12/03/10

Casa Havaneza


A propósito de Cuba e da preferência de Lula da Silva pela soberania nacional em detrimento da solidariedade internacional, importa referir que nem tudo o mexe naquela ilha é simplesmente anti-castrista ou pró-castrista. Há críticas a propósito do que acontece em Havana que não são necessariamente elaboradas em Miami, do mesmo modo que há dissidentes políticos que não são necessariamente financiados pela CIA. Temo que o nosso conhecimento acerca das dinâmicas sociais e políticas que atravessam a ilha sejam parcos e insuficientes para desenvolver um juízo mais aprofundado acerca do tema da repressão e da dissidência. Em todo o caso, importa referir que a prisão dos «criminosos de delito comum» não é necessariamente menos política do que a daqueles que se vêm detidos pelo que habitualmente se chama «delito de opinião». Já tive oportunidade de avançar algumas ideias sobre o assunto aqui.
Por outro lado, é possível por vezes aceder a opiniões e informações acerca do que se passa em Cuba, escritas por cubanos que se reivindicam do conteúdo da revolução cubana ao mesmo tempo que criticam o regime e lhe recusam a exclusividade na apropriação da sua memória. É o caso de Armando Chaguaceda, que publicou no Passa Palavra um artigo acerca do lugar dos intelectuais públicos em Cuba. Não é necessário concordar com o seu conteúdo (que aliás deve ser interpretado à luz dos condicionamentos óbvios) nem seguir as suas conclusões para  lhe encontrar interesse. Aqui fica um excerto para abrir o apetite:

 "Em Cuba, a esfera pública republicana, sucessivamente revigorada pela revolução de [19]30, pelo processo constituinte de 1940 e pelas suas sequelas, alimentou o civismo da Geração do Centenário e possibilitou a revolução de 1959, com as suas aspirações e conteúdos de justiça, democracia e soberania nacional. Não obstante esse antecedente e legado, durante o meio século passado deu-se a cristalização de uma institucionalidade dotada de vocação (e poder) para controlar os bens públicos, delimitar o campo cultural, impor padrões ideológicos e definir as pautas da política cultural, tudo isso em um país habitado por um público amplo e plural, dotado de altos índices de alfabetização e instrução. O resultado desta pretensão foi o caucionamento do autoritarismo político e social, estendido ao mundo da cultura e das ideias.
Qualquer olhar sobre esta relação entre Estado e campo cultural tem de ser historicizado e, consequentemente, reflectir a variabilidade e a coerência de tais nexos, a partir da noção de “revolucionário”. Porque a ideologia e a cultura revolucionárias se tornam interna e intrinsecamente heterogéneas, fiel expressão dos equilíbrios e consensos sociais instáveis estabelecidos entre as tendências contidas no projecto de 1959. A preponderância de dois imaginários (o marxista-leninista e o nacionalista revolucionário) sobre as outras tendências saldou-se, nos finais da primeira década do processo, pela institucionalização do regime político e a centralização simbólica e efectiva do poder em torno da liderança carismática de Fidel Castro."

13 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Excelente acha para a fogueira, Ricardo.
Noutra perspectiva, recomendo a quem aqui te leia que visite também o post do Rui Bebiano na Terceira Noite, Contra o Ódio ( http://aterceiranoite.org/2010/03/12/contra-o-odio/ )

Abç

miguel

Galaaz disse...

Vá, Ricardo: o recurso à primeira pessoa do plural para diluirmos a nossa ignorância na suposta ignorância dos outros é um expediente muito batido. Já não pega. Não é preciso saber tudo o que se passa em Cuba, mesmo que isso fosse possível, e todos sabemos que não é, para se saber o suficiente e se ter uma opinião sobre isso. Mal de nós, Ricardo, mal de nós, nunca teríamos opinião sobre rigorosamente nada! E o que passa em Cuba é um regime que perdeu toda a pureza dos anos da Revolução, se encantou do poder pelo poder, dividiu direitos fundamentais indivisíveis e passou a esmagar quem se opôs a esse projecto, que se tornou ao longo de décadas de um só homem - ou de uma só família. E, neste momento, detidos que se imolam porque já perderam tudo. Sendo que estes detidos são tão de delito comum como eram doidos homens como Sakharov, internados na antiga URSS. Não é preciso pensar muito sobre isto. Basta pensar bem.

