31/08/10

Um queirosiano (não) vai ao cinema

Causa um compreensível sobressalto patriótico lobrigar a marca de Eça de Queiroz num blockbuster americano, em que um casal é presenteado com uma caixa que pode causar o seu enriquecimento, tendo como dano colateral a morte de um desconhecido. «O filme chama-se "The Box"; eu não vi nem conto ir ver, mas já li o livro: chama-se "O Mandarim" e foi escrito há mais de cem anos por um tal de José Maria Eça de Queirós.»
Pois, António; mas umas dezenas de anos antes do bravo Eça ter composto a inteligente parábola, já François-René Chateaubriand imaginara tal dilema, precisamente com um chinês como involuntária vítima. Mas duvido que o nosso romancista escrevesse a sua novela com o esbulho em vista; ao ficcionar um mandarim, tornou a citação/homenagem bastante óbvia. E, aliás, já Balzac tinha pegado no tema, em Le Père Goriot, embora atribuindo a autoria do mesmo a Rousseau.

7 comentários:

António Figueira disse...

Caro,
Fui vítima do meu chauvinismo cultural: do Chateaubriand, para além do naco de carne, só conheço de perto as Memórias, e do Balzac só li o mais óbvio; pelo contrário, as cinco linhas que resumem o plot do filme acordaram logo em mim a lembrança do nosso Mandarim - nada a fazer!
Abraço, AF

maria disse...

e....La Faute de l’Abbé Mouret, de Zola. Parece que o Eça era dado ao imitanço.

Joaquim disse...

Difícil mesmo de lobrigar é o sentido do texto de Eça (ou de Chateaubriand) na aula serôdia de Fernanda Palma que o invoca aqui http://www.cmjornal.xl.pt/noticia.aspx?contentid=4B9921CE-3749-4B2E-B9C4-AA8559B8E70D&channelid=00000235-0000-0000-0000-000000000235 (moral do sermão de palma em riste, há tugas que trocam a volta ao sentido de um texto literário de forma mais tonta que a holywood mais manhosa)

nunocastro disse...

O Eça fartou-se de gamar. Veja.se os Maias e a L'Education sentimental...

o que não quer dizer que não seja sempre um prazer renovado ler aquela prosa...a do Eça bem entendido.

Anónimo disse...

Está completamente provado que Eça não plagiou Zola! O livro O Crime do Padre Amaro foi escrito antes e como se isso não fosse bastante, o enredo é radicalmente diferente. Para mais, a referência está errada, é Rousseau que Balzac cita no livro O Pai Goriot. Eça com certeza inspirou-se em Rousseau, directamente ou mesmo através de Balzac, o que é perfeitamente legítimo. As influências literárias, Maria, nunca podem ser classificadas como «imitanço»!;)
O filme em si até metade é tolerável e parece que vai trabalhar a questão da consciência, tal como fez Eça de Queiroz. A partir da segunda parte, torna-se um disparate pegado que envolve qualquer coisa como extraterrestres ou intervenções divino/diabólicas, não sei bem. Uma porcaria.

Luis Rainha disse...

A referência está errada aonde, ó alminha? Balzac atribuiu a invenção do dilema a Rousseau, erroneamente e como eu escrevi.
E reitero: se Eça escolheu logo como alvo um chinês, por certo que quis que a sua citação fosse evidente.

Niet disse...

" Balzac, com efeito, é o meu mestre ", assinalou Eça de Queiroz em carta ao seu amigo Silva Pinto, em 1877. Onde aprofundava ainda mais esses modelos: " Eu procuro filiar-me nestes dois grandes artistas: Balzc e Flaubert ". Outros lances sobre influências literárias são confessados a JP Oliveira Martins: " Os meus romances, no fundo, são franeses, como eu sou, em quase tudo um francês "(1884). Anos anos,1878, tinha confiado a Teófilo Braga que o " Primo Basílio " parecia afastar-se d arte de combate a que pertencia o " Crime do Padre Amaro ". E, em 1885, em carta a Mariano Pina, elogia a reportagem que este publicou na Ilustração sobre a visita e reportagem - que ambos realizaram- a E. Zola; ao mesmo tempo que invoca a " influência de Victor Hugo na sua geração ". Niet