26/10/10

A remuneração da independência

O juiz Mouraz Lopes explicou hoje que o facto de a remuneração dos magistrados ser superior à média salarial, como consta no relatório do Conselho da Europa, insere-se numa tendência europeia para proteger o princípio da independência.

Caso para dizer: que grande lata, senhor doutor juiz sindicalista para esfarrapar assim uma justificação do arco da velha em defesa de um pico de desigualdade. Como se os "parecidos", ou "aproximados", não pudessem ser independentes. Um juiz é independente porque sim, tendo de o ser pela sua condição profissional livremente optada, ou porque é bem remunerado? Uma coisa parece-me indiscutível: - Mouraz Lopes pode ser um excelente sindicalista mas enquanto juiz e cidadão não passa de um paladino do mérito automático dos mercenários. Livrem-nos, pois, dos seus acordãos.

(publicado também aqui)

Adenda: Leia-se este post.

7 comentários:

Luis Rainha disse...

É uma simples questão e precaução, parece-me. Uma classe bem paga terá sempre menos membros com tentações graves.
Como contribuinte, esta despesa não me causa grandes engulhos.

João Tunes disse...

O que, caro Luis, se pode aplicar a todas as classes (ou camadas) que se necessita sejam independentes (policias e todo o funcionalismo publico e autárquico, arbitros, dirigentes de Ligas, Federações e Comité Olímpico, politicos, jornalistas, bloggers, etc, etc). Camadas estas que se podem sentir menos atraídas pela independência por a independência dos juízes ser melhor remunerada que as suas. E se todos começam a lutar pelo pagamento das suas independências, provavelmente a sua generosidade de contribuinte engulha-se. Ou esta é não só generosa como também é infinita?

L. Rodrigues disse...

Se há um preço para serem independentes, tb devem ter um para serem dependentes. Podiam afixar a tabela, sff?

João Tunes disse...

Exactamente, L. Rodrigues. Nem mais, nem menos.

Joaquim disse...

1. Espero que o juiz Mouraz Lopes não faça asserções de facto rápidas e precipitadas sobre o carácter e a competência de uma pessoa em virtude de uma frase (aliás descontextualizada) como faz Tunes relativamente àquele juiz (ou será que sabe mais sobre ele e não revela no post?).
2. Se se for ver o quadro em que a afirmação de Mouraz Lopes é formulada, a mesma apresenta sobretudo uma dimensão descritiva de uma suposta relaidade europeia (assim a grande crítica passará pelo desmentido fundamentado sobre os seus pressupostos).
3. A remuneração acima da média não é garantia absoluta de independência, obviamente, há quem tenha a capacidade para o ser independentemente desse factor e quem seja permeável à corrupção independentemente do que aufira, mas não parece que a afirmação dessa suposta ligação necessária tenha sido formulada pelo juiz Mouraz Lopes.
4. Da mais pura demagogia é a de que independemente das funções e responsabildiades ninguém deve ganahr acima da média, tanto pior quanto a média de remunerações do concreto sítio é baixa.

João Tunes disse...

O senhor Joaquim pode engolir essa da demagogia (aqui está uma asserção lenta e ponderada) pois ninguém disse aqui que não deva haver quem seja remunerado acima da média (aliás, uma média pressupõe que haja mais alto e mais baixo). Agora o critério deve ser por desempenho (responsabilidade, qualificação, qualidade) e não considerar como uma remuneração da "independência". Disse e mantenho.

joão viegas disse...

Ola a todos,

Compreendo a indignação mas queria salientar (como o fez ja o Luis Rainha) que o problema é bastante mais complexo.

Pena que quase nunca seja debatido de forma desapaixonada e sem demagogia (isso não é critica, calma), porque ja vem analisado na Politica de Aristoteles e merece a atenção das pessoas de esquerda.

A questão do "preço da virtude" (eu sei que isto choca) é, também, em termos praticos, a dos vencimentos da função publica. Esta claro que podemos sempre sacudir o capote com grandes indignações clamando que a virtude não se compra. Mas no fundo, sabemos perfeitamente que isso é uma mentira acabada.

Se a virtude não se comprasse, nem se vendesse, os nossos problemas politicos seriam insignificantes e viveriamos, muito provavelmente, numa sociedade mais justa.

Mas, como sabemos, não é o que sucede. A virtude - a independência como as outras - compra-se e vende-se todos os dias, a dinheiro, o que por sua vez permite, ou pode permitir, um desvio massisso de rendimentos do trabalho para o bolso do chico-espertismo de consciência leve. Houve um tempo, provavelmente durante mais de um século, em que a esquerda palida concordava em chamar "roubo" a esse tipo de desvio. Hoje, parece que a moda é chamar-lhe corrupção. Não sei se a evolução é positiva. Prefiro lembrar que ambas as palavras designam o mesmo fenomeno.

Seja como for, amigo João Tunes, convido-o a reler Aristoteles. Vai descobrir que defender que os magistrados devem ser pagos - o que ja na altura implicava terem MAIS do que os outros - é uma posição fundamentalmente democrata.

Ora, como sucede em 103 % das vezes em que Aristoteles fala de "democracia" (ele era contra, lembre-se, ou melhor, achava que era uma perversão da virtude politica), ele quer dizer mesmo é ESQUERDA...

Abraços republicanos.

PS : Agora mais a sério, compreendo e sigo com muita atenção a indignação contra os juizes em Portugal. Não que concorde com a maneira perfeitamente irresponsavel com que ela é muitas vezes levantada ("tous pourris"), mas porque ela me parece um dos caminhos para encontrar soluções. Afinal o que é, ao certo, que esta mal com os juizes ? Em que é, exactamente, que eles zelam mal pela aplicação da lei ? Os juizes são NOSSOS funcionarios, ou pelo menos deviam ser e ja o são no papel. O que falta para o serem na realidade ?