23/03/10

Direitos, Estado e Democracia

Na caixa de comentários do post da Isabel Moreira, no Jugular, que o Zé Neves ontem aqui comentou, prossegue a discussão sobre os direitos e os critérios do possível e, no fundo, sobre a prioridade da democracia versus as razões (políticas, ainda que não declaradas) do regime económico estabelecido. Entre outras achegas - das quais saliento uma breve nota do João Viegas -, o Ezequiel lança uma invejável acha para a fogueira. Transcrevo a seguir, com a devida vénia e exortando o Ezequiel a honrar com as suas visitas os debates deste clube, os seus passos principais:

[…] a formulação, defesa e implementação de direitos muitas vezes ocorre em contextos adversos, onde as condições podem não ser as mais propícias à sua institucionalização […] . Aliás, é precisamente nos períodos onde as reservas do possível são mais "escassas" que os direitos assumem particular importância.
[…] a noção da "reserva do possível" emana de um estratégia de delimitação, de circunscrição […]. Ora, se podemos concordar que existem "reservas do possível" (que as há, sem dúvida), podemos não concordar acerca da sua interpretação (por ex, devemos taxar mais os bancos? E que tal subir [a tributação máxima] de 45% para 60%?). A reserva do possível é susceptível de interpretação substantiva. Ou seja, há muitas interpretações possíveis da "reserva do possível."
Dizer que os direitos não são independentes das condições históricas é uma verdade trivial, perdoa-me a sinceridade. É evidente que não são independentes, os direitos. Mas, apesar disso, as condições históricas são afectadas pela vontade humana (não faz sentido conferir primazia às "condições" na formulação de direitos...) [o que] pode ser uma receita para o conservadorismo, com a "reserva do possível" a agir como fronteira intransponível, como limite à emancipação. É um mecanismo arcaico, porque limita a capacidade crítica e de inovação. Coisa complicada, é certo.
Já houve situações que foram alteradas sem que as condições antecedentes fossem particularmente auspiciosas. O facto é que a reserva do possível pode ser interpretada diferentemente. Não assegura, por si, qualquer delimitação do possível. Muito pelo contrário.
Nesta frase do João ["Os direitos não são independentes das condições históricas que os tornam possíveis"], o que transparece é uma tentativa de usar as "condições" para limitar uma interpretação do possível. a reserva possível não é um brute factum.
Além disso, a "reserva do possível" como critério determinante daquilo que nós, cidadãos, podemos exigir do Estado...é uma categoria eminentemente política na medida em que é disputada/contestada na esfera pública. Ou seja, a reserva do possível também é sujeita às vacilações e imprevistos das tais condições. Não é um critério fixo ou estável. E nem sequer é objectiva do ponto de vista das "condições materiais concretas" (capacidades)...porque uma reorganização das capacidades (do Estado, por ex.) poderia redefinir as nossas expectativas acerca do possível.
Só mais uma coisa: o domínio do abstracto-utópico também faz parte das "condições".
Na mesma ordem de ideias, seria interessante que o Ezequiel e, enfim, um pouco todos os interessados neste debate, abordasse a questão das formas de poder político que será desejável instituir como garantes dos direitos concebidos nos termos activos em que ele os concebe. Com efeito, admitindo que, por exemplo, o juízo e a decisão sobre a "reserva do possível" é um poder político, põe-se a questão de saber como não o deixar reservado, justamente, a uma instância hierárquica de direcção que exclua o conjunto dos cidadãos do direito ao seu exercício.
Ou não será verdade que os direitos garantidos e tutelados por um poder acima da vontade, da deliberação e decisão, daqueles a quem são concedidos garantem ao mesmo tempo, como condição dos direitos, a dependência hierárquica dos cidadãos "beneficiados", e os torna "assistidos" ou, no melhor dos casos, "cidadãos passivos"? Mas, sendo assim, não seremos levados a concluir que só a extensão da participação democrática no exercício do poder político que garante e define os direitos pode garantir a autonomia própria da cidadania activa ou governante, a que deveremos reservar o nome de democracia? E finalmente, como excluir sem contra-senso a direcção dos aparelhos económicos, a orientação do seu funcionamento, a organização das relações nessa esfera, a repartição dos bens e rendimentos, do campo político de um regime de governo democrático ou, o que vem a dar no mesmo, da acção instituinte que, a partir das condições actuais, vise uma efectiva democratização republicana do poder político?

19 comentários:

Anónimo disse...

