28/10/10

Indústria e pós-indústria

A respeito desta conversa entre o Zé Neves e o Nuno Teles, da sociedade industrial e pós-industrial e da "rotina e ritmo" que são/eram impostas ao trabalhador manual: será que os actuais trabalhadores dos serviços (como caixas de supermercado, bancários, etc.) não estarão pior? Afinal, não me parece que tenham mais espaço para pôr em prática e sua inteligência, criatividade e iniciativa que o operário tradicional, com a agravante que estão muito mais sujeitos a exigências do estilo "sorri para os clientes", "veste-te de forma apresentável", "não uses um brinco" (ou "usa um brinco", se se achar que isso corresponde à imagem que a empresa quer transmitir), ou mesmo "tens que ser elegante" (p.ex., é quase impossível uma mulher com peso algo acima da média conseguir emprego numa loja de roupas). Ou seja, nos "serviços" (ou pelo menos os serviços com contacto directo com o público - note-se que não incluí os empregados de escritório lá acima) o trabalhador está submetido ao patrão não apenas na sua qualidade profissional, mas também naquelas coisas a que agora se chama o "saber estar".

Aliás, por regra geral podemos considerar que a substituição da indústria pelos serviços como sector principal da actividade económica vem associada a uma desvalorização das "hard skills"* (saber fazer um trabalho específico) face às "soft skills"  (coisas como motivação, sociabilidade, "personalidade", etc.) como qualidade profissional fundamental; mas na prática as "soft skills" não serão uma mistura de "hábitos de classe média" e de "submissão" (a esse respeito, recomendo o artigo Good dress sense - and poor pay - are in fashion)?

Agora um ponto acerca das "rotinas" no trabalho - quando se fala do "trabalho repetitivo", por vezes não é muito claro o que se quer dizer; ou melhor, o que não é claro é o que é suposto ser o oposto de "trabalho repetitivo". É que" trabalho diversificado" pode significar pelo menos duas coisas - a) o trabalhador ter diferentes tarefas para fazer, em vez de estar sempre a fazer a mesma coisa; ou  b) o trabalhador poder fazer as suas tarefas de diferentes maneiras, em vez de ter um método de trabalho padronizado. Não são duas coisas exclusivas, mas são distintas - podemos perfeitamente ter uma situação em que o trabalhador está sujeito a exigências e solicitações diversificadas, mas cada uma das várias coisas que tem que fazer já tem uma maneira predefinida de ser feita, sem grande espaço para ele "inventar" (no fundo, é a diferença entre "acontecerem-me coisas diferentes" e "eu fazer acontecer coisas diferentes"). Bem, e o que isso tem a ver com a questão da indústria e dos serviços? É que me dá a ideia que o trabalho nos serviços talvez seja mais diversificado no sentido a), mas não me parece que muitas vezes seja particularmente diversificado no sentido b) (a mim a diversificação no trabalho que acho importante é a b), mas admito que pode ser apenas uma questão de gosto pessoa).

Outra questão que ponho, que aqui já não terá tanto a ver com a dicotomia indústria/serviços, mas mais com a dicotomia operários/empregados (um operário pode trabalhar nos serviços...), é que dá-me a ideia que muitas vezes é muito mais fácil a um "operário qualificado" (p.ex., um electricista, ou um serralheiro mecânico) do que a um "empregado qualificado" pegar nas suas qualificações profissionais para se por a trabalhar por conta própria se se zangar com o patrão (ou o patrão com ele...), enquanto as qualificações de um "empregado" são normalmente muito mais "organizacionais" e menos viradas para a produção directa de algo que possa ser directamente vendido aos clientes sem intermediários pelo meio. Ou seja, talvez os operários (ou pelo menos alguns operários) estejam menos dependentes da "organização" que os empregados.


Um último ponto, mas este é mais o que poderíamos chamar uma impressão impressionista - tenho a vaga percepção (mas não fiz nenhum estudo sobre o assunto...) que os operários são mais dados a ocupar os seus tempos livres com actividades auto-organizadas (desde ir à pesca a ir jogar às cartas para o café da esquina) enquanto os empregados tendem a ocupar o seu tempo de forma mais passiva, como ir às compras. Mas provavelmente estou a fazer uma confusão entre correlação e causa, já que não encontro nenhuma razão lógica para isto que penso ter constatado.

E onde é que eu quero chegar com esta conversa toda? É que talvez a substituição da indústria pelos serviços e dos operários por empregados "colarinho-branco" não tenha melhorado em nada o problema da "alienação" do trabalho, ou o tenha mesmo agravado.

*peço desculpa pelos anglicismos que vou usar neste post, mas algumas coisas não têm palavra portuguesa correspondente (ou se têm eu não a conheço)

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