24/10/10

Apelo à Desobediência Civil

Depois de ler este post do Pedro Viana, este outro do Tiago Mota Saraiva e a declaração do Paulo Varela Gomes para que o Pedro e o Tiago remetem, e tendo presente a necessidade e a urgência de agir reiteradas nas conclusões dos dois textos, sugiro que, introduzindo as modificações que parecerem necessárias na sua redacção, se publique e divulgue, desencadeando assim um processo de recolha de assinaturas junto dos funcionários públicos do país, sob a forma de petição, uma declaração como a que se segue. Repito que o texto que proponho é um simples primeiro "borrão", decalcando os pontos fundamentais da declaração pessoal do Paulo Varela Gomes, conjugados em termos colectivos. Acrescento ainda que, não sendo funcionário público, não posso subscrever o documento que eventualmente venha a ser divulado - mas assumo a responsabilidade, e a disposição a reafirmá-la individual ou colectivamente, deste apelo à desobediência civil.


Ao Presidente da República Portuguesa,
ao Primeiro-Ministro e ao Governo,
à Assembleia da República


Opomo-nos às medidas de austeridade que o Estado português se prepara para tomar e, considerando que não servem para nada, exigimos a interrupção imediata do processo da sua aprovação.
O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. As oligarquias económicas e políticas sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, na qualidade de funcionários públicos, gravemente lesados pelas medidas de austeridade anunciadas e solidarizando-nos com todos os cidadão que elas irão oprimir e lesar com igual ou maior gravidade, temos a seguinte declaração a fazer:


1) o Estado deixará de poder contar connosco para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estamos doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;


2) Estamos disponíveis para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir nas nossas áreas de residência;


3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estamos prontos para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.


Manifestamos a nossa solidariedade a todos os cidadãos cujas condições de existência serão iniquamente afectadas pelas medidas do Governo, do mesmo modo que solicitamos a sua - por exemplo e no imediato, sob a forma de declarações semelhantes - em apoio desta iniciativa.

11 comentários:

Pedro Viana disse...

O documento não precisa e não deve ser apenas para subscrição pelos funcionários públicos. Em termos quantitativos, os funcionários públicos que mais auferem serão sem dúvida os maiores prejudicados pelo orçamento para 2010, mas na realidade quem mais vai sofrer serão os trabalhadores que auferem menores salários, seja no público seja no privado, como o msp sublinhou no seu post intitulado Punir os pobres.

Qualquer tentativa de resistência ao que este governo, em concluio com o PSD, nos quer impôr, deve ser unitária e transversal. Uma tomada de posição restrita aos funcionários públicos, correria o risco de aumentar ainda mais a desconfiança que infelizmente existe por parte de muitos trabalhadores do sector privado relativamente aos funcionários públicos.

Parece-me também que qualquer estratégia de resistência tem de ser focalizada. Acções esporádicas e territorialmente dispersas apenas originam atrito e impasses que acabam por desmobilizar. Não é difícil a um governo resistir a esse tipo de agitação. Veja-se o que se passa em França. Continuo a achar que, antes de mais, o fulcro da questão está na legitimidade política das medidas que o governo pretende impôr. Nenhuma delas, nem de perto, constava dos programas eleitorais de qualquer partido. Portanto, os deputados à AR, enquanto ditos representantes da vontade do povo, não possuem legitimidade para aprovar o orçamento para 2010 tal como foi proposto. Isto tem de ficar claro. Os alvos críticos de qualquer acção de resistência e desobediência civil devem ser o governo e a AR. Seria muito importante que PCP e BE tomassem consciência disto, e se juntassem a tal movimento, pedindo aos seus deputados que abandonem os seus lugares na AR. Mas também pode ser feito sem eles.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
pôr em ciculação uma declaração de luta por parte dos funcionários que retome os temas adiantados pelo Paulo VG não impede que antes ou depois se desenvolvam outras acções.
É uma forma de luta que pode e deve ser adoptada, como, de resto, o próprio texto do PVG sugere - apelando à solidariedade de outros trabalhadores e cidadãos depois de se apresentar como solidária com eles.
O ponto é que, sem prejuízo da greve geral agendada para finais de Novembro, e antes em seu benefício, é da maior importância criar condições de instabilidade e conflito que, ao mesmo tempo, inviabilizem as medidas do governo e alarguem a luta dando-lhe um alcance efectivo ao nível da UE. Tal seria, de resto, uma maneira de intervir ao lado dos trabalhadores franceses em luta e de, impondo à UE o confronto com a contestação, construir movas formas de solidariedade entre os trabalhadores e cidadãos dos diversos países.
Pouco importa qual a ponta por onde se comece. O importante é avançar e fazê-lo o mais depressa possível. Mostrar ao governo e às oligarquias que nada podem se os trabalhadores e cidadãos souberem opor-se e formar uma vontade política própria. Incitar os trabalhadores e cidadãos revoltados a que descubram a força que já têm e só eles têm de mudar as suas próprias condições de existência.

Abraço solidário

msp

Anónimo disse...

Chamo a atenção para o entusiástico apoio que esta ideia acaba de receber em http://sempunhosderenda.blogspot.com
A coisa promete.

Anónimo disse...

