23/03/10

Um Hooligan nos Ladrões de Bicicletas

Há muito tempo que um post não me desconcertava tanto. Sinceramente, pensava já não ser possível encontrar um intelectual, de esquerda ou de direita, mas ainda mais de esquerda, dizer o que Francisco Oneto diz aqui. E não me refiro ao primeiro parágrafo, onde Oneto define o que entende por exercício da violência legítima por parte do Estado. Nem me refiro à condenação dos acontecimentos em causa, condenação que partilho. Falo de um certo tom que, no mínimo, roça a selvajaria que identifica no outro. A propósitos dos confrontos violentos entre adeptos do FC Porto e a polícia, Oneto fala-nos de “bandos de desordeiros”, de uma “esmagadora maioria [de] ignorantes e mal-educados - senão mesmo mentecaptos”, da “reles submissão a ideais de estupidez agonística exacerbada”, de “estes degenerados”, da “acção desta escumalha”; e exige a plenos pulmões “regime de reclusão”, “trabalho compulsivo em prol da comunidade”, perfumando o seu vómito com uma proposta paternalista: “O que não faltam aí são bibliotecas com livros a precisar de encadernação e formadores a precisar de trabalho”.


O que aqui está em causa não é o hooliganismo da claque do FCP, ou a violência das claques de futebol (que não é exactamente a mesma coisa que hooliganismo, convém ler mais sobre o assunto e o que não falta aí são bibliotecas com livros a precisar de ser lidos). Nem sequer estão em causa os estádios do Euro ou a futebolização do quotidiano. Ou melhor, está tudo isso, mas em relação a tudo isso, em última instância, e não fosse o estilo arruaceiro, eu estaria mais ou menos de acordo com Oneto; o que está em causa é o tom que resulta da insuportável frustração de um intelectual que vê as massas mijarem fora do penico cultural que ele idealizou. Oneto pode estar a falar contra o que julga ser hooliganismo, mas fá-lo num estilo intelectualmente hooliganesco. Quem escreve é um hooligan, que não se importa em propagar tiradas de um infinito elitismo, como esta, em que tudo se confunde, o dono do clube, o hooligan, o adepto, o gato da vizinha, tudo e todos, até às pobres criancinhas e ao seu défice de socialização democrática: “À legião de psicopatas e de inúteis que medram neste meio – que vale o que vale não por ser desporto, mas por ser negócio - tivemos de pagar dos nossos impostos os faustosos estádios, temos de os aturar em intermináveis demonstrações de cretinismo e abjecta verborreia à abertura dos telejornais, temos de os ouvir a toda a hora nos cafés, nas escolas e nos locais de trabalho, e ainda querem que toleremos como natural a existência de claques que, recorrentemente, se comportam como grupos terroristas, a arruaça, a destruição de bens públicos, a agressão, o fecho de auto-estradas e – pior do que tudo – o espectáculo execrável dado à já de si deficiente socialização democrática das crianças e dos jovens?”.

17 comentários:

Carlos P. P. disse...

A meu ver, é perfeitamente adequada a fasquia que o sr. Oneto coloca. Está ao nível dos adeptos a quem se refere. E repito: adeptos. Porque é o que está lá escrito. Não interessa se são hooligans ou claques pois primeiramente são adeptos. O adepto pode ou não ser fanático. E do fanatismo podem provir atitudes primitivas e prepotentes. Não venha o senhor interpretar elitismo numa classificação de actos só admissíveis numa anarquia. O que é mais elitista neste caso o sentimento do classificador ou dos classificados? O que justifica ambos?

zé neves disse...

"Está ao nível dos adeptos a quem se refere". É o Henrique que o diz...

E já agora, o que são atitudes primitivas?

Diogo Augusto disse...

Ah... então é assim que uma pessoa se "preocupa com a complexidade do mundo"... Tentando enfiar um elefante num Mini.
Tem perna curta essa tentativa de equiparar indignação com selvajaria.

* disse...

diogo, não percebi.

zé neves disse...

diogo, não percebi.