Pedro disse...

Parabéns!

Na semana do PEC, o "vias de facto" atira-se ao Fidel Castro!

Miguel Serras Pereira disse...

Pedro Que Procura Inês,
porque não honra melhor o seu nome, procurando Inês mais assiduamente, em vez de se entregar a estas provocações grosseiras que o condenam irremediavelmente aos olhos de qualquer rapariga ou outro primata - até mesmo mamífero, ave ou animal em geral - da sua eleição?
A pose de cruzado antipopular não lhe cai bem. Nem seja a quem for. Vai ver que ainda se arrepende. Oxalá não tarde. A gente perdoa-lhe logo, sem lhe pedir penitência. Pergunte à Inês o que é que ela acha do assunto. Talvez (o) ajude.
Bom fim de semana

msp

Anónimo disse...

"dissidentes que não são necessariamente financiados pela CIA"
nomes e moradas por favor? há?
ou então agora tb queremos apagar do mapa as 438 tentativas de assassinato deFidel, os atentados a turistas, o acto terrorista sobre a Cubana de Aviaçon cujo autor vive refastelado na Flórida, e coisas assim?
xatoo

Pedro disse...

Miguel Serras Pereira:

Você parte logo para "vias de facto". Nisso, ao menos, é coerente.

Desde já lhe agradeço o perdão que me concede no meio de tanto insulto, mas ironia não é o seu forte.

Mas tenha calma, homem! Assim tão descontrolado só prova que o dedo foi posto na ferida. Tenha mais jogo de cintura e continue a ser esse valentão por detrás do teclado: as audiências costumam gostar

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Ricardo,
atenção, se responderes ao xatoo, porque as tentativas de assassinato de que Fidel foi objecto foram, não 438, como ele diz, mas 441,50, segundo Pedro Que Procura Inês e acha que para contestar o PEC a fidelidade a Fidel é uma condição incontornável, e 440,96 segundo outros estudiosos não financiados pela CIA.
Mas sobretudo não te esqueças de- além de forneceres os nomes, moradas e números de telemóvel dos que foram condenados a penas de direito comum por delitos políticos - exibir também os diplomas legais que acabaram com os delitos políticos em Cuba, fazendo com que qualquer oposição política passe a ser pura e simples delinquência.
Finalmente, sublinha bem, não vão entender-te mal, ou julgar que és um discípulo da Joana Lopes, o alcance emancipatório desta abolição da figura do crime político e da correspondente extensão da noção de delinquência comum.
Eu já tentei, camarada, mas não consegui… Espero que tenhas melhor sorte.
Abç perplexo

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Pedro Que Procura Inês,
quer falar a sério? Não se perde nada em tentar.
Você sustenta que defender as liberdades em Cuba e denunciar como um regime de opressão e exploração classistas a ditadura caribenha é ajudar a fazer passar o PEC em Portugal e defender o regime político e económico que temos na região europeia.
Mas o que se passa, a meu ver, é exactamente o contrário. Identificar os que se opõem à dominação dos aparelhos de Estado e de direcção capitalista da economia na Europa com gente apostada em implantar por cá uma "democracia" de tipo castrista, ou ao jeito dos países de Leste do ex-"socialismo real", é a manobra e o alibi preferido das oligarquias desta parte do mundo. É uma trave mestra da ideologia dominante dos regimes que sofremos dizer aos cidadãos e eleitores que, se as coisas aqui não são perfeitas, a única alternativa que o socialismo tem a oferecer é um regime em que as liberdades cívicas e os direitos do trabalho são radicalmente cerceadas e em que o espaço público é confiscado pelo Estado e pelo Partido conjugados, instaurando uma ordem regressiva que impõe ao conjunto dos elementos da população um estatuto semelhante aos dos súbditos de uma monarquia de direito divino (cujos monarcas souberam também jogar a cartada da mobilização dependente e da arregimentação popular ritualizada).
Assim, voltando ao PEC, são os que têm do socialismo, da democracia, da luta contra o capitalismo, etc. as concepções que você exprime e apontam como alternativa regimes como o cubano ou como os da defunta União Soviética, que facilitam a sua aprovação, enfraquecem a sua contestação, comprometem as condições da luta.

Saudações democráticas

msp

Pedro disse...

Miguel Serras Pereira:

Blá, Blá, Blá!

Na semana em que o governo deste país lançou um feroz ataque aos trabalhadores e ao povo, o blog "vias de facto" faz a sua aparição e destaca-se com o quê? Com sucessivas "análises" ao regime Cubano.

E Encerro o meu caso!

E não se preocupe: não tenciono voltar. Fui convidado (como muitos) a vir espreitar o vosso blog, já percebi o que é e Dei-me ao luxo de dar a minha opinião. Só

Longa vida, sorte e saúde.
Um adeus inesiano,
rui Faustino

Miguel Serras Pereira disse...

PQPI

não leu os posts do Pedro Viana, apelando à acção contra as privatizações que se preparam, os posts do Zé Neves sobre o Simplex, do Ricardo Noronha sobre os precários e a crise, da Joana Lopes sobre a visita do Papa, do Miguel Cardina sobre os lucros dos bancos, do Miguel Madeira, para citar apenas algumas coisas mais recentes? Os posts da Diana e do João Pedro também eram sobre Cuba? E, mais ainda, acha que era só Cuba e o seu regime que aqui, postadores e comentadores, tentámos discutir nos posts que partiam do assunto?
Afinal, você não gosta que lhe respondam a brincar às provocações, nem a sério aos argumentos que, com alguma imaginação, se podem reconstituir subjacentes às mesmas…
Veio cá confirmar que não estávamos no bom caminho? Confirmou, não confirmou?
Boa viagem

msp

xatoo disse...

caro Miguel
como já nlhe notaram antes o seu poder de encaixe quando sente a careca à mostra não é o mais adequado
Sobre as tentativas de assassinato de Fidel realmente foram mais que as que eu mencionei; há um livro escrito por britânicos sobre isso.
Faltar-lhes-á acresentar mais 2 ou 3 colaboradores aqui da tasca
http://www.638waystokillcastro.com/

Anónimo disse...

Xatoo: Eu estou de acordo com o sentido profundo das suas palavras! Na ordem da ética, atenção! Sobre o regime castrista, entendo que a questão politica e estratégica na América Latina vive sobre um barril de pólvora. Castro e Chavèz - com razão ou sem ela - podem causar imensos problemas à administração " agridoce " de Obama, por um lado; e, por outro, dado o peso ideológico do dueto e os petrodolares de Chavèz, países como o Brasil, a Argentina e a Colômbia - os " emergentes " cheios de vitalidade económica mas capitalista podem deixar-se influenciar pelo esquematismo " marxista " dos dois referidos líderes; dando origem a que o caos da economia regional e intercontinental, consiga criar mais um factor negativo na indefinição actual do combate à crise económica e financeira que perturba o G-20, muito em especial, claro. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Xatoo,
pronto, eu confesso: a JL, o RN, o ZN, o MM e eu próprio, com a cumplicidade activa do MC, da DA, do PV e do JPC, e inspirados pelo pensamento de Lewis Carroll, organizámos 3,33 atentados falhados contra Fidel e 1,2 contra o seu irmão. O que continua a ser um mistério para mim é como é que você descobriu os factos e nos lixou assim o que estávamos a preparar agora (por um punhado de dólares, que a vida está dura para todos).

Bom, se quer discutir a sério, não leve a mal esta brincadeira e veja que aquilo que me impede de aceitar que os atentados contra Fidel e a luta contra o imperialismo justifiquem a ditadura e a desigualdade de condições é justamente a razão que faz com que você ache - como diz no seu comentário ao post do ZN - que a necessidade de combater o governo e o regime em Portugal justifiquem que o BE ponha de lado a democracia interna e afaste os militantes do poder de decidirem eles próprios da política do movimento.

Nesse ponto, estamos de acordo. Já é um começo - não lhe parece?

Sinceramente

msp