Quando se começa e onde?

Francisco Trindade disse...

Li hoje de manhã a declaração de Paulo VG no blogue Pimenta Negra e imediatamente pensei em fazer uma declaração minha de apontasse basicamente para os mesmos pontos.
Como estive o dia todo fora só agora é que tomo conhecimento do que se pretende por em marcha!

Podem contar comigo e vou divulgar o texto no meu blogue:

http://franciscotrindade.blogspot.com/

Um abraço

Francisco Trindade

Miguel Serras Pereira disse...

Perfeito, camarada Francisco Trindade.
O interessante seria transformar a declaração - ou outra com o mesmo conteúdo essencial - numa petição. E, claro, multiplicar outras iniciativas do mesmo género da imaginada pelo PVG e que aqui, como noutras partes, encontrou eco.
Vamos lá ver se é desta que isto começa a mexer.

Abraço

msp

Mário Machaqueiro disse...

Meus caros,

Saúdo esta iniciativa, que vem na linha de "posts" que tenho estado a publicar no blogue da APEDE(nomeadamente este: http://apede08.wordpress.com/2010/10/20/introducao-a-um-manual-de-desobediencia-civil/). Agora o mais importante é passarmos das declarações de princípios, com circulação limitada ao mundo virtual da blogosfera, a fim de que este gesto tenha impacto no mundo real, onde estão as pessoas de carne e osso (muitas das quais não frequentam estes blogues). Para já, sugiro que nos encontremos à volta de uma mesa para trocarmos impressões sobre o que se pode fazer. O Francisco Trindade tem o meu e-mail, e pode fornecê-lo a quem estiver interessado em encontrar-se com pessoas que tiveram, recentemente, alguma experiência na luta dos professores e nos movimentos independentes que dela emergiram.
Um abraço a todos

NG disse...

Caro Miguel,
Faltou dizer, no seu texto, onde vai buscar o dinheiro. Puxe do papel e lápis e convença-nos que tem uma conta bem feita para apresentar. Bandeiras içadas para a fotografia não pagam dívidas nem salários.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Nuno,
a resposta é simples: aos que, em muitos casos depois de serem os principais causadores da crise (com a cumplicidade dos políticos de serviço), estão a beneficiar com ela, a ver crescer os seus lucros, a obter juros bonificados junto do BCE para fazer empréstimos a juros seis ou sete vezes mais elevados ao Estado português, etc., etc.
No entanto, quero precisar o seguinte: se a ideia fosse proceder a uma igualização sensível dos rendimentos e se as quebras nos rendimentos do trabalho mais elevados fossem acompanhadas de uma política de actualização salarial que reduzisse o leque dos salários - e obviamente da destituição política da grande oligarquia dirigente da actividade económica e financeira -, eu seria o primeiro a aplaudir tais medidas (contanto que justificadas, universais e sensatamente aplicadas).
Mas o que se passa é o contrário: esta austeridade destina-se a agravar as condições de subordinação e instrumentalização dos dominados, a consolidar o princípio da desigualdade económica e política, a reforçar o papel governante das oligarquias, a corroer os direitos e liberdades da grande maioria dos cidadãos, a excluí-los da participação nas decissões que governam as suas vidas, generalizando a precariedade e a dependência, a desqualificação cívica e a disciplina hierárquica. Ajudar e premiar os ricos e poderosos e punir os pobres e dominados.
É por isso que é uma urgência democrática combater esta política, através da desobediência civil ou por outras vias que devolvam a iniciativa aos cidadãos comuns, reforcem a sua solidariedade consciência, a sua liberdade e as suas resonsabilidades.

Cordialmente

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Caros Francisco Trindade e Mário Machaqueiro,

sendo trabalhador "independente", pago à peça pelo que produzo (traduzo) em casa, estou desinserido de qualquer colectivo laboral, e a minha participação neste momento vê-se limitada a eventuais manifestações e campanhas, que apoiarei com os meios de que disponho.
Penso, no entanto, que a publicação de uma declaração do teor da do PVG, reformulada em termos colectivos,, no site das petições, e posta depois em circulação também por outros meios, seria uma iniciativa interessante. Sem excluir outras, protagonizadas pela iniciativa de outros trabalhadores e cidadãos.
Estou, portanto, ao vosso dispor na medida das minhas capacidades e possibilidades de intervenção. Sugiro-vos que contactem também o Pedro Viana, que aqui divulgou a declaração original do Paulo VG e que tem repetidamente insistido na necessidade de formas de acção continuadas, que tentem efectiva e seriamente travar, através de uma acção democrática multiforme e a diversos níveis simultâneos, a mais grave ofensiva oligárquica dos últimos anos.
É preciso fazer com que não seja mais uma derrota a fazer-nos compreender, ex post, que estamos numa encruzilhada decisiva. É preciso tentar a todo o custo que, desta feita,a tomada de consciência abra as asas da acção, e em acção, antes do anoitecer.

Abraço democrático

msp

Julio G. disse...

Pela primeira vez chegado a Vias de Facto, do beco da livraria Gato Vadio, saiu um apoio ao Paula Varela Gomes e a todos aqueles que se juntem ao apelo. ver http://www.gatovadiolivraria.blogspot.com/