Caro MS Pereira: O texto do Ezequiel parece-me inquinado de um formalismo jurídico brilhante à la John Rawls, gizadod por uma sedução politizante de arco-íris multi-classista; e, no fundo,tenta remendar um tecnocratismo post-eufórico pleno de miragens e fora de época, como o é o socratismo e o seu PEC.O Estado capitalista atravessa uma das suas maiores crises dos últimos 5o anos,mas as alterantivas políticas quase que não existem. Vejamos o caso de França. Sarkozy, o seu bloco capitalista/policial/hierarquico/repressivo, acaba de perder as eleições Regionais. A esquerda institucional- PS PCF e a coligação dos Verdes- perfila-se como alternativa...mas eleitoral.Para reclassificar, para remediar os falhanços do capitalismo demencial do sr. Sarkozy. Mais nada. E a França produz o TGV, o Airbus e vende porta-aviões nucleares.
E ninguém se lembra - a Extrema-Esquerda francesa sai em muito mal estado desta contenda eleitoral -de pedir a " extensão da participação democrática no exercício do poder político ", expressão do MS Pereira muito poética, mas idealista e perversa.Nem a direita, nem a Esquerda plural francesa querem partilhar o poder(es) de Estado com quem quer que seja.E o poder democrático- restritivo, desigual, ultra-blindado e quase circular -é terrivelmente negociado entre as principais facções dos partidos do " sistema".Sarkozy " orgulhou-se " de ter arrolado para o seu campo, individualidades de esquerda como Kouchner, Allégre, Lang, Attali, entre outros.Para quê? Para mostrar que a Revolução era impossível, do seu( deles, todos) ponto de vista.
Voltando ao problema nacional do PEC. Existe uma alternativa para contestar o PEC, e o controlo fiscal e a lógica capitalista sectária e sádica do projecto: criar núcleos de bairro, de empresa,de bureau para o discutir e desmistificar.Usando as estruturas sindicais? Vocês que estão no terreno, é que o devem saber.
Castoriadis, mais uma vez, surge-nos como a voz mais cristalina e segura:" Não existirá transformação da sociedade sem actividade política explícita e elucidada.A actividade política é necessariamente colectiva. Precisamos pois de uma colectividade política que lute e aja para a transformação da sociedade, para a instauração de uma sociedade autónoma. Essa organização colectiva terá uma série de tarefas essenciais a realizar:difundir e fazer conhecer o verdadeiro contéudo das lutas e dos movimentos que se desenrolam, analisar a sua significação, as suas fraquezas eventuais, as razões do seu sucesso ou fracasso, extrair-lhes o exemplo. A sua universalidade não advirá da possessão de uma " teoria verdadeira "- definida uma vez por todas- mas do que ela se determinará a explicitar já como acontecimento,como universal imanente na actividade das pessoas, como significação maior
ultrapassando as circunstâncias particulares que a desencadearam ".Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Não resisto a publicar aqui mais este comentário do Ezequiel, desta vez na caixa de comentários do belo post que o Nuno Ramos de Almeida, no 5dias, dedicou à polémica de que estamos a falar. Cf. < http://5dias.net/2010/03/23/a-realidade-e-como-o-natal-pode-mesmo-ser-vermelha/#comments >

O comentário do Ezequiel começa por citar uma frase do João Galamba:

” Eu não (e tu sabes bem que não) defendo o realismo em política. Mas critico o irrealismo que despreza toda e qualquer condição de possibilidade do que quer que seja e que acha que querer/desejar o impossível é uma posição política vanguardista.”
— e diz depois:
"Caro João,
consegues afirmar uma coisa e o seu oposto no mesmo raciocínio. espantoso.
o que é, exactamente, para ti, o “impossível” neste contexto??
qualquer condição de possibilidade merecedora do nome é plural, ou seja, potencial. pode e é re-organizada por forças diversas. o q tu estás a defender, de facto, é que a resposta do governo à problemática x (política económica) emana naturalmente das tais condições. isto é quase religioso: afinal é o próprio mundo que guia este esplendoroso governo??? é quase como se a política deste governo em domínio x fosse miraculosamente ditada (e, já agora, legitimada) pela própria realidade. meu caro, isto é um absurdo. até as condições que são mais brutais no seu impacto são susceptíveis de serem alteradas por estratégias Diversas. a verdadinha da coisa é que o horizonte do real, do possível e o das próprias condições está em permanente fruição. além disso, o político precede e constitui o legal. a interpretação e a contestação do real, do possível, é um acto político por excelência. é o mais primordial acto de criatividade política. o berço, por assim dizer.
sinceramente, parece-me preferível defender a plausibilidade das propostas do que insistir na unicidade da revelação".

