28/03/10

A lição de Otranto

No dia 12 de Dezembro de 1998, cheguei ao porto de Vlora, na Albânia, onde estive perto de cinco horas. Descobri uma cidade cinzenta, ainda com os vestígios frescos da guerra civil. Casas crivadas de balas, por exemplo. As crianças falavam quase todas um italiano fluente, que aprendiam ouvindo rádio e vendo televisão. As estradas eram de terra batida e de vez em quando passava um BMW de vidros fumados, sem que alguém aparentemente achasse piada ao que observava. Devo dizer, como já terão adivinhado, que aquela não era uma viagem de turismo. Passavam perto de dois anos desde a morte de cento e oito albaneses durante a travessia do Canal de Otranto. A viagem - organizada pelos Tute Bianche - pretendia romper simbolicamente essa fronteira de setenta quilómetros de mar que separam o porto de Brindisi da cidade albanesa que nos acolhia. Uma fronteira que muitos albaneses viam ao mesmo tempo como muro, miragem e oportunidade.

Muitos continuaram a perder as vidas na travessia daquele estreito. No entanto, aquelas mortes de Março de 1997 tinham um travo amargo muito especial: a barcaça na qual se amontoavam os cerca de 150 albaneses foi abalroada por um navio das forças armadas italianas, após insistentes manobras para lhes impedir o acesso à costa. Lembro-me muitas vezes deste episódio. Foi a 28 de Março de 1997 e faz hoje treze anos. Não por acaso, foi nesta varanda sobre o Adriático que Nanni Moretti procurou em vão a esquerda. Num pedaço emblemático de "Aprile", Moretti recorda-nos que a esquerda só faz sentido se souber estar onde estão as vítimas das fronteiras - as físicas e as imaginárias. Pelo menos é assim que eu gosto de ler este excerto:

1 comentários:

maugustomonteiro disse...

Em 1979 estava eu em Tirana, no 7º Congresso do PTA, em que se discutia a cisão entre a China e a Albania por causa de, entre outras questões,a teoria dos 3 mundos, defendida pelos chineses. Estava ainda convencido que ali se construia um outro mundo. Afinal, tudo aquilo se desmoronou como um castelo de cartas e aquele corajoso povo não teve a arte de se libertar de uma ditadura burocrática sem cair nas garras do capitalismo mais selvagem. Hoje, a Albania é uma base dos americanos, apesar do antigo PTA-Partido do Trabalho da Albania-, agora chamado partido socialista, ter ganho o poder pelos votos, nas segundas eleições chamadas democráticas.
Enfim, contigências da vida. Ou da luta de classes
Manuel Monteiro