23/10/10

Duas Propostas Exequíveis de Combate à Crise

1."Como se diz em espanhol, para dançar o tango são precisos dois. Durante muitos meses não tinha parceiro para dançar", disse o primeiro-ministro sobre o acordo com o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho.

Perante a sinceridade desta declaração, a que tive acesso graças à sempre insigne vigilância cívica da Ana Cristina Leonardo, a pergunta que se impõe é: e se os mandássemos, aos dois, dançar para a Madeira, facultando-lhes a leitura, para os intervalos, de uma edição integral dos discursos de Alberto João Jardim, depois de condecorarmos este uma última vez, concedendo-lhe, no interesse também dos bailadores, a independência de dois ou três quarteirões do Funchal, suficientemente policiados pelos serviços de ordem das comissões de moradores das áreas circunvizinhas?

2. O primeiro-ministro acrescenta que este é "um período muito difícil de governação" para todos os governos, exigindo "coragem e determinação" e quis passar uma mensagem de confiança.
"O discurso de confiança é o mais importante neste momento. O pior para os povos, para a Europa, para Portugal e Espanha é governar com medo do futuro", disse José Sócrates em Madrid, onde amanhã participa na cimeira da União Europeia e da América Latina e Caribe.


Aqui, a pergunta é: e se aliviássemos de vez as dificuldades dos governos, assumindo nós a governação, e, distribuindo equitativamente os seus encargos, puséssemos, em pé de igualdade, o conjunto dos cidadãos a governar(em-se)?

10 comentários:

Niet disse...

O MS.Pereira lança-nos desafios e propostas aliciantes e muito dificéis, que urge saber enquadrar para avançarmos com o mínimo de segurança e sem recuperação: " O movimento não poderá existir se não se definir; e não poderá continuar senão se recusar a condensar-se numa definição feita de uma vez para sempre ", sinaliza C. Castoriadis no seu texto sobre Maio 68, A Revolução Antecipada. Já tentámos definir- na " Comuna " do blogue " Cinco Dias "- há quase um ano atràs- a perspectiva irónica de " revolução-chave-na-mão", que era uma construção deliberadamente sádica e surrealista. O que o MS. Pereira aventa como hipótese de " revolução social ", aqui e agora, em Portugal,é a continuição do processo revolucionário instaurado pelo 25 de Abril 74, desnaturado e enquadrado pelo 25 de Nov 75 no âmbito da correlacção de forças do Imperialismo mundial. Por certo, que MS. Pereira está super consciente dos avisos que Rosa Luxemburg lançou no seu panfleto maravilhoso sobre " Reforma Social ou Revolução?", onde elabora uma análise crítica e dialéctica contra as teses de se fazer da "revolução uma reforma condensada." Uma revolução Social e uma reforma legal não são elementos distintos pela sua duração, mas pelo seu conteúdo; todo o segredo das Revoluções históricas, da tomada do poder político, reside precisamente na passagem de simples modificações quantitativas a uma qualidade nova ou, para falar concretamente,na passagem de um período histórico de uma forma de sociedade dada a uma outra ". Toda esta linha política revolucionária tem atravessado a História, do período aúreo da Revolução Francesa(1793), passando por 1848,a Comuna de Paris(1871) e o falhanço "democrático" de 1905 como prenúncio vitorioso da Revolução Russa de 1917. Para este se ensaiar e avaliar a imensa projecção desses desafios históricos, Castoriadis adianta e acrescenta, no quadro da Luta de Classes do séc. XX, no mencionado texto de " Maio: a Brecha ": "Tanto para a reconstrução socialista da sociedade como para o seu próprio funcionamento interno e para a direcção das suas actividades, o movimento deve inspirar-se nas seguintes ideias: Nas condições do Mundo Moderno, a supressão das classes dominantes e exploradoras exige, não só a abolição da propriedade privada dos meios de produção, mas também a eliminação da divisão dirigentes-executantes enquanto camadas sociais. Por conseguinte,o movimento combate esta divisão em toda a parte onde a encontrar, e não a aceita dentro de si. Pela mesma razão,combate a hierarquia sob todas as suas formas. Aquilo que deve substituir a divisão social entre dirigentes e executantes e a hierarquia burocrática onde ela se incarna é a Autogestão, a saber,a gestão autónoma e democrática das diversas actividades pelas colectividades que as executam.(...) O exercicio efectivo da Autogestão implica e exige a circulação permanente da Informação e das Ideias. Exige igualmente a supressão das divisórias entre categorias sociais.É por fim, impossível sem a pluralidade e a diversidade de opiniões e tendências ". Liberté et égalité!. Niet

m disse...

Há muita coisa para fazer antes disso e esse trabalho não está sequer a ser feito.

Niet disse...

Caro sr. M.(Mescalero?): Arrisque e critique o meu texto, please! Acho que deve ter muitas coisas - belas e profundas- para dizer.Fiquei muito entusiasmado com o seu Blogue,como é evidente. Salut! Niet

Ana Cristina Leonardo disse...

