30/03/10

Mulheres que trabalham


"Ontem foi bom e foi importante. Um grupo de trabalhadoras do sexo do Intendente foi por sua iniciativa própria ao 1º de Maio. Umas levaram as filhas, aquelas que a segurança social retira não necessariamente com mais do que o critério único da profissão da mãe. Outras levaram voz e garra. Sem grandes teses ou reivindicações sobre a profissão. Não é que não as vão já debatendo, e que não digam “queremos direitos”. Não, mas antes disso e antes de mais, colocar o dedo na ferida do estigma e da violência, quer aquela a que se sujeitam nas ruas, quer a do preconceito social que fez pesados os olhares do público à sua chegada à Alameda. O estigma. A forma como são tratadas pelo Estado e pelos comuns de nós. Quanto mais não seja quando olhamos para o lado todos os dias, aqueles que não somos seus clientes, e não vemos realidades duras, muito duras, que não podem continuar a ser ignoradas. “Prostituição: Não ao preconceito, Sim, à pessoa”, era o que queriam dizer, e que também são trabalhadoras.
No Portugal do sexo insistentemente tabú e mal vivido, da discriminação, uma aliança – alguns dirão contra-natura outros bizarra – entre um grupo lgbt (panteras rosa), uma instituição católica, (irmãs oblatas), PROJECTO IR (CEM – Centro Em Movimento) e um conjunto de trabalhadoras do sexo de uma das mais degradadas zonas de Lisboa, ajudou a trazer à rua a denúncia da hipocrisia sobre a existência da prostituição. Essa profissão quer voluntária, quer recurso extremo, quer de mulheres, quer de homens, quer de transexuais, em tantos e variados contextos e diferentes situações, mas com tanta experiência comum. Uma aliança natural, digo eu, quando leio declarações da responsável das oblatas ao Público que “se Jesus fosse vivo andaria a distribuir preservativos às prostitutas”. As minhas alianças são também as de quem intervém de forma humana e progressista na área das ’sexual politics’. Sobretudo em Portugal. Eu não diria melhor.
Tiro o chapéu a estas mulheres auto-organizadas que ontem passaram desfilando frente ao seu local de trabalho e cumprimentaram colegas a partir da marcha, enquanto cantavam junto com as pessoas que se manifestaram no MAYDAY 2009 “hoje, 1º de maio, há precárias a trabalhar!”. Confio que no próximo ano sejam também, se não ainda muitas, certamente mais, porque esse é o efeito dos primeiros exemplos quando são corajosos.
"
Sérgio Vitorino, 5 Dias, 2 de Maio de 2009.
A confiança do Sérgio provou-se fundamentada, uma vez que várias trabalhadoras do sexo têm participado nas iniciativas e assembleias do Mayday, enfrentando medos e desafiando preconceitos, vencendo a primeira de todas as lutas: a de caminhar livremente e de cabeça erguida, impondo a sua visibilidade sem esquecer a sua condição. De trabalhadoras em luta, de precárias que se rebelam.
Working Girl (in boots), Paula Rêgo (consta que a modelo terá sido a jovem e simpática autora deste livro)

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