22/03/10

Quadros de Honra nas escolas?

O CDS/PP propôs o regresso dos "quadros de honra" às escolas. Eu em tempos escrevi algo no Vento Sueste sobre isso*, e repito aqui: tenho algumas dúvidas sobre a eficácia dessas politicas de distinção aos "bons alunos" (sob a forma de certificados, quadros de honra e afins) - por achar essas politicas "elitistas" e prejudiciais para a "auto-estima" dos alunos menos bons? Não.

O meu argumento é outro: é que parece-me que, em regra, os "bons alunos" tendem a ter uma personalidade "inner-directed", no sentido de confiarem mais no seu juízo do que no dos outros (e penso que faz sentido: é natural que aquelas crianças que, ao montar um carro de brinquedo, querem ser elas a descobrir como o carro se monta venham, no futuro, a ser melhores alunos - já que exercitam mais os neurónios - do que aquelas que preferem pedir ao pai que lhes explique como se monta o carro); e, sendo pessoas que confiam mais na sua própria opinião do que na da "sociedade", não sei se lhes fará grande diferença a escola dizer ou deixar de dizer "és um excelente aluno" (afinal, se eles já sabem que são bons alunos, que diferença em termos de incentivo fará o reconhecimento de tal pela escola?).

E, já agora, cito o que o Tárique (que até recebeu um prémio de melhor aluno, logo sabe do que fala) disse sobre o assunto:
A desenvolver melhor, a minha opinião por agora é que os quadros de honra clássicos são contraproducentes.

E parece-me que acertas quase na mosca quando falas na componente "inner-directed" .

No entanto, existem opiniões avaliativas que interessam aos bons alunos tanto quanto a sua: as dos seus pares. Não acho é que seja correcto nem eficaz (apesar de ser muito neo-liberal) fazer do egoísmo e soberba cobiçosa o motor da excelência académica. As desvantagens sobrepor-se-iam às vantagens.

1 - acho importante haver incentivos aos alunos para estudarem para ter 20 em vez de 19. E acho que isso é algo a mudar na escola pública.

2 - Os quadros de honra só servem para desmotivar e segregar os alunos. Cerimoniazinhas para a escola toda é um fréte, um martírio que só envergonhará uns e outros. Mas se se quer seguir mesmo este caminho, mais inteligente seria fazer saber aos melhores alunos que o seu esforço "extra" será recompensado com, por exemplo, uma viagem a um museu em espanha, um livro ou coisa do género, mas nada de cerimónias parvas.

3 - há formas muito melhores e mais horizontais de incentivar a excelência. uma que eu adorava eram as Olímpiadas da Matemática (nas quais cheguei a ganhar o bronze nacional). Os "clubes da matemática" em que nos podemos dedicar a resolver problemas mais complexos do que o básico programa oficial são outra.

4 - O prémio pontual, no fim do curso, com as notas já tiradas, incentivou-me pouco ou nada à excelência. Melhor teria sido que um prof um dia viesse falar comigo e dizer "olha, tu gostas destes desafios? que tal um mais complicado? vamos preparar-nos para o Prémio Bento de Jesus Caraça/Mário Silva? Eu ajudo-te!"

Em resumo: os (bons) alunos não precisam de prémios, reconhecimento, quadros de honra, etc. Precisam de desafios intelectuais! De acompanhamento. De elementos mais aliciantes. É típico da dialética neo-liberal dizer que as pessoas só trabalham para "se armar", para chegar a "alpha-male/female"
*é um facto, grande parte dos meus posts começam a ser repetições de coisas que escrevei há anos atrás, mas pelos vistos os temas em debate na sociedade não têm mudado muito.

6 comentários:

Anónimo disse...

Essa do "inner-directed" fodeu-me.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Muito piores que os quadros de honra são os prémios pecuniários. Ao menos os primeiros ensinam aos alunos que uma sociedade pode ter elites que não se reduzem à oligarquia financeira.

CF disse...

É um bom tema para se rebater. Numa vertente pedagógica, sendo essa a minha área, parece-me ter mais contras do que prós. No sentido de que, quem já é bom, é sempre, e quem não é, não melhora por estar no final da lista. A opinião deste ex aluno, é esclarecedora quanto aos quadros de honra.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Tanto o autor do artigo como o seu amigo Tárique acabam provavelmente por ter razão e por não a ter.

Não a têm, porque estarão a fazer uma generalização a partir de um(ns) caso(s) particular(es) sem ter aparentemente sujeitado essa generalização a uma confirmação estatística.
Haverá bons alunos que apreciarão estar no Quadro de Honra, ao mesmo tempo que outros considerarão isso um fardo que têm de transportar.
Não me surpreende se o próprio Dr. Portas derivasse um intenso prazer do facto de ser aluno de "Quadro de Honra".
Outro excemplo notável é o da personagem Alex Keaton da série "Quem sai aos seus" que, tal como o Dr. Portas, era um Republicano numa família de comunas.
Haverá portanto bons alunos que gostam, outros que detestam, e outros a quem é indiferente haver "Quadro de Honra".

Mas a questão nuclear não é esta, porque as ferramentas de motivação não servem para despertar sensações agradáveis a quem é alvo delas: servem para mudar comportamentos.
E o "Quadro de Honra" só será útil se, pelo facto de existir, haja alunos que passem a ser bons e que, sem a sua existência, não seriam.
Eu pessoalmente não creio que um aluno com potencial para ser bom aluno, mas que não o seja, se esforce por sê-lo pelo facto de poder ingressar no "Quadro de honra"...
Se recebesse um dinheirinho, talvez...
Se a miúda mais gira da escola fizesse marmelada com ele, talvez...
Se fosse dispensado das aulas de Área de Projecto, ou Educação Física, ou aquelas que há agora e não havia no meu tempo, talvez...
Pelo "Quadro de Honra", não estou a ver os miúdos do Rap e dos bonés que levam navalhas para a escola e preferir a Matemática à hipótese de entrar no gang...

O que devolve a razão aos meus amigos, porque estas ferramentas parecem mesmo irrelevantes para aumentar o núumero de bons alunos.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Não sei se o bom aluno confia mais no seu próprio juízo que no dos outros. Se tiver um ar, um comportamento ou gostos diferentes dos outros, como quase inevitavelmente terá; ou se for ostracizado ou humilhado pelos seus pares como punição por ser bom aluno, então o juízo dos outros será para ele muitíssimo importante. Todos precisamos, por mais inner directed que sejamos, de alguma forma de reconhecimento social, e é isto que falta muitas vezes aos bons alunos.

Sou contra os prémios pecuniários aos bons alunos, especialmente quando servem para encenar propaganda política nas televisões; mas no que toca os prémios simbólicos, sou totalmente a favor.

Miguel Madeira disse...

"Se tiver um ar, um comportamento ou gostos diferentes dos outros, como quase inevitavelmente terá; ou se for ostracizado ou humilhado pelos seus pares como punição por ser bom aluno, então o juízo dos outros será para ele muitíssimo importante."

Não vejo porquê - até acho que o mais provável nesse caso é desenvolver tendências associais e passar a dar ainda menos importância ao juizo dos outros (até por uma lógica de "há, mas são verdes").