28/08/10

Ainda e sempre, a voz do dono

A propósito da história do fulano que se fazia passar por médica e enfermeira, levando as suas vítimas a masturbarem-se ao telefone, por vezes durante horas, lembrei-me de um célebre caso, já com uns anos. Mais uma vez, fica à mostra o respeitinho que a autoridade sempre nos causa, mesmo que transmitida via telefone e em circunstâncias absolutamente inverosímeis.


O que podem ver na peça jornalística acima é quase inacreditável. Mas aconteceu. Em Abril de 2004, a gerente de um McDonald’s algures no Kentucky recebeu um telefonema de alguém que se anunciou como agente da polícia. Este convenceu a gerente de que uma sua funcionária era suspeita de furtos a clientes. Louise Ogborn, de 18 anos, viu-se assim atirada para um pesadelo que iria durar três horas: as instruções do “polícia” levaram a que ela fosse despida, agredida, humilhada e por fim forçada a um acto sexual com o namorado da gerente. Tudo porque uma voz sem corpo, mas investida do poder da autoridade, deu ordens nesse sentido.
Soube-se depois que este fora apenas o culminar de uma série de dezenas de casos similares, ocorridos ao longo de uma década e tendo sempre como alvo funcionários de cadeias de fast food. Porquê esta preferência? Simplesmente porque tais restaurantes são comandados por hierarquias rígidas e por manuais de conduta inflexíveis e omniscientes: as batatas são fritas x minutos, as mãos lavadas y vezes por hora. Qualquer fuga à rotina prevista deixa os dependentes do manual sem referências, ansiosos por ordens superiores que façam regressar a normalidade o mais depressa possível. Ademais, a conhecida experiência de Milgram já demonstrara que são poucos os que recusam cumprir ordens que fazem sofrer terceiros; a voz do dono fala mais alto do que a da consciência.

2 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

É isso mesmo, Luis. Os dois casos são espantosos - ou apocalípticos, se nos lembrarmos de que "apocalipse" significa "revelação" (neste caso do estado de civilização em que estamos). A liberdade colectiva, uma sociedade livre, será aquela que forme os seus cidadãos no hábito do livre-exame e de pensarem pela sua própria cabeça. O que cada um de nós não pode aprender sozinho.

Abraço

miguel sp

Justiniano disse...

Ou será que a mera aparencia de justificação remove todo o constrangimento à consciencia!!?? Ou melhor, que o aparente e erroneo estado de justificação abre espaço àquela consciencia já sem constragimento!!
Custa-me admitir o erro de valoração ou de consciencia na valoração, nestes casos!