27/03/10

A propósito de morcegos e das declarações da Ministra da Cultura acerca do TNSC



Ao ouvir excertos da entrevista da Ministra da Cultura à Antena 2 (onde se refere à alegada insatisfação do público do São Carlos, mais precisamente das “pessoas próximas do universo da ópera e da música”), lembrei-me de imediato da récita a que fui assistir d’O morcego de Johann Strauss.
(Trata-se de uma ópera cómica repleta de cinismo e artificialidade: um retrato mordaz da sociedade aristocrática vienense no séc. XIX. O desafio que coloca à sua encenação não é pequeno.  A aposta da encenadora (Katharina Thalbach) foi a de explorar o lado "vampirístico" – logo, susceptível de uma leitura política – da ópera. Para que isto se perceba, note-se que o que desencadeia a acção é a vingança de um dos personagens, que, em tempos, fora abandonado no meio da cidade, no rescaldo de um baile de máscaras, ainda alcoolizado e vestido de morcego... Daí a associação ao imaginário dos vampiros.)
Será que as “pessoas próximas do universo da música e da ópera” são aquelas que pareciam deliciar-se com o “esconde-esconde” vulgar do amante que se refugia no armário, mas se indignaram com a aparição de Maria Rueff no 3º Acto?
Eu diria que não, que não são essas pessoas, necessariamente, o público do São Carlos ou de qualquer outro teatro nacional. Diria, até, que as “pessoas próximas do universo da música e da ópera” não são as que desde sempre se instalam no lugar da sua assinatura, mas aquelas que esse universo souber (e puder...) cativar.

13 comentários:

Carlos Vidal disse...

Onde escrevo e quando escrevo, faço tudo o que posso (que é quase nada) para não apenas contribuir para derrubar o governo que aí está, como desejaria (como desejaria!) a propria implosão do PS. Já se sabe. Mas, desta vez, a ministra fez o que tinha de ser feito. Não entendo este post. Está aqui para ocupar espaço? Há alguma dúvida de que o sr. Damman deve sair do S. Carlos com a urgência possível e impossível? Há alguma coisa mais a pensar em torno disso? O que a ministra diz ou não diz não interessa nada. Isteressa apenas que o pior director de sempre do S. Carlos desapareça.

João Pedro Cachopo disse...

Interessa, sobretudo, que não deixe de nos preocupar o modo de justificar esta ou aquela decisão política – e não me parece isenta de conservadorismo a argumentação que se cinge à remissão para a insatisfação do “público português” – que é, provavelmente, a de uns quantos críticos e assinantes do São Carlos.
Poderia discutir-se – uma a uma, não em bloco – cada uma das produções das últimas temporadas, mas no que toca à abertura do São Carlos ao exterior, à criação de novos públicos, à articulação com o ensino, à criação de um Estúdio de Ópera, eu diria que Dammann está longe de ser o “pior director de sempre do São Carlos”. Que estes aspectos nada contem para uma consciência revolucionária que sonha derrubes e implosões, é no mínimo estranho.

Carlos Vidal disse...

Caríssimo, já percebi. "Consciência revolucionária" e tal. Quer discutir outras coisas. Mas engana-se, e retiro-me já do post.
É preciso saber-se daquilo que se está a falar. De alguns músicos da orquestra que bem conheço até me chegam ecos (frequentes) de que o homem não sabe programar um mero concerto sinfónico. Quer dizer, nem sabe a duração de certas obras, nem sabe que não pode juntar A e B num mesmo concerto, não sabe ligá-las nem contextualizá-las. Não sabe o mínimo.
A sua piada para os críticos, esses parasitas, gostei. Revê-se bem nela?

João Pedro Cachopo disse...

Pois, eu também conheço “uns” músicos e “uns” críticos. Mas não generalizo nem quanto a uns, nem quanto a outros.
“Piada para os críticos, esses parasitas” – palavras suas, sem a mínima relação com o que escrevi, como, de resto, sabe.

Carlos Vidal disse...

Quer dizer, sonhei haver aqui uma referência aos "críticos", ou posteriormente o sr. apagou-a?
Sonhei-a, pronto.

Seja como for, o sr. é a primeira pessoa que escreve sobre isto e que "compreende" o tal Dammann.
Quem diria, um potencial defensor do alemão, logo aqui no Vias de Facto....

Carlos Vidal disse...

Quer dizer, por aqui, por este tempo, vi o meu pior Rigoletto, a minha pior Salome, o pior Offenbach, pobre Offenbach...
Mas não se esforce muito mais, caríssimo, o alemão de onde vinha já trazia as piores referências, críticas, apreciações, notícias de trabalho, etc., etc.

João Pedro Cachopo disse...

Convirá que há uma diferença entre não estar de acordo com alguns críticos e achar que são todos uma cambada de preguiçosos. Aliás, há duas diferenças: entre “alguns crítico” e “os críticos” e entre “não estar de acordo” e “achar preguiçosos”. Nem tudo é branco e preto.
Mas, por outro lado (se me permite) é preciso pôr as coisas preto no branco: não sei se sonhou ou tresleu, mas (1) o “post” que está on-line é o que publiquei há dois dias, (2) não alterei ou apaguei o que quer que seja no post ou nos comentários.
Eu não estou contra ou a favor de Dammann . Falta-me quer o talento, quer o tempo para ataques ad hominem ou panegíricos. Mas estou a favor de uma política democrática de abertura de um teatro de ópera (que é um teatro nacional). Essa do “alemão” é que não é muito “vias de facto”, nem dos blogs que costumo ler.
Caro Carlos Vidal, não se zangue por favor. A ira confunde as ideias. Verá que, como eu, não quer nem deitar fogo às salas de ópera, nem garantir que a sua frequentação constitua um privilégio de poucos; além disso, eu também não gostei muito da Salomé...