Caro Niet: está aqui dito - sobre o primado do instituinte, a prioridade da democracia, etc. - o que de melhor se pode responder ao teu comentário. Lê bem o Ezequiel, camarada!
Maré alta.

msp

Anónimo disse...

Combatente iconoclasta, MS Pereira: Partilho do teu entusiasmo, mas "vejo" muita hegelianice pelo meio da prosa refinada do Ezequiel. O post do NR de Almeida era admirável: de sobriedade, de humor, de rigor e de charme. E com uma leveza revolucionária! Estamos de acordo.Mas permite-me - o Ezequiel convoca todos os hegelianos de esquerda,Feuerbach em filigrama - só que, para abreviar o que M.Bakounine diz no fabuloso " Estatismo e Anarquia ", tomo a liberdade de te endossar: " Entre a ditadura revolucionária e a centralização estatista toda a diferença é aparente. No fundo,
uma e outra não são senão uma só e mesma forma de governo da maioria pela minoria, em nome da suposta cretinice da primeira e da pretensiosa inteligência da segunda ". Niet

Anónimo disse...

Meus caros,

n esperava tal coisa, confesso. resta-me apenas dizer que sempre preferi o pgramatismo do "how" ás definições precisas do real, do possível.

caro anónimo

o grande gadamer nunca se esqueceu do seguinte: a natureza da "coisa" (assunto, Sache) afecta a interpretação que dela fazemos. percebe? tanto quanto sei, Rawls nunca se preocupou com as fronteiras do real, do possível e com a usurpação da própria capacidade (mucho humana) interpretativa por uma certa "perspectiva" FORMAL e TECNOCRATICA...o real x (singular) como dado absoluto:

já leu o one-dimensional man, do Marcuse?? LOL :)

nunca fui grande barra no Rawls. mal li sobre aquela história do "véu da ignorância"...pousei logo o livro. :)

Caro Miguel,

muito obrigado pelas honras concedidas.
nem me aguento em pé.
gostaria de dizer mais qualquer coisa
mas zero.

os meus agradecimentos,

citoyen
:)

ezequiel

Anónimo disse...

anónimo,

tenho que dizer isto. uma nota pessoal.
tu achas que eu quero remendar o socratismo e o PEC???

meu caro, posso garantir-te o seguinte: não és muito perspicaz. by jove. tás a milhas.

eu gosto de estudar a política. só isso. sou um modesto estudante. n pretendo remendar coisa alguma, especialmente o PM Socrates.


funny

:)

Anónimo disse...

Hegelianice??

dio mio.

mas, Niet, concordo contigo. O Nuno escreve muito bem. O post está fantástico. Autêntico. Concordo com tudo o que ele diz naquele post.


gosto do pouco que compreendi de Hegel mas prefiro este senhor, sinceramente:

http://www.amazon.com/Pluralistic-Universe-Manchester-Situation-Philosophy/dp/1426457545/ref=sr_1_2?ie=UTF8&s=books&qid=1269382544&sr=1-2

Anónimo disse...

Caro Ezequiel: Eu estou mais virado para outros tipos de radicalismo político.E nunca iria discutir as políticas de Sócrates com ninguém.De forma alguma.Como disse o Foucault: eu sou materialista porque nego a realidade! Neste caso,usando-o como contraponto à situação portuguesa, serviu-me de ilustração o caso francês, onde o poder de Estado é mesmo muito forte e, paradoxalmente, muito contestado nas ruas, nos ateliers e nas fábricas.É o exemplo a seguir em Portugal...Niet

Anónimo disse...

Niet,

sim, de facto o poder estatal na França é muito forte.

estás a afirmar que, na França, o poder estatal está a perverter a emancipação local e disseminada (á la Foucault)??

tu vives em França?

cumps
z

Anónimo disse...

Mister Z. Vivo na Alemanha- Stuttgart, a cidade do Hegel da maturidade e hoje da Mercedes... - mas vou muitas vezes a França, onde residi longos anos. Subversão? Só a infinitesimal,claro! Já fui ver os seus " autores " na Amazon...Salut! Niet

Anónimo disse...

Niet

talvez a distância entre Hegel e Mercedes, França e "resistência infinitesimal, n seja assim tão grande...

bonne chance &Auf Wiedersehen
z

joão viegas disse...