Miguel, obrigada pelo link. E pelo adjectivo.
-:)

m disse...

Caro Niet,

O meu comentário era dirigido à proposta presente no post, mas podia ser também às suas palavras com as quais, aliás, concordo do princípio ao fim. Tenho precisamente andado a informar-me mais sobre a autogestão, porque não sabemos quando vamos precisar desses conhecimentos. O que sabemos é que nada está feito, não há ideias a serem difundidas que incluam a revolução social, a descentralização do poder, a acção directa ou a autogestão.

Como disse Robin Hahnel, um dos economistas que tem trabalhado no desenvolvimento do Parecon (Economia Participativa), numa conferência de comemoração do centenário da CNT em Barcelona: "Por desgracia, como economista profesional debo decir que me parece que todo el debate dentro de la Izquierda acerca de cómo organizar de hecho una economía autogestionada peca de… ¿cómo decir esto sin caer en el insulto?… ingenuidad y desinformación, le sobra la tozudez del creyente pero carece de soluciones concretas para problemas reales."

cumprimentos,
mescalero

Niet disse...

Caro Mescalero: Entendo que não era preciso chamar o MS. Pereira para a discussão,pois o post era dele.Ele gere as suas intervenções como e quando deseja. Pessoalmente, até gostava que ele tivesse participado, devido ao avançado rigor das suas posições. Andei a ler o seu Blogue, Mescalero, e achei que tinha força e garra(s) para avançarmos no diálogo.Eu tenho explicado e " trabalhado " a minha " área " de intervenção e debate: perspectiva crítica da Revolução Russa ( através da leitura de Trotski,Kollontai,Voline, Vitor Serge,Guérin e Lefebvre, entre outros); e crítica da herança teórica e política leninista através, sobretudo, de Castoriadis e Pannekoek, com incidências em Mattick e Arthur Lenning por causa dos efeitos libertários da galáxia Kropotkine/ Bakounine. Existe também o legado hegeliano-marxista de Guy Debord e sua banda.
Refere-se à Autogestão. A melhor e mais radical perspectiva é-me dada até hoje por Castoriadis, conforme citei no comentário acima. Aliàs, ele discutiu com A. Pannkeok o sentido das suas teses sobre os Conselhos Operários.Por certo, que lê o Vias desde o início. Tem muita matéria para debater, portanto. Não posso deixar de lhe referenciar um testemunho do próprio Castoriadis sobre o futuro da Revolução Social, num escrito datado de Nov. 1972: " O termo mesmo de Revolução não é mais o melhor apropriado. Não se trata unicamente de uma Revolução Social, da expropriação dos expropriadores, da gestão autónoma do trabalho e de todas as actividades pelos agentes envolvidos. Trata-se da auto-instituição permanente da sociedade, de uma separação radical com formas multisseculares de vida social, pondo em causa a relação do Homem com os seus instrumentos bem como com os seus filhos, a sua relação com a colectividade tanto como com as suas ideias, e finalmente todas as dimensões do seu ter, do seu saber e do seu poder. Um tal projecto que, por definição, tautológicamente, não pode ser gerido senão pela actividade autónoma e lúcida dos homens, que não é senão essa actividade, implica uma mudança radical dos indivíduos, da sua atitude, das suas motivações, da sua relação com os seus vizinhos e objectos, enfim, em relação às formas gerais da sua existência ". Liberté et égalité. Niet

m disse...

Caro Niet,

Não pretendi chamar o Miguel Serras Pereira à conversa, mas apenas esclarecer o sentido do meu comentário inicial.

A minha linha de estudo no que diz respeito à autogestão passa pela tradição anarquista comunista e pelo parecon, o que já é muita informação para processar e me vai levar algum tempo, coisa que actualmente não abunda para estes lados. Portanto, o Castoriadis, estando nos meus planos já há algum tempo, terá de esperar pela sua vez, que será logo a seguir a me sentir satisfeito com o que absorver desses dois modelos autogestionários anarquistas. Dentro dos marxismos e relacionado com autogestão, li algumas coisas com origem no Brasil, nomeadamente do Tragtenberg e do Nildo Viana, o seu Manifesto Autogestionário de 2008 que pretende ser um "plágio actualizador" do Manifesto Comunista.
Estou basicamente a começar.

Essa concepção de revolução social do Castoriadis está presente também no anarquismo contemporâneo. Praticamente todos os anarquistas que tenho lido que retiraram aprendizagens das novas gerações, correntes e contribuições libertárias, do que é chamado a nova vaga do anarquismo, têm uma concepção de revolução social que incorpora a transformação social a ocorrer no terreno da vida quotidiana, ou seja, percebida da mesma forma como passou a ser o poder, descentrado e a operar a partir de baixo. Penso que Castoriadis coloca bem o problema ao dizer que "não se trata unicamente de uma revolução social". Desta forma não nega o carácter emancipatório do momento revolucionário de derrube do poder estatal, teoria que vai estando em voga e com a qual não posso estar de acordo.

