mesa e gritou: "Não! Não é uma questão de eu me dar bem com isso! É a verdadeira palavra de Deus, e se não acreditam vão todos direitos para o Inferno!" E todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro"».

Anónimo disse...

Momento sublime- A cerrada argumentação de JP Cachopo -de recorte adorniano: Dialéctica Negativa -encadeia os incautos, tanto a intrepidez da crítica ao relativismo/idealismo transcendental da Bíblia se radicaliza :" As doutrinas que fogem com à vontade para o Cosmos, e toda a filosofia do Ser com elas, são mais facilmente conciliáveis com uma concepção endurecida do mundo e as chances de sucesso que elas conservam, por oposição à mais pequena parcela de reflexão do sujeito sobre si e o seu real emprisionamento ",in T.W.Adorno, D. Negativa, Relação com a Ontologia.É o momento da Dominação e da Violência da Sociedade que aprisiona a metafísica e os crentes nela. Outro ângulo/modelo que pode ser explorado na crítica ao relativismo, é o enunciado- estruturado numa revisão da antinomia da totalidade e do infinito -sobre a fragilidade do verdadeiro:" Uma verdade que não pode cair no abismo de que tanto nos falam os fundamentalistas da metafísica - não se trata do abismo de uma sofística ágil mas da loucura -torna-se sob o imperativo do seu princípio de segurança, analítica e potencialmente tautológica ", idem, referência supra.Claro, que tudo isto são notas de leitura e descodificação que pretendem alertar para os vícios da ilusão que veicula a autonomia da subjectividade... Niet

fernando machado silva disse...

sei que não é bem um comentário e que deveria encontrar-se nalgum post sobre a visita do papa, mas gostaria de lembrar estas teses do poeta António José Forte sobre uma visita do papa: http://donnemoimachance.blogspot.com/2010/04/teses-sobre-visita-do-papa.html

CN disse...

Sobre o absoluto e o relativismo:

O termo "teoria da relatividade" é muito infeliz e logo aproveitado para enunciações sobre o absoluto da relatividade.

Bem, é ao contrário.

Einstein provou que a velocidade da luz é um valor absoluto seja qual a referência de observação.

Ou sejam Einstein provou que existe um Absoluto.

Agora, quanto ao absoluto da Verdade. Poder-se-à negar de forma absoluta que existem Verdade absolutas?

Não me parece. Não existe essa prova. Agora, faz parte da tradição intelectual católica desde muito cedo que o Homem tem a faculdade da Razão e que a Verdade é alcançável usando a Razão.

Essa conversa sobre a Revelação tem mais nuances teológicas. No essencial, o protestantismo evangélico tende sim para a Revelação pura onde nem o livre arbítrio nem a Razão têm papel, mas o Catolicismo tende para compatibilização da Razão com a Verdade. Ou seja, Se existe Verdade, ela está acessível a ser descoberta pela Razão. E o livre arbítrio também é parte determinante da teologia/filosofia católica.

CN disse...

Uma pequena correcção

Na verdade não é a "prova" que Einstein fez, é uma premissa (não uma prova) para toda a sua teoria, já que na verdade a constância da vel. luz vem da experiência. A partir daí é que se constrói a relatividade em tudo o resto (dado ser constante a vel. da luz).

Chamaram-me a atenção para isto.