20/03/10

Ainda sobre o PEC

Muito se tem dito e escrito sobre o PEC, à esquerda e à direita, nomeadamente sobre  se os "sacrifícios" estão bem distribuídos, se se devia ter cortados mais aqui e menos ali (sendo o aqui e ali temas como RSI, subsidio de desemprego, benefícios fiscais, mais valias, prémios de gestores, etc, etc.).

Mas há outra questão talvez ainda mais importante - faz sentido o PEC? Afinal, nós estamos a meio de uma crise económica, numa situação em que a receita sugerida pelos manuais de Economia* é, exactamente, aumentar o deficit (porque se o sector privado está a gastar pouco, o Estado tem que gastar mais do que recebe para compensar), pelo que deveríamos estar a discutir era que impostos baixar e que despesas estatais aumentar, não o oposto.

No fundo, esta discussão sobre o PEC é como durante um incêndio alguém estar a tentar apagar as chamas com gasolina e estarmos a discutir se a gasolina é o mais adequado, com uns a dizer que era melhor álcool etílico, e outros a defender o querosene (quando a questão principal, pelo menos a curto prazo, é se faz sentido jogar um combustível para as chamas).

Poder-se-á argumentar que, independentemente da crise actual, Portugal tem um problema estrutural de desequilibro do orçamento (eu até acho que não - que o nosso deficit orçamental é apenas o reflexo da destruição da economia real nas últimas décadas, mas isso fica para outro post), mas mesmo que aceitemos isso, este é o pior timing para reduzir o deficit - uma analogia: imagine-se um diabético que precisa, realmente, de reduzir o consumo de açúcar; será que a melhor altura para começar essa redução é quando ele está a meio de uma crise de hipoglicémia?

*é verdade, não é por uma coisa estar "nos manuais" (de Economia ou de outra coisa qualquer) que está certa, mas a maior parte dos opinion makers que têm falado do assunto a defender a austeridade (concordando ou não com os detalhes) não têm dito "o que se ensina nas faculdades de economia está largamente errado" (na verdade, esse discurso até aparece mais na boca dos críticos) logo podemos assumir que aceitam a teoria económica "convencional" (a tal que diz que nas recessões os deficits são bons).

2 comentários:

GMaciel disse...

E será que alguém já percebeu que a diminuição das deduções em Saúde e Educação vão fazer com que muita gente deixe de pedir recibos, por não existir essa necessidade, pelo que a fraude e a evasão fiscal vão aumentar? Melhor dizendo, as receitas vão diminuir substancialmente por via de vendas de produtos e serviços não declarados?

Ou sou eu que tenho mau feitio e não passo de uma bota-abaixista?

Anónimo disse...

Caríssimo M.Madeira: Como economista e como partidário zeloso e aplicado do federalismo político, económico e social, o Miguel sabe muito bem que o sistema capitalista não tem cura. Não é assim? Ora, a crise da Economia portuguesa é subsidiária e dependente, quase a niveis do inelutável, da mundial e do colete-de-forças implacável que a União Europeia teceu por regras inacreditáveis de economia política: a desindustrialização e o regime de quotas para as produções agrícolas, a par de um desregulado e super-individualista
sistema de exportação onde só vencem os mais fortes, casos da Alemanha,na Zona Euro;e do Japão, dos USA e hoje, de forma paradoxal, da China, principalmente, nos outros espaços mundiais de capitalismo avançado.
O topos económico de crítica alternativa à competitividade capitalista engloba o diagnóstico e a interpretação de inúmeras coordenadas, salientando-se entre outras: fiscalidade, salários, protecção social, nivéis de vida, taxa de câmbio, direitos laborais, desigualdade e precaridade, distorções nos serviços públicos de Saúde e Educação , etc.

Num livro muito didáctico e importante, Daniel Cohen- La prospérité du vice, Une introduction(inquiète) à l´economie ", Albin Michel Éditions, France- indica que o impasse no crescimento da produtividade está ligado ao efeito múltiplo provocado pela quebra da procura e a subida perigosa das taxas de desemprego. Tudo isso no espaço demencial do " capialismo accionista ", onde os paradoxos e a imateralidade confudem tudo e todos.Como diria Marx, este Mundo inquieto cheira a pólvora !. Mas existem alternativas e opções propostas pelos economistas da nossa praça de vulto, a maioria deles a escreverem no blogue Ladrões de Bicicletas.Niet