12/03/10

"Estruturas económicas", "organização social" e regimes politicos

A respeito de Cuba, xatoo escreve "(...) Marx: é a natureza das estruturas económicas que em última instância sustenta toda a estrutura de organização social."

Independentemente do que Marx achasse (talvez evocasse o tal "modo de produção asiático"), será que as monarquias do Golfo Pérsico (estilo Emiratos Árabes Unidos ou Arábia Saudita) são países no caminho na construção do socialismo? Afinal, os sectores principais da economia desses países (petróleo, e, nalguns casos, construção imobiliária) são controlados por empresas estatais.

Possível contra-argumento - esses países são monarquias absolutas, logo essa "propriedade estatal" não passa de uma forma de "propriedade privada" das respectivas famílias reais; mas, se é assim, isso quer dizer que a forma como funciona o poder político pode ser determinante para a verdadeira natureza das relações económico-sociais: uma empresa estatal tem naturezas completamente diferentes conforme exista no contexto de uma monarquia absolutista, de uma democracia representativa parlamentar ou de uma "república de conselhos operários" (ou seja, por vezes é a estrutura da organização social que determina as verdadeiras estruturas económicas, e não o inverso).

E daqui podemos regressar a Cuba - se admitirmos que a questão de quem controla a "propriedade estatal" é relevante para determinar se essa propriedade é realmente do povo no seu conjunto ou apenas de uma elite que domine o Estado, então a questão do regime politico cubano (quem exerce o poder? os cubanos comuns, ou uma minoria de burocratas?) não é apenas uma "barcaça navegando num mar ad-Nihilum"; é a questão fundamental.

14 comentários:

Pedro disse...

Prisões políticas em cuba? Conheço uma: Guantánamo, gerida pelos USA.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Miguel,
sim, é isso mesmo, e tu formulas o problema com invulgar clareza.
A organização das relações de produção é obra e exercício do poder político, assuma-se ou não como tal. As relações de produção são relações de poder e por isso não há democracia capitalista, ou seja: a densidade das liberdades democráticas é inversamente proporcional à densidade da persistência da hierarquia capitalista na esfera da produção.
Um abraço

msp

Joana Lopes disse...

Pedro que procura Inês (belo pseudónimo, por acaso), quer dizer que prefere presos políticos misturados com presos comuns ou que não existem presos políticos em Cuba?

Anónimo disse...

As coisas são mais complexas, complicadas e intrincadas no Médio Oriente, como todos sabemos. Por causa, essencialmente,da mediação religiosa- que tutela o poder político -indirectamente - e do Jogo político e económico intenso das grandes potências na zona, com os EUA e a Rússia à cebeça, que produzem perversas inflexões ao processo político de cada país. E onde cada estado ou monarquia é um caso. Niet

xatoo disse...

ponto de ordem prévio: como disse antes, individualmente não sou nem "estalinista" nem sequer filiado no PCP. Apenas me tenho travado de razões com o MST ao tentar desmistificar a construção de teorias desfazadas dos respectivos contextos históricos, o que normalmente acaba por resultar em mera conversa sem qualquer utilidade

Pergunta MM: "quem exerce o poder? os cubanos comuns, ou uma minoria de burocratas?"
Nas presentes circunstâncias, de um país cercado, não é ainda isso que está em causa no seio de um povo confrontrado por uma situação de excepção e guerra permanente. Quem exerce o Poder num pelotão de combate?
Toda a gente sabe que qualquer emigrante mexicano ou sul-americano que procure entrar nos EUa é ferozmente perseguido, preso e escorraçado de volta à origem. Pelo contrário, como poucos sabem (MSP) a Ley de Ajuste Cubano imposta pelos EUA desde a década de 60 oferece "asilo politico" e uma choruda quantia em dinheiro para qualquer cubano, contra-revolucionário ou com origem no lumpen, que consiga "fugir" e chegar à Florida começar de novo uma vida desafogada. O que é surpreendente é que essa lei tome fundamento legal de uma outra mais antiga do tempo da 1ªguerra mundial que visava aniquilar todos os individuos considerados inimigos. Elucidativo da natureza dos dois regimes em presença - um pela organização social em torno do essencial da propriedade colectiva, outro adepto do anarco-capitalismo em favor dos individuos mais fortes. It`s a war declaration indeed!

Quando citei Marx e "a natureza das estruturas económicas" não o fiz a pensar dentro de contextos fechados de ilhas isoladas (isso já não existe), mas sim numa perspectiva de estruturas económicas de governança global (Marx legou-nos um método dialético, não uma doutrina tipo receita pronto-a-usar). Como se garante hoje a independência nacional de um povo? quem paga a liberdade de sermos autónomos? Garante-se pelo trabalho medido em unidades monetárias concretas, organização e coesão em volta de um colectivo de liderança que elegemos a partir de baixo, ou como avassalados augustalis legatus Cesaris na pessoa de um representante do Imperador que empresta dinheiro a juros usurários e nos escraviza?
Onde fica aqui a "autonomia"?
Quem manda no banco de Portugal?, a instituição que nos tece as malhas de condicionamento económico? - acho ridicula esta fixação por Cuba quando nem uma ténue palavra é usada pelos "autonomistas" para desmistificar a impenetrável Curia de proprietários que nos regem as vidas.

xatoo disse...

exactamente Niet:
é o "jogo político e económico intenso das grandes potências" (por acaso hoje só resta uma e alguns espantalhos sub-imperialistas)
Mas há um condicionalmento inexplicável que leva a maioria dos comentadores a analisarem cada caso, caso a caso, sem atender às estruturas globais de dominação. Ou como nota o prof Boaventura S Santos à imposição do "sistema de trocas desiguais"

Miguel Madeira disse...