Carlos P. P. disse...

Uma atitude primitiva sr. neves? Coçar a axila em público. Pode influenciar o macaco mais próximo. Se o fizer em casa é normal sendo esse habitat natural da criatura.

Diogo Augusto disse...

Peço desculpa, o erro foi meu por não ter indicado o link. Referia-me a isto http://minoriarelativa.blogspot.com/2010/03/suspeitos.html porque sou um pouco vingativo :) e referia-me a perna curta e ao Mini por achar que o seu argumento é demasiado rebuscado.

zé neves disse...

diogo, mas o que é rebuscado? não será possível condenarmos as agressões sem recorrermos a linguagem mastigada do tipo são os selvagens e uns incultos? desde quando é que a cultura é sinal de paz?
abç

henrique, não tenho nada contra o facto de um macaco influenciar o macaco mais próximo. cada macaco no seu galho? não, obrigado.

Diogo Augusto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos P. P. disse...

Sr. neves, não queira tomar posições populistas. Sabe perfeitamente que só está aqui em causa a influência negativa de adeptos perante outros. Quando assim é tem que existir o mínimo de senso comum para destingir o aceitável do excedente. Continue a fazer logs interessantes que não este.

Diogo Augusto disse...

Certo, a cultura não é necessariamente sinal de paz. Mas dizer "Falo de um certo tom que, no mínimo, roça a selvajaria que identifica no outro." é claramente rebuscado, é comparar uma indignação perfeitamente legítima ainda que feita num tom mais exaltado com um comportamento verdadeiramente selvagem de vandalismo e agressões.

zé neves disse...

diogo,
mas é o tom exaltado que permite considerar como selvagem o que não é selvagem. e aquilo é mau e pode ser considerado como mau sem precisar de ser considerado como selvagem. o que é que se ganha em desumanizar quem fez aquilo? em tomar a humanidade como qualquer coisa de positivo em si mesmo? não dou para esse peditório...
abç

Anónimo disse...

"a bourgeois tragedy"

LOL
z

Diogo Augusto disse...

Hmmm... Nesse caso, retire-se o "selvagem", substitua-se por "pouco ou nada civilizado" e, nesse campo, podemos ou não concordar com a ideia de civilização mas saímos todos contentes. Só acho que, relativizando a coisa, corremos o risco de não a condenar com a veemência que merece.

zé neves disse...

diogo, por deformação profissional, estou um pouco (só um pouco) a par do "ambiente" das claques e afins. há um antropólogo do porto que realizou uma tese de doutoramento sobre o assunto. sinceramente, não tenho nenhum respeito pelo universo "claque", como podes imaginar. mas também receio que as "claques" se tornem o campo de experimentação de uma série de medidas muito discutíveis. Por exemplo a obrigatoriedade da legalização das claques e entrega da lista de membros às autoridades. Ou a facilidade com que a polícia, para dar um exemplo, pura e simplesmente interdita que uma claque entre na cidade de Lisboa porque esse é o desejo do presidente do clube de Lisboa (por sinal, o "meu" clube).
abç

zé martins disse...

Oh Zé Neves, não é possível comentar os acontecimentos de Faro sem usar uma linguagem minimamente mastigada. Para quem assistiu à barbárie das cadeiras pelo ar e do fogo de artifício que nem na Faixa de Gaza, chamar ineptos e psicopatas aos (ir)responsáveis é bem pouco. É certo que Portugal precisa de uma boa Revolução. É certo que, como noticia hoje o jornal i, Portugal é o país da Europa com mais doentes mentais.
Mas o espectáculo de degeneração cívica do passado fim-de-semana ultrapassou todos os limites da espécie humana. E já que tanto aqui se falou de macacos, nem macacos seriam capazes de acções de um tal nível de estupidez agonística exacerbada.

francisco oneto disse...

Porque mais vale tarde que nunca

http://triplom.blogspot.com/2011/05/proposito-do-espectaculo-da.html

Cumprimentos