Carlos Vidal disse...

Caríssimo, disse há pouco, mas será agora: um comentário último.

Quando referi o "alemão" não quis dizer o "nazi". É ingénuo ou tem má fé suficiente para julgar uma coisa dessas? Vamos ao que interessa.
Lamento o trabalho interrompido de Pinamonti, não por ser italiano, claro, mas por ter da ópera e do teatro uma concepção afim da minha (e da da maioria dos fazedores da casa S. Carlos e crítica portuguesa e internacional): uma ópera de encenador, uma forma estética que de tão global tem de saber encontrar um cérebro "global" que a realize. Três exemplos que Pinamonti trouxe: aquele que é um dos mais entusiasmantes encenadores, teatrais e operáticos, franceses, o enormíssimo Stéphane Braunschweig, o clássico (quase inultrapassável) Strehler, ainda Martoni ou Vick. Ainda a promessa de Chéreau (que apenas veio fazer uma sessão de leitura, mas viria para outros momentos, estou certo - ah, isto não lhe diz nada, muito bem!!).
Opinei, dei exemplos, sei porque é que Dammann é uma desgraça a todos os níveis. E você, caro J. Pedro, o que me diz: exemplos, exemplos, argumentos, tem-nos??
Nomes, concepções, ideias, tem-nas??
Ou está apenas contra a "crítica" e a favor do "poder" existente? Não esteja, porque o homem, o alemão, vai-se embora. Rapidamente e em força, espero.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Pedro,
talvez me possas ajudar numa dúvida hermenêutica suscitada pelo texto do Carlos Vidal. A ele, não vale a pena perguntar, pois que, manifestamente, não é o melhor intérprete do que diz.
As dúvidas, aliás, são duas:
1- Fui eu que li mal ou foi o Carlos Vidal que disse que "desta vez, a ministra fez o que tinha de ser feito" (defendendo-a como "poder existente" das tuas críticas)?
2- O "rapidamente e em força" de Salazar com que o artista encerra o seu comentário, achas que é convocado pelo facto de o Salazar ter sido português ou, bem vistas as coisas, um ditador?

Abrç

miguel (sp)

Carlos Vidal disse...

Miguel,
1.
Estava à espera de uma resposta de J. Pedro Cachopo, que penso ter alguma coisa a dizer sobre isto.

2.
Para tua curiosidade, Miguel, citei o Salazar, naturalmente, admirador, quiçá estudioso, de Richard Wagner. E quem vai por este caminho está e estará sempre redimido. Criminoso, ditador, democrata, o que quer que seja. Redimido está. Bendito é.

João Pedro Cachopo disse...

Caro Miguel Serras Pereira,
Quanto a (1), qualquer pessoa que leia esta sequência de comentários o constata; quanto a (2) as dúvidas persistem (será uma dica acerca do perfil ideal para a direcção do TNSC?)
Um abraço.

Caro Carlos Vidal,
como lhe disse – e repito – o que escrevi não era nem em defesa do “alemão” nem, menos ainda, em oposição ao “italiano”. O Carlos Vidal – com todo o respeito – lê demasiado rápido (num ritmo que, se é certamente adequado à leitura ligeira de “posts” e “comentários”, não deixa de manifestar-se insuficiente para evitar os equívocos em que permanentemente incorre). Quem disse que os críticos são uns preguiçosos? Quem falou em “nazis”??? O problema de se referir ao “alemão” é o facto de se tratar de um estereótipo e, mais do que isso, o problema é o gesto, o registo, o tom em que o emprega... Compreende? É a rapidez e a força...). Repare, se já lhe disse que não estou a defender Dammann, porque insiste em atacá-lo? Bem sei, bem sei que o debate se sedimentou na praça pública em termos de “prós e contras”... Que tal escapar a esse registo?
Volto ao “post” inicial. Não sendo a favor deste ou daquele director (nem contra), o meu texto surpreendia na argumentação da ministra e no modo como se refugia na referência às “pessoas próximas do universo da ópera e da música” (o “público centenário do São Carlos”? aqueles que, de modo mais ou menos explícito, vêem na frequentação do TNSC um privilégio?) uma retórica conservadora que isola e reifica esse mesmo universo.

Serei, neste contexto, como disse e repito, a favor de uma política democrática de abertura de um teatro de ópera (que é um teatro nacional).
Sendo este o ponto em que insisto, é o Carlos Vidal contra ele? Quer acabar com o Estúdio de Ópera? Quer voltar a fechar o São Carlos 300 dias por ano? Quer diminuir para metade o número de espectadores que duplicou entretanto? Não quer isto, mas quer melhores encenações? Bravo! Também eu.
Terei muito gosto em discutir encenações consigo... É que um discurso crítico, no que concerne à arte (mas não só), não se limita à “censura”...
Cumprimentos sempre dialogantes.

Carlos Vidal disse...

Não, uma conversa sobre estética não pode dizer, começar por dizer, esta frase vazia, estereotipada, vácuo enfatuado:
"Serei, neste contexto, como disse e repito, a favor de uma política democrática de abertura ....etc."
E esta também é um ponto final na conversa:
"Quer diminuir para metade o número de espectadores que duplicou entretanto?"
O número de espectadores...
Belo argumento.
Bom proveito lhe faça.
CV

Jejeca disse...

Há alguma dúvida de que o Pinamonti foi dos últimos directores que soube dar ao S. Carlos a dignidade que lhe era devida?

E há alguma dúvida dos modos poucos claros como foi foi «posto a andar?

E há alguma dúvida de que Damman deve sair do S. Carlso?

Perguntem a quem goste de opera !