Caro Miguel,

Queria apenas deixar umas notas escritas à pressa no intervalo para almoço sobre a minha reacção ao post de Isabel Moreira.

Estas pequenas notas em nada obstam ao que vocês têm escrito sob o ponto de vista politico. Antes pretendem ir ao encontro dessas considerações e dar um modesto contributo porque, neste caso, estamos obviamente a lidar com a questão do elo entre o politico e o juridico.

Alias, para ser claro, é obvio que a minha reacção "de jurista" so tem razão de ser porque sou um jurista de esquerda. Porque sei que o meu trabalho de jurista não tem sentido se não estiver devidamente inserido numa perspectiva politica (o que não quer dizer que se confunda com ela, mas isto é outro problema).

Ora bem, a minha reacção ao post da Isabel Moreira foi principalmente juridica, dirigia-se à jurista e pretendia dizer-lhe : olhe que se o direito fosse isso que você diz - você que tem a obrigação de saber do que fala (pois acho que ela pratica, ou ensina direito, ja não me lembro bem, mas em todo o caso reclama-se da autoridade de quem é jurista de profissão) - então não interessa a ninguém e deve ser tido como uma realidade meramente simbolica (dai eu me ter lembrado da rabula em que os Monthy Pyhtons gozam dizendo "bom, ja que não podes SER uma mulher, vamos dar-te o DIREITO DE SER uma mulher").

O que diz a Isabel Moreira é perigoso porque tem a aparência da razão, mas a aparência apenas. Senão vejamos.

O direito é (sempre foi) a arte de dirimir conflitos acerca da repartição dos bens (materiais e imateriais) que existem na realidade. Nesse imperativo de REALISMO esta o valor do direito e todo o seu sentido social. Em vez de se contentar com promessas vagas de Justiças perfeitas a acontecer no dia de são nunca, o direito dedica-se a repartir o que existe e que esta ai para todos verem.

Mas precisamente por essa razão, o direito NAO PODE, NUNCA PODE ser uma vaga promessa formal. Para isso, não precisamos de direitos, ja temos as homilias dos clérigos dos mais variados credos, que enchem a boca com sermões e explicam depois, em confissão, que afinal mais de metade do que eles dizem é so para acontecer no dia da ressurreição.

Portanto, à primeira vista, o que diz a Isabel Moreira tem a aprência do bom senso, porque o direito versa sobre o que existe, sobre o que esta ai. Dai a dizer : "portanto so ha direito na medida em que existe uma realidade para lhe dar conteudo, e isto implica a tal ideia da reserva do possivel" parece que vai apenas um passito de nada.

MAS NAO E ASSIM.

(continua)

joão viegas disse...

(continuação)

Não é assim, precisamente porque o direito é ja, em si, uma ordem de liquidação de um crédito sobre a realidade. Mesmo quando é programatico, é ja um crédito. Nenhuma declaração juridica diz que cada um de nos tem o "direito" de ser uma mulher, ou de ver asas crescerem-lhe nas costas. Se por acaso um texto juridico dissesse isso, seria um mau texto juridico. Pior, seria um texto privado de "juridicidade" (não tenho bem a certeza que esse pedantismo tenha curso legal, mas quase que aposto que sim, caso contrario, ponham ai o pedantismo em voga para designar o que faz a essência da norma juridica).

Portanto quando um texto juridico consagra um direito, o imperativo do jurista (e do cidadão) é procurar o conteudo que ele NECESSARIAMENTE tem, sob pena de não ser juridico.

Isto parece muito abstrato, mas não é. Vamos a exemplos.

A constituição consagra o direito à igualdade. Não é "à igualdade possivel", é mesmo à igualdade efectiva. O que isto possa significar, uma vez que é impossivel termos todos a mesma altura, o mesmo peso, etc., é precisamente o que compete ao jurista descobrir. Mas em caso algum o jurista se pode contentar com dizer : bom isto da igualdade é impossivel, uma vez que nos somos por natureza desiguais. No dia em que ele fizer isso, deixa de ser um jurista, e o direito passa a não ter nenhum conteudo socialmente util.

