30/08/10

Anos de Luta

Sem ponta de ironia, juro, mesmo, agradeço o esforço dos organizadores do protesto de Sábado no Largo Camões. Quem nunca organizou uma manifestação ou um protesto ou uma greve ou um abaixo-assinado, dificilmente compreenderá um certo fervor messiânico que de nós se apodera nessas circunstâncias. E de como esse fervor é bom e atinge o cúmulo da alegria quando nos empurra para a frente, normalmente na fase de colagem de cartazes a anunciar a iniciativa. Mas, depois, após o dia d, e quando as coisas nem sempre correram como esperávamos, podendo até nem correr mal mas ficando, ainda assim, a sensação de que nos falta qualquer coisa que redima o entusiasmo com que estivemos a lutar contra o que consideramos injusto (e peço desculpa se isto começa a soar a Fernando Nobre), quando é assim, há sempre um risco de tornar o fervor militante em revolta acumulada. Em lugar de continuarmos na senda da revolta, canalizando a experiência para renovar e repensar os termos em que se travou a luta, constituindo-se uma tradição sempre renovada de experiências de luta, acabamos por acumular. E começamos então a zurzir nos outros e a responsabilizá-los pela sua ausência. Esta responsabilização, é claro, não só incorre num perigo de moralismo, como é discutível que venha a dar bons resultados, perdoem-me o desvio eficacionista. Nos tempos em que militei no PCP, a cada luta universitária mal parida sucedia sempre uma tentação de culpar os estudantes pela "apatia" e pelo "conformismo" e a "televisão" e o "consumo" e mais não sei o quê. Felizmente, muita experiência acumulada nos quadros do partidão fazia com que, lá de cima (e deixemos por um momento de lado o problema desta hierarquização da coisa), alguém sempre recordasse à malta cá de baixo que tudo isso são dados do jogo e ou nos viramos contra ele e damos uma ou de reformistas ou de terroristas ou, então, bebemos um capilé, comemos uma sandes de queijo, relaxamos, e aprendemos a jogar o dito jogo. Talvez, não sei, mas não também não levem a mal, faça falta aos organizadores da concentração do Largo Camões recolherem alguma das experiência de tratamento do pós-luta junto dos quadros sindicais que andam por este país. Aliás, talvez não fizessem mal se, para além de andarem a recolher depoimentos de bispos, o que é sempre louvável, é claro, procurassem obter uma declaração do secretário-geral da CGTP a condenar a lapidação. Não deve ser difícil. Mas, pronto, não quero dar conselhos a ninguém.

6 comentários:

JP disse...

Nem mais.

Esta malta que se esforça (e bem?) por meter algumas centenas (?) de pessoas no Camões, é a mesma que desdenha das manifestações de dezenas de milhar da CGTP ou do PCP.

Talvez assim aprendam que não basta só mandar umas loas no eixo Principe Real - Lux mas que a mobilização passa por muito trabalho empenhado de muita gente e de grande proximidade com as pessoas e com os seus problemas.

Olhe, venha mais um capilé!

Miguel Serras Pereira disse...

Belo texto, camarada Zé Neves.

Abraço grande

msp

Ana Cristina Leonardo disse...

as concentrações já não são o que eram...

Miguel Serras Pereira disse...

É sempre um prazer lê-la, Ana Cristina. Mas, por favor, tenha cuidado com a epígrafe, tomada de empréstimo ao O'Neill, do seu blogue. Não será sexista?

Abraço para si

msp

Ana Cristina Leonardo disse...

Miguel, talvez seja. Mas se bem reparou, eu só pus um bocadinho do poema (manhas femininas...)
:)

Miguel Serras Pereira disse...

Em qualquer caso, atenção, cara camarada Ana Cristina, pois que, cordialmente embora, não posso deixar de a fazer notar que nunca - quero crer - a camarada diria "uma senhora é uma senhora" a propósito de um homem.

Abrç

miguel (sp)