09/03/10

Em estado de choque


Quando pela primeira vez ouvi o que o governo prepara no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento (vulgo PEC), em particular as privatizações planeadas, lembrei-me logo dos resultados dum projecto de investigação de Naomi Klein, vertido em livro: A Doutrina do Choque. A conclusão central é condensada nestas linhas retiradas da sinopse do livro: "Estes acontecimentos são exemplos da doutrina de choque: o aproveitamento da desorientação pública no seguimento de enormes choques colectivos -- guerras, ataques terroristas ou desastres naturais para ganhar controlo impondo uma terapia de choque económica." Este mesmo processo está hoje em curso em Portugal (e não só). Mas o choque colectivo, que serve para desorientar e sedar, resultou dum desastre que de natural tem muito pouco. O que é realmente inacreditável, é que neste caso os beneficiários da terapia de choque económica que nos está a ser imposta são exactamente os mesmos que foram responsáveis pelo desastre que lhe serve de justificação. Se tudo tivesse sido premeditado não teria resultado melhor. Será que?!...

6 comentários:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Será que?...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
sim, a "crise" económica, dizia Friedman (se não me engano), é uma oportunidade. A seu favor, e à falta de uma luta política eficaz e bem orientada, a intervenção do Estado, motivada pela urgência, legitimada por medidas de protecção avulsas, tenderá a introduzir medidas que agravam a exploração e subordinação económicas da grande maioria dos cidadãos - reforçando o poder político não assumido como tal que se exerce na esfera económica, eventualmente a coberto do "papel social" do Estado.

É por isso que a única aposta razoável é a da repolitização explícita da esfera económica, acompanhada da sua democratização: conquista de liberdades democráticas ao nível da organização e funcionamento dos aparelhos económicos.
Esta aposta não quer dizer que seja provável que consigamos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez. Mas significa que, quando exigimos que o poder político intervenha na esfera económica e assuma nela funções reguladoras, devemos exigir ao mesmo tempo a democratização das suas formas e condições de exercício.
E é por isso que, partilhando embora de boa parte dos considerandos do João Rodrigues, por exemplo, a sua palavra de ordem de um "Estado estratego" me parece equívoca e, a prazo, perigosa. Reforçar o papel do Estado na economia não é garantia da sua democratização, e pode ser facilmente um dispositivo usado para manter ao abrigo do exercício de uma cidadania activa o funcionamento e a condução da actividade económica.

Enfim, por aqui me fico. Vamos ver se alguém mais se junta à conversa que bem merecem o teu post e aquele que o Ricardo Noronha aqui publicou com um texto do Charles Reeve sobre o mesmo tema e sob o título Em Tempo de Crise Permanente

Abç

msp

Anónimo disse...

Meus caros: Estado estratego? Oh deuses, por onde nós vamos...Quem é que define, organiza e programa essa tese pró-Estado? A oligarquia dominante do turbo-capitalismo, irrecuperável, sanguinária e em fase especulativa total e global.Plena de antagonismos centrais e marginais: ainda hoje o surruru desencadeado em Berlim pelo PM francês por causa do veto USA ao projecto vencedor da EADS/Airbus em renovar a frota dos aviões de reabastecimento militar dos yankees! Claro, como frisou Castoriadis, não existem sociedades transparentes,nem idílicas nestes anos demolidores...Sabem que saiu um há dias um livro do Stieglitz onde ele confirma o seu histórico pessimismo pelas receitas de Summers para vencer a crise económica americana? E o Krugman continua a teclar na incerteza e nas dificuldades estruturais do sistema em ultrapassar o marasmo das economias dos dois lados do Atlântico Norte? Até já!. Niet

Pedro Viana disse...

Caro Miguel, concordo com tudo o que diz. É um erro acreditar que o Estado actual consegue assegurar igualdade de acesso ao poder, nas suas múltiplas formas. Principalmente, porque o Estado na sua forma actual, é facilmente capturável por todo o tipo de interesses, com o intuito de o usar para fortalecer o seu poder.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
Perfeito. Só que, por favor, a malta deste barco trata-se por tu. Vale?
Salud y libertd

miguel

Anónimo disse...

Lembra-se, Pedro Viana, quando eu disse que para falar- e bem -da Revolução Russa era preciso ler uns TIR´s de volumes sobre isso? Ora sobre Economia Actual...a coisa ainda é mais esquizofrénica! Coleccionei mais de trinta artigos de Nóbeis sobre a Crise de finais 2008. E desses mefistofélicos seres ninguém tem certezas! Mas, acho eu, devemos afastarmo-nos dessa plataforma demasiado presa a vícios e encantos da ideologia dominante. Devemos ler tudo, claro. Até para testarmos a nossa radicalidade. Salut! Niet