Outro exemplo, muito bem lembrado por um comentador do post de Isabel Moreira : os trabalhadores trabalharam uma vida inteira descontando para a reforma. O direito à reforma não é, não pode ser, o direito "possivel", ou seja nenhum, a pretexto de que não ha dinheiro suficiente para pagar. Isto porque o direito é um crédito sobre o dinheiro que existe e que esta à vista, e começou alias por ser pago com o dinheiro que existiu. Quando o trabalhador vendeu a sua força de trabalho pelo preço estipulado UMA PARTE DESSE PRECO FOI DESCONTADA PARA UMA PENSAO. E o trabalho foi prestado, sem que o trabalhador se escondesse na altura por detras de impossibilidades. Portanto dizer hoje que o dinheiro não chega e que o direito a pensão estava submetido a uma clausula de "reserva do possivel" é admitir que o trabalhador foi legalmente esbulhado. E' aceitar um roubo legal e um "direito" que não passa de uma contradição nos termos...

Quando o trabalhador trabalha mais do que as horas contratuais, ESTE TRABALHO TAMBEM E REAL e a economia que o empresario faz não o pagando ainda é mais real...

Etc, etc.

Logo, se estamos a falar daquilo que é apenas "possivel", daquilo "que se pode arranjar dando um jeito, mas so um jeitinho porque quanto ao resto tenho que pagar a conta do gas" NAO estamos a falar de direitos, mas de outra coisa qualquer.

Dito de outra forma, se alguém (o povo tanto quanto me lembro) se preocupou em consagrar direitos, foi ja porque não entendia ficar-se pelas homilias mas queria que existem créditos, reais, exequiveis, sobre determinadas realidades.

E' verdade que às vezes é preciso analise e trabalho para descobrir quais são essas realidades, e como fazer para que o crédito seja honrado. Ai esta a tarefa dos juristas (e não so).

E' verdade também que surgem depois as distinções entre os direitos programaticos e os outros. Entre as obrigações de meio e as de resultado e toda a casuistica que constitui uma parte importante da nossa arte.

Não digo que não.

Mas o que digo é que o jurista não pode aceitar que se escreva que um direito é apenas "o que se pode arranjar".

O jurista que defende isto defende ao mesmo tempo que quem pretende consagrar direitos esta so a querer enganar o povo e defende que o direito, no fundo, não interessa nem ao menino jesus.

Logo o jurista, se fôr de esquerda, e consequente, deixa de ser jurista no proprio dia em que se convence daquilo que escreve a Isabel Moreira.

E isto foi o contributo NECESSARIO que eu entendi não poder deixar de dar - e quero que se lixe o meu almoço.

Abraços a todos.

Justiniano disse...

Caríssimos MSP e Ezequiel!
O princípio da reserva do possível, como formulação de adequação e proporcionalidade, não afecta a formulação substantiva ou formal de quaisquer direitos (basta lembrar a republica de weimar), quanto muito, afecta, sim, a sua efectiva realização ou consecuçaõ prática!!
Entendo que o texto do Ezequiel é excelente, como habitual, mas que desloca o princípio em causa para a tensão entre dever-ser e ser. Quando, de facto, a tensão não se coloca na formulação de qualquer ideia de justiça (ou melhor, pode abstrair desta) mas sim no efectivo cumprimento do programa de direitos (regra geral densificados de princípios programáticos)derivados do princípio da socialidade.
Actualmente, a tensão que vivemos não é entre direitos no plano ideológico ou jurídico constitucional mas sim no plano da sua execução prática (dir-se-á, e com alguma razão, que os direitos sociais apenas existem na medida em que o Estado os pode fazer exercer - Alguma razão, e não toda, porque estes não se descaracterizam quando se reduz a sua grandeza patrimonial.ex: o direito à assistencia medicamentosa não se extingue quando o Estado reduz a sua comparticipação patrimonial) e neste plano é irrelevante a reformulação de direitos.
Um bem haja!!

joão viegas disse...

Caros,

Vim ver se o meu longo comentario (desculpem as gralhas) tinha ficado. Lendo-o de novo, vejo que ha uma maneira muito mais simples, e (espero) mais pedagogica, de dizer o que eu estava a tentar expressar :

No fundo, poderiamos responder o seguinte à Isabel Moreira : o direito do trabalhador à pensão esta submetido à "reserva do possivel" exactamente na mesma medida em que o esta o direito de propriedade dos cidadãos que são obrigados a pagar as dividas contraidas pelo Estado, e nomeadamente, ja agora, do que o direito de propriedade do empresario que, embora favorecido pela lei, não soube utilizar o patrimonio para produzir a riqueza com que o Estado contava (ou que se recusou a restituir parte dela a quem o ajudou a cria-la)...