Já agora, Niet, diga-se que este meu exemplo foi em parte inspirado num livro do seu amigo Julio Carrapato (em que ele argumentava que as listas das pessoas mais ricas do mundo estarem cheias de reis e de xeques demonstraria que é a superstrutura que determina a infraestrutura)

Anónimo disse...

Miguel Madeira: Os grandes livros do Júlio são, para mim, os que ele escreveu - penso como Tese Universitária - sobre o Durruti, o magnífico e celebérrimo anarquista espanhol.Há anos que não lhe ponho a vista em cima; e, só por uma amiga muito especial comum, sei da fantástica odisseia da vida dele entre o Algarve e Paris, agora. Sobre o Médio Oriente temos que ver- todos o sabemos- que é a zona mais cobiçada do Mundo pelas potências dominantes já referidas, a que se juntou a China. E depois há os laços fortes - passionais e culturais - que a Inglaterra e a França " exploram " na região. O talonnete Sarkozy tem uma base militar nos Emiratos ou no Doubai( cito de memória, passível de erro)), e a CIA e os serviços secretos ingleses " controlam " o aparelho repressivo da Arábia Saudita, pelo menos. Niet

Pedro disse...

Joana Lopes:

Quero dizer que existem presos políticos detidos sem culpa formada nem julgamento à vista, sujeitos a torturas e humilhações constantes, sem qualquer tipo de direitos ou garantias; e estou dizendo que essa prisão é gerida plos USA - que aliás ocupam ilegalmente uma parcela do território cubano.

Fico à espera dum post seu sobre a tristemente famosa prisão política de Guantánamoda, já que se interessa tanto plo sistema prisonal existente na ilha de Cuba.

Um adeus inesiano

Joana Lopes disse...

Pedro que...
A minha pergunta referia-se a presos pelo governo cubano e mantém-se.

Pedro disse...

Precisamente!

Os Estados unidos mantêm ilegalmente uma base em território cubano, transformada na mais abjecta das prisões políticas conhecidas.

E repare: "conhecidas". Como sabemos, há prisões políticas dos USA que são secretas, inclusívé em território da União Europeia - para não falar em Iraques, Afeganistões e etc.

Como vê, tem muito que pegar. B

Joana Lopes disse...

Sou teimosa, Pedro. Comecei por lhe perguntar:
«prefere presos políticos misturados com presos comuns ou que não existem presos políticos em Cuba?»
e expliquei-lhe depois que me referia a pessoas que estão presas, em Cuba por ordem dos irmãos Castro, para ser mais precisa agora.
A isso ,não respondeu.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Xatoo,
por favor, deixe de me chamar MST.
Dito isto, deixando as subtilezas do marxismo para depois, você acha que um povo pode ser livre, quando os seus cidadãos não o são? Talvez você queira dizer um Estado independente e, nesse sentido, livre - será? Mas olhe que, segundo Marx, a liberdade do Estado é inevrsamente proporcional à dos cidadãos.
Mas como nem sou marxista, não é isto que me interessa. O que me interessa repetir é que não é a luta contra o imperialismo que justifica as desigualdades e a ausência de liberdade política de Cuba. Repito que insistir no contrário é fazer, queira-se ou não, a propganda do que se diz combater.
Por falar em marxismo, quem honra melhor Marx, hoje, são não marxistas, que onde outros vêem soluções e receitas e credos disciplinares, reanimam os problemas e a inspiração libertadora do velho judeu alemão, e o tratam como um pensador de primeira grandeza, entre outros, sem lhe erguerem altares.
Por fim, é verdade que você não faz parte da matilha de fanáticos que já deu sinais de querer aparecer por aqui a impedir a discussão com as suas grosserias e impropérios. Vi no 5dias que alguém já tratou de incitar à eliminação impiedosa da inimiga de classe Joana Lopes, e prevejo que não se façam esperar os primeiros sinais do furor dos estalinistas devotos.
Procuro não confundir as coisas e tenho tido gosto e proveito em discutir consigo. Tanto mais que mais dia menos dia quero crer que você se juntará àqueles que, como Marx, Rosa, mil e um outros com nome ou sem ele, pensam que o socialismo é mais e não menos liberdade, extensão e afirmação das liberdades democráticas, enfim, um outro nome da democracia governante, e que, ao mesmo tempo, a organização dos que se batem pelo socialismo tem de ser ela própria democrática desde o início.
Cordialmente

msp

Carlos Vidal disse...

Marialva e burrito na argumentação. Este Madeira Miguel quer fixar (não intentar, mas fixar) um paralelo entre Cuba, essa tenebrosa ditadura, e os "estados" do Golfo.
Ora bem, muito bem, vá em frente, parabéns tem toda a razão. Como dizia o Deleuze, qual é o próximo tema de conversa?
CVidal