O meu foco está sobretudo virado para a acção. Este post e outros incitamentos à acção (de cariz libertário, claro) é o tipo de conteúdo certo para aparecer massivamente em panfletos, blogs, jornais alternativos, cartazes, rádios piratas, difundidos até se tornarem chatos e obrigarem a reagir. Acho que não é demais deixar isto aqui escrito para qualquer pessoa que por aqui passe e leia esta nossa troca de impressões.

saúde e anarquia

Miguel Serras Pereira disse...

Caros Niet e Mescalero

suponho que a vossa discussão é interna ao campo da autonomia democrática.
A autogestão - ou gestão democrática da esfera produtiva devolvida ao espaço público de decisão e autogoverno dos cidadãos - significa, sem dúvida, mais do que a democratização interna da empresa ou unidade laboral particular.
Mas penso também que não podemos adiantar organogramas precisos do seu funcionamento. Digamos que, na esfera da economia e do trabalho, a estratégia deve ser, como nas restantes, a extensão e conquista de poderes de decisão exercidos em termos de igualdade. E que as instâncias de coordenação terão de ir sendo criadas ao longo do processo de luta ou democratização geral.
Julgo estar implícito nisto que digo a exigência de construção de um poder político - inicialmente contra-poder - alternativo às formas actuais e estatais de divisão do trabalho político. E se o repito aqui é para que não haja dúvidas a esse respeito.

Saúde e liberdade

msp

Niet disse...

Caros MS Pereira e Mescalero: O processo auto-gestionário faz parte da autonomia democrática quando o processo revolucionário funciona bem,isto é, sem manipulações partidárias e burocráticas latentes ou em vias de realização incontornáveis. O que, nos tempos que correm, é muito dificil de encontrar no terreno,convenhamos.Creio que é, este o sentido que o MS Pereira emprega para caracterizar a autonomia democrática.Para uma melhor circunscrição teórica do problema, nada melhor que recooer à narrativa histórica e teórica comparativa de C. Castoriadis. Comparando a Revolução Russa e a Revolução húngara de 1956, Castoriadis aponta:"1). A revolução russa dever(i)a ineluctavelmente começar pela destruição do aparelho do partido, do Estado e da gestão burocrática da economia"- percalços que estão na base do despotismo estaliniano, como sabemos." Tudo isso foi realizado pela Revolução húngara " de 1956, segundo Castoriadis, como indica: " A destruição do aparelho de Estado e do partido desenrolaram-se lado-a-lado- e a constituição dos Conselhos Operários, que constitui a contrapartida positiva, acompanhou
,por assim dizer, a par-e-passo, essa destruição. (...) Estes dois aspectos: a destruição das instituições do poder estabelecido( Estado e partido) e a constituição de novos orgãos de poder( Conselhos Operários), são inseparáveis. Na medida em que as antigas instâncias de gestão e de coordinação e de controle da vida social caem sob os golpes das massas em revolta, estas tendem a substitui-las logo por outras novas, que elas próprias elaboram. Inversamente, desde que novos organismos foram constituídos, entram em conflito com os aparelhos de dominação existentes. E é, por assim dizer, " a mesma " consciência que nos leva a compreender que não há mais nada a esperar das antigas instituições e nos força a pô-las em pedaços- e que incita as massas a criar os instrumentos do seu próprio poder ". E noutro passo, Castoriadis precisa ainda melhor: " O poder operário não pode ser senão o poder dos Conselhos Operários. A ditadura do proletariado não é a ditadura de um partido, mas o poder dos Conselhos Operários, que realizam a mais larga democracia. O partido, o aparelho de Estado e o aparelho de direcção da Economia desaparecem sendo absorvidos pelos orgãos de massa de base ".Niet

Niet disse...

Mais umas notas sobre a necessidade de Autonomia- A troca de pontos de vista presentes neste post têm que surtir efeito(s). O MS. Pereira fala da "conquista de poderes de decisão ", exercidos em " termos de igualdade "; e, paralelamente, as " instâncias de coordenação terão de ir sendo criadas ao longo do processo de luta ou de democratização geral ". E quem pode tentar despoletar esta luta? " O soviete " ou o " Conselho Operário ", como indica expressamente Castoriadis? Claro que, não será demais sublinhá-lo, esse embrião revolucionário não pode nem nunca deve ser a direcção do proletariado,neste caso partidos ou sindicatos mas, frisa CC,tão-só,devem intervir como um " instrumento da sua luta ". A que acrescenta: " A teoria revolucionária não pode encontrar o seu fundamento senão na experiência e acção do proletariado, histórica assim como quotidiana "; e posiciona: " Não pode permitir que a divisão entre dirigentes e executantes se instaure no seu interior, e que por conseguinte, a sua estrutura deve ser inspirada pelo tipo de organização que representa um Soviete ou o Conselho de empresa- dito de outra forma, o seu funcionamento e a sua estrutura devem prefigurar a gestão operária ". Niet