Mais simplesmente ainda : a teoria da "reserva do possivel" propria das obrigações do Estado é, no fundo, a negação dessas obrigações.

E a prova pode fazer-se por absurdo. A administração da justiça é um monopolio do Estado. Portanto se houvesse uma "reserva do possivel" para as prestações do Estado, também se deveria aplicar aos tribunais que velam pelo respeito da propriedade. Então teriamos uma situação em que seria legitimo irmos buscar directamente os nossos direitos a quem tem posses. Se eles se voltassem em seguida para os tribunais, os julgamentos deveriam apenas restituir-lhes uma parte das suas propriedades em nome da "reserva do possivel".

Porque é que não é assim ? Porque se entende que a propriedade é um "direito". Isto pode e deve ser debatido, e tem sido debatido. O meu ponto nem sequer é esse. O meu ponto é que a palavra "direito" não tem um sentido diferente consoante estamos a falar da propriedade ou de outros direitos.

E no dia em que passar a ter (que é o que esta subjacente à teoria da "reserva do direito" de Isabel Moreira), o direito deixa pura e simplesmente de fazer sentido.

Até na Alemanha isto é verdade !

Bolas, la ficou mais um comentario mais comprido do que eu queria.

joão viegas disse...

Na ultima parte do meu comentario, entre parêntesis, é favor ler "reserva do possivel" e não "reserva do direito".

Desculpem outras gralhas provaveis.

Ricardo Noronha disse...

Não há nenhuma desculpa a pedir João. O seu texto é excelente e valeria a pena transformá-lo num post. Não quer editar tudo e mandar-nos a coisa limpinha para publicar? Sem ser necessariamente na sua hora de almoço ;)
Não só mas também de pão vive o homem.

Miguel Serras Pereira disse...

Apoiado, Ricardo.
Vamos lá, João, vai sendo tempo de transformarmos o direito num tema de debate democrático. Isso torna-se particularmente importante para quem concebe a conquista política da autonomia não como a abolição de todo o poder e toda a lei, mas como exercício de uma cidadania governante, implicando a participação igualitária e responsável de todos na deliberação e adopção das leis pelas quais se governem. Mas, enfim, agora a palavra é sua, e a discussão fica para depois.
Abrç

miguel (sp)

Justiniano disse...

Caríssimo João Viegas,
(Após leitura da Isabel Moreira) o texto da Isabel Moreira não revela nada de extraordinário, exceptuando a sua referencia à aplicação do princípio da reserva do possível a direitos, liberdades e garantias, que sinceramente me soa a largada de ensaio criativo(confesso que ainda não lhe li esta hipótese, aliás publicada (culpa minha, sem dúvida) - poderei ficar convencido!? Não!!).
A ortodoxia do possível ou a escassez aplicada à moral.
Do mesmo modo nada de errado tem sido dado em resposta (à Isabel e ao Galamba) no campo da hipótese política (como o MSP gosta de se referir a um futuro em aberto...), mas mesmo a hipótese política para além das fronteiras do Estado Social de Direito obedecerá, inelutavelmente, a um princípio de reserva do possível (isto, sem qualquer Malthusianismo à mistura).
Um bem haja,

joão viegas disse...

Caros Ricardo e Miguel,

Vocês estragam-me com mimos, mas matam-me, a sério que me matam. Isto, parecendo que não, é complicado, importante, mas complicado. Não devia sê-lo, mas é.

Trata-se de resumir, num texto simples, curto e claro, o que esta mal no raciocinio da Isabel Moreira e, ao mesmo tempo, o que é que um jurista de esquerda tem a dizer sobre o discurso ambiente do pretenso "realismo" (e do seu verniz doutrinario, a chamada "reserva do possivel") contraposto ao cumprimento do efectivo do Direito, e dos direitos adquiridos.

Tem de ficar para o fim de semana (a minha hora de almoço não chega e como sabem, ou se calhar não sabem, não trabalho para o capital, de forma que as minhas horas são contadas).

Portanto não vou prometer nada (reserva do possivel...). Ou antes, vou prometer, mas sem compromisso para este fim de semana.

Sendo o assunto importante, penso que se vos mandar, mesmo com atraso, um texto simples, curto, e tão claro quanto possivel, sempre ha de aparecer uma ocasião para o publicar (caso valha a pena).

E não havendo, também não tem mal, pelo menos terei clarificado as ideias e, quem sabe, ajudado a clarificar as vossas.

Abraços