08/10/10

Não basta!


Para que servirá a greve geral convocada para o dia 24 de Novembro? É muito provável que nessa altura o orçamento de Estado para 2011 (OE 2011) já esteja aprovado, pelo menos na generalidade. E suponho que os dirigentes sindicais são suficientemente lúcidos para não esperarem que, após a greve geral e por mais sucesso que esta tenha, o governo se coloque de joelhos e submeta, poucas semanas depois de aprovado, um orçamento rectificativo para 2011, expurgado das medidas mais nocivas do PEC III. Até parece que às centrais sindicais realmente não interessa parar o PEC III, mas apenas "fazer notar a sua insatisfação". Torna-se assim claro que as centrais sindicais que temos estão completamente institucionalizadas: tornaram-se parte do problema, subordinadas aos interesses que dominam os partidos e o Estado, e não uma via através da qual fosse possível construir um novo caminho.

Aliás, uma greve geral, limitada a apenas um dia, pouca utilidade tem, pois a disrupção económica provocada é reduzida, e nulo o dano político induzido. Hoje em dia, os políticos preocupam-se mais com os resultados das sondagens do que com a contabilidade dos desfiles. A não ser que estes últimos tenham real impacto. O que eu esperaria das centrais sindicais, se realmente quisessem forçar o governo a negociar, seria uma sequência interrupta de greves sectoriais. Conseguem imaginar o dano político e económico de greves sequenciais, cada de um dia? Por exemplo: nos transportes ferroviários; nas escolas; nos transportes rodoviários de passageiros; nos hospitais; nos transportes aéreos; nos bancos; nos transportes rodoviários de carga; na adminstração pública; etc. A disrupção económica seria tal que até a classe empresária pediria ao governo para ceder. Basta ver o que acontece quando as empresas de transporte rodoviário de carga ameaçam parar a actividade... e bloquear umas estradas.
 
Há ainda uma outra questão que não é de todo levantada com a convocação duma greve geral: a falta da legitimidade política do governo para propôr as medidas do PEC III que constam do OE 2011. Nenhum dos partidos com assento na Assembleia da República (AR), em particular o PS, colocou tais medidas (nem as dos PEC I e II), nem nada que se pareça, no programa eleitoral com que concorreu às eleições legislativas de 2010. Para que uma democracia representativa faça um mínimo de juz ao seu nome, é preciso que os eleitos se cinjam, pelo menos em termos genéricos, às suas promessas eleitorais. O que no caso das medidas que constam dos PEC não é de todo verdade. Numa verdadeira democracia representativa, o governo pediria a demissão, e o(s) partido(s) que o apoiam concorreriam a eleições com as medidas no seu programa eleitoral que acham necessárias caso fiquem em condições de determinar o novo governo. A conclusão óbvia é que vivemos numa democracia de fachada, onde nos é "gentilmente" permitido votar para retirar um governo de funções, apenas após medidas extremamente gravosas e muitas delas irreversíveis, terem sido tomadas. Esta situação tem de ser claramente desmascarada e repudiada. Mas infelizmente, nenhum partido político parece minimamente interessado em o fazer, nem à Esquerda, Porque tal limitaria a sua margem de manobra. Se existisse vontade para impôr um mínimo de decência no nosso sistema político, e tal como já antes tinha proposto a propósito do PEC I, o que se faria era convocar uma manifestação defronte da AR para quando tivesse início a discussão do OE 2011. Gostaria de ver que deputados teriam coragem para aprovar o PEC III se depois tivessem de sair da AR através duma multidão.

3 comentários:

josé manuel faria disse...

Finalmente um texto consistente a apontar o erro da data da convocação da greve e demais tácticas erráticas das centrais sindicais.

Texto politicamente incorrecto e altamente heterodoxo para a Esquerda.

Parabéns.

Miguel Serras Pereira disse...

Muito bem, brilhante intervenção, camarada Pedro Viana. É a isto que dizes que eu chamo pôr os pontos nos ii.
A melhor defesa seria, com efeito, o ataque. Impedir a normalidade da acção governativa e o funcionamento normal da economia. Obter a anulação das medidas celeradas como os cortes nos apoios sociais de base. Exigir protecções e disposições de emergência para os mais atingidos pela deterioração das condições ambientes. Reclamar a tributação da banca e de outras entidades que tentam, a favor da crise, consolidar posições, privilégios e insenções tão injustos como racionalmente absurdos. Em suma, não dar tréguas até ver satisfeito um primeiro pacote de reivindicações mínimas. Essa vitória, sim, poderia abrir caminho e perspectivas de extensão da luta. Funcionaria como uma demonstração de força aos olhos dos dois campos e seria uma vitória sobre o fatalismo e a resignação dda "gente [que] em vão requer / o que de fronte erguida já lhe pertencia" (Ruy Belo).

Abraço solidário

miguel (sp)

Niet disse...

Pedro Viana: A sua cândida pureza e ingenuidade ou bondade,não são as melhores armas para combater neste feroz turbo-capitalismo, que tem mais a ver com o "totalitarismo capitalista"( Castoriadis) do que com os doces e empolgantes tempos do " capitalismo normal " descrito outrora por A. Pannekoek. Os sindicatos tornaram-se instrumentos de dominação e manipulação sem precedentes nos tempos que correm. E em Portugal cumpre-se a insâne tragédia de assistirmos ao funcionamento desse ritual sem futuro: "os sindicatos são um instrumento essencial no capitalismo" e " orgãos " da sociedade capitalista, como sublinha o autor de " Os Conselhos Operários". O P.V. lembra bem a " correia de transmissão " que os sindicatos instrumentalizam e suscitam no quadro da Democracia Representativa, onde a lógica do Grande Capital é dominante e taxativa... A convocação da Greve Geral de 24/10 não passa de um ritual " académico " dos estados-maiores sindicais, sem efeitos de maior significado ou, o que pode parecer mais grave, destinada a reforçar a estratégia política de " resistência/defensiva " marxista-leninista-estalinista da direcção do